Opinião

Enquetes da República do populismo judicial: à procura de "likes"?

Autor

  • Daniel Vila-Nova

    é advogado doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) mestre em Direito Estado e Constituição pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) foi ainda servidor público concursado do Supremo brasileiro com aprovação em 2000 e exoneração a pedido em 2017.

8 de dezembro de 2020, 15h59

A gestão do ministro presidente Luiz Fux encontra o seu primeiro ponto de inflexão. A pendência da proclamação do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.524/DF, de relatoria originária do ministro Gilmar Mendes, reflete uma espécie de mal-estar, na Corte Constitucional brasileira.

De início, ressalva-se: apesar de seis votos — a maioria absoluta das 11 cadeiras do Colegiado — terem sido lançados, o Julgamento Virtual segue aberto. Até a proclamação do resultado pelo presidente, ou o encerramento estipulado para a sessão "virtual", o desfecho ainda não pode ser considerado, ao menos em tese, real.

Afinal de contas, o voto de Minerva (de desempate) para o anunciado resultado de vedação das reeleições (ou, nos termos do artigo 57, da Constituição Federal, das "reconduções") em ambas as Casas do Congresso expõe que tipo de repercussões institucionais?

Quando o assunto é o Supremo Tribunal Federal, as aparências enganam. Pensa-se estar diante de um típico órgão judicial quando, a rigor, por definição constitucional, trata-se, também, de nada mais, nada menos, que o órgão de Cúpula do Poder Judiciário nacional. Alguma "Supremologia" é necessária: isto é, torna-se necessário algum exercício de imaginação e de conhecimento em torno desse protagonista da vida jurídica e política brasileira.

O tema em debate é sensível porque diz respeito, exatamente, à dinâmica de sucessão da Cúpula do Poder Legislativo no Brasil. A matéria, por mais que suscite paixões e interesses eleitorais a respeito da iminente (ou não) eleição de Rodrigo Maia (Câmara dos Deputados) e de Davi Alcolumbre (Senado Federal), merece uma reflexão mais alentada sobre o princípio republicano e o elemento "democrático" do Estado de Direito no Brasil.

A República, segundo a Carta Cidadã de 1988, corresponde a uma "cláusula pétrea". A primeira vez que o STF foi defrontado com uma reflexão a respeito da sucessão da cúpula de outro Poder — no caso o Executivo —, a Corte acabou por chancelar a possibilidade de reeleição do presidente da República estipulada pela Emenda Constitucional de 16/1997. A noção de reeleição presidencial (algo não cogitado pelo Congresso Constituinte de 1988) foi declarada pelo mesmo Supremo como algo possível — permitido em nossa ordem constitucional e institucional.

No caso da ADI 6.524/DF, a redação do §4º do artigo 57 do texto constitucional [1] é literal no sentido da vedação de recondução. O Supremo, ao se deparar, pela segunda vez com o tema, acabou por flexibilizar a redação constitucional para assentar o seguinte: em legislaturas federais diferentes (isso é, de quatro em quatro anos), a recondução seria admissível.

A "emenda interpretativa" do Tribunal — a qual permitiu, por exemplo, a primeira recondução de Maia na chefia da Câmara, acabou por ocasionar um problema de entendimento do soneto. E, justamente esse, foi o nó cujo desate segue a aguardar a proclamação do resultado.

De fato e de direito, há uma assimetria quanto às regras de recondução/reeleição nos órgãos de cúpula da República Federativa do Brasil. No Executivo, admite-se uma reeleição (a qual enseja, em tese, mandato de oito anos). No Legislativo, a "recondução", nos termos do artigo 57, § 4º da Constituição, pode ocorrer na transição de legislaturas (o que pode gerar um mandato contínuo por quatro anos). No Judiciário — note-se — o texto constitucional é completamente silente. A rigor, a matéria é regulada, atualmente, pelo Regimento Interno do STF e indica a impossibilidade de recondução de ministro ou de ministra na presidência.

A República, no Brasil, contudo, já conviveu com regras diferentes. No mesmo Supremo, logo na Primeira República (1889-1930), houve gestões que se estenderam por décadas. Na presidência, o figurino constitucional sequer admitiria a reeleição — e, desde sua chancela pelo STF, três, em três reeleições possíveis aconteceram.

A resposta da Corte Constitucional é definitiva? Ainda que assim seja proclamada, a resposta é não. Explica-se, a fundamentação prevalecente (até aqui) foi no sentido de que a "literalidade" da Constituição é que serviria de lastro para a interpretação (veja-se, nesse sentido, os votos prevalecentes de Roberto Barroso e de Luiz Fux). Assim, bastaria uma Emenda Constitucional aprovada (em dois turnos, em ambas as Casas Parlamentares, com quórum mínimo de 3/5 — ou 60% — dos votos) para viabilizar a tal "recondução".

Nos bastidores da Corte e na Opinião Publicada no Brasil (jornais, sites e portais de notícias), o desconforto político e institucional da presidência e da Corte são reportados… As fontes indicam a ocorrência de consultas informais e enquetes de alguns dos ministros para aferir eventuais impactos negativos caso a decisão tivesse outro resultado possível. Numa espécie de caricatura, a decisão da vedação geraria mais ou menos "likes" nas redes sociais e na sociedade já combalida por mais de 176 mil mortos pela Covid-19? Caberia, ainda, aprofundar nossa reflexão cívica, existiria uma dinâmica de poder "interna" diversa da "externa" ao próprio Supremo?

No dia em que se celebra a Data da Padroeira da Justiça, vale a questão: afinal, a escultura de Alfredo Ceschiatti (aquela que tem uma espada repousada sobre o seu colo na "Praça dos Três Poderes" em Brasília) está, realmente vendada; ou, estranhamente, está a enxergar, ou a ignorar, os candidatos que podem, ou não, concorrer à recondução na presidência das Casas Parlamentares?

Nossa Senhora da Conceição — a Santa do Dia — foi concebida em um tempo em que a justiça de Atena era alcançada mediante a consulta a oráculos. Este 2020 pandêmico, ao menos aparentemente, trouxe algo de "novo": as enquetes a assessores e a asseclas; ou ainda, a busca de "seguidores", como se o STF tivesse, antes de qualquer coisa, ser "influencer" digital…

Teria o Supremo se tornado uma instância movida a populismo judicial? Seria esse o destino da "República do Novo Normal"? Com eleições projetadas para o início de fevereiro de 2021 (se a pandemia deixar), a impressão é a de que ainda há muita água por passar por debaixo da ponte…

Enquanto o verão não chega, que as melhores águas nos abençoem!


[1] A Constituição (na redação conferida pela EC 50/2006) estabelece que: "§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente."

Autores

  • é mestre em Direito Estado e Constituição pela UnB e doutorando em Ciência Política pela UFF. Sócio do Souto Correa Advogados, que atua na área Administrativo-Regulatória.

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