Opinião

A preservação da empresa na falência

Autor

  • Bruno Pereira Portugal

    é advogado sócio-fundador do escritório Da Luz Advogados membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB-ES especialista em Direito Societário e Direito Tributário pela FGV Direito-Rio e especialista em Recuperação Judicial e Falência pelo Instituto Brasileiro de Direito da Empresa (IBDE).

20 de agosto de 2020, 20h22

Ninguém discorda que neste e nos próximos anos haverá um aumento exponencial do número de medidas voltadas à empresa em crise. Para se ter uma ideia, a série histórica divulgada pelo Serasa Experian indica que em 2016 houve recorde de 1.863 recuperações judiciais requeridas, enquanto em 2020 já se estima três mil pedidos da mesma natureza.

Em quadro de grave crise, como o atual, é natural que alguns empresários não consigam manter a operação. Claro que esse resultado não é desejado, mas, subsistindo realidade fática de inviabilidade de prosseguimento da atividade por parte daqueles, é salutar para a economia que se promova o mais urgente possível a falência, com a retirada deles do mercado, para que outros agentes não venham a ser contaminados.

Deve ser compreendido que, mesmo em falência, é possível preservar a empresa. Pois, pelo princípio da separação dos conceitos de empresa e de empresário, não se confunde a empresa, atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, com a pessoa que a explora, esta sim o empresário. Por isso, é dado preservar uma empresa ainda que haja falência, desde que se logre aliená-la a outro empresário que continue a atividade.

Não se trata de questão meramente principiológica, uma vez que o artigo 75 da Lei de Falência expressa que tal medida, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa. Nesse sentido, ao se referir à intenção de preservar a utilização "produtiva" dos bens, vê-se evidente preocupação com a continuidade da atividade empresarial também na falência, a ser explorada, no caso, por outro agente.

Com efeito, para que o referido objetivo seja alcançado, a Lei de Falência impõe que a transmissão de bens do falido se dê preferencialmente através da alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco ou com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladas. Somente se não for possível é que se deve desintegrar o conjunto produtivo do ativo, fazendo-se então alienação em bloco dos bens que o compõem ou alienação dos bens individualmente considerados.

Fato é que, em muitas falências, sobretudo nas de empresas de menor porte, essa preferência não é observada, pois de antemão põe-se a fazer uma alienação individual dos bens (quando muito, são formados lotes, sem qualquer caráter produtivo). É óbvio que há casos nos quais, pelo contexto do processo, não é possível realizar a alienação da empresa, seja integralmente ou por meio de unidades produtivas isoladas. O que se quer dizer, no entanto, é que em diversas oportunidades a alienação da empresa sequer é minimamente tentada, frustrando a finalidade da lei.

É erro achar que só em falências "grandes" se consegue alienar a empresa. Basta ver que, se havia agente que explorava a dada pequena atividade, é factível que outro tenha o mesmo interesse. A rigor, necessário se faz que o administrador judicial, e de resto todos os demais atores, criem alternativas e busquem soluções