Opinião

A manutenção da contribuição social após o atingimento de sua finalidade

Autores

  • Laila Soares de Lacerda

    é advogada no escritório Amaranto Crepaldi Viegas – Advocacia e Consultoria especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e conciliadora formada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.

  • Ronaldo Garcia Marques

    é sócio no escritório Amaranto Crepaldi Viegas – Advocacia e Consultoria advogado graduado pela Unifacig especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e graduado em Administração de Empresas e Ciências Contábeis pela PUC-MG.

26 de agosto de 2020, 16h12

Em novembro de 2019, com a edição da Medida Provisória nº 905/2019, o governo federal acabou com a "multa" [1] de 10% do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço paga pelas empresas à União nas situações de demissões sem justa causa. A Medida Provisória foi convertida na Lei nº 13.932/19 [2], publicada em 12/12/2019, e conferiu uma série de medidas visando a redução do desemprego. Uma das principais mudanças foi a extinção da contribuição social de 10% sobre o saldo do FGTS em caso de demissão sem justa causa do empregado, passando a produzir efeitos em janeiro de 2020.

Antes da vigência da Lei 13.932/19, a demissão de um funcionário sem justa causa acarretava à empresa multa de 50% sobre todos os depósitos realizados na conta do trabalhador. Deste percentual, 40% referem-se a uma espécie de indenização pela dispensa que é destinada ao funcionário recém-demitido e que permanece em vigor, sem sofrer quaisquer alterações.

Em uma breve análise acerca do contexto histórico, tem-se que o adicional de 10% fora criado por meio de Lei Complementar nº 110/2001 com o objetivo de cobrir despesa específica da União, qual seja a recomposição, determinada pelo Supremo Tribunal Federal, de contas vinculadas ao FGTS pelos expurgos inflacionários dos Planos Verão e Collor, cujo rombo perfazia o montante de R$ 42 bilhões. A "multa" deveria, portanto, ter sido a extinta em junho de 2012, quando a última parcela dos débitos gerados pelos planos econômicos acima citados foi quitada. A instituição da contribuição social devida pelos empregadores nos casos de demissão sem justa causa se deu consoante o artigo 1º da LC 110/01:

"Artigo 1 Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas".

Dessa maneira, como constatado o exaurimento do objetivo pela qual fora constituída, a extinção do tributo deveria ser assentada, vez que a utilização para o fim que não fosse de recomposição das contas do FGTS configurar-se-ia ilegal pelo desvio da finalidade.

Entretanto, a extinção da "multa" aqui analisada dependia da edição de medida provisória a ser aprovada pelo Congresso Nacional, mas, como dito, apenas em 2019 a matéria entrou na pauta de votação. A cobrança chegou a ser extinta pelo Congresso Nacional em 2013, porém, foi vetada pela presidente Dilma Rousseff sob a alegação de que os recursos estavam sendo direcionados para o financiamento do Programa Minha Casa Minha Vida.

Registre-se que, muito antes da promulgação da Lei 13.932/2019, as ações para restituição do valor dispendido por ocasião do pagamento da "multa" de 10% começaram a surgir no judiciário brasileiro, fundamentadas principalmente no disposto no artigo 150, IV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 [3] e nos artigos 165 [4] e 168 [5] do Código Tributário Nacional.

As ações, movidas principalmente por empresários, questionam o pagamento da "multa" de 10%, que por ter natureza jurídica de contribuição social, consoante artigo 149 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 [6], deveria ter destinação específica. Entretanto, após atingir a finalidade para a qual fora criada, qual seja, a de cobrir os gastos com a compensação dos expurgos inflacionários, a "multa" passou a ser destinada a outras finalidades, como o já dito financiamento do programa habitacional Minha Casa Minha Vida.

Quanto às supracitadas ações propostas para a recuperação dos valores pagos a esse título, uma corrente do Poder Judiciário brasileiro tem se posicionado a favor dos contribuintes e vem determinando a devolução dos valores indevidamente recebidos nos últimos cinco anos pelo Fisco, sendo essa matéria objeto do Recurso Extraordinário nº 878.313/SC, interposto pela Intelbras, para o recebimento dos valores com fundamento na cobrança indevida.

Em recentíssimo julgamento, do último dia 18, sob a sistemática da repercussão geral, a Corte Suprema negou provimento ao supracitado recurso extraordinário, decidindo ser constitucional a contribuição social de 10%. Foram votos vencidos o relator, ministro Marco Aurélio, e os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Luis Roberto Barroso, que entenderam não subsistir a contribuição diante do exaurimento da finalidade que motivou sua instituição. O voto divergente do ministro Alexandre de Moraes foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Luiz Fux e Gilmar Mendes, que entenderam que as receitas podem ser parcialmente destinadas para fins diversos, desde que igualmente voltados à preservação dos direitos inerentes ao FGTS, ainda que indiretamente. Com este entendimento, a tese definida pela maioria foi:

"É constitucional a contribuição social prevista no artigo 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, tendo em vista a persistência do objeto para a qual foi instituída".

Registre-se ainda que o tema é objeto também das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nºs 5050, 5051 e 5053, que aguardam inclusão em pauta de julgamento.   

Até a Corte Suprema decidir definitivamente o caso, os Tribunais Regionais Federais, bem como os Tribunais Regionais do Trabalho, vinham sendo acionados por empresas interessadas na devolução do valor dispendido a título de "multa", mas que, na realidade, possui natureza tributária de contribuição social e era cobrado em conjunto com a multa de 40% devida nas demissões sem justa causa.  

Fato é que desde janeiro de 2020, quando ocorreu a promulgação da Lei 13.932/19, as empresas não têm a obrigação de recolher os 10%. Dessa maneira, a discussão da Suprema Corte se restringe aos pagamentos ocorridos antes da edição da legislação que desobrigou o pagamento dos 10% e que acabou gerando expectativa para as empresas de que pudessem receber os valores pagos no passado. Com o julgamento de 18/08/2020 do Supremo Tribunal Federal por ocasião do Recurso Extraordinário nº 878.313/SC, conclui-se que as receitas provenientes dessas contribuições sociais podem ser parcialmente destinadas a fins diversos, desde que igualmente voltados à preservação dos direitos inerentes ao FGTS, ainda que indiretamente.

 


[1] Apesar de antes da promulgação da Lei 13.932/19, o percentual de 10% (dez por cento) ser somado ao percentual de 40% (quarenta por cento) referente à multa devida nas demissões sem justa causa (o que perfazia o total de 50% no valor da rescisão), a natureza tributária dos 10% (dez por cento) é de contribuição social e não de multa.

[2] Alterou a Lei Complementar nº 26, de 11 de setembro de 1975, e as Leis nºs 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.019, de 11 de abril de 1990, e 10.150, de 21 de dezembro de 2000, para instituir a modalidade de saque-aniversário no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e assegurar o equilíbrio econômico-financeiro do Fundo, dispor sobre a movimentação das contas do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e sobre a devolução de recursos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), alterou disposições sobre as dívidas do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), e extinguiu a cobrança da contribuição de 10% (dez por cento) devida pelos empregadores em caso de despedida sem justa causa.

[3] "Artigo 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IV – utilizar tributo com efeito de confisco".

[4] "Artigo 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido".

[5] "Artigo 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I – nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; (Vide artigo 3 da LC nº 118, de 2005)

II – na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória".

[6] "Artigo 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo".

Autores

  • é advogada no escritório Amaranto Crepaldi Viegas – Advocacia e Consultoria, especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e conciliadora formada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.

  • é sócio no escritório Amaranto Crepaldi Viegas – Advocacia e Consultoria, advogado graduado pela Unifacig, especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e graduado em Administração de Empresas e Ciências Contábeis pela PUC-MG.

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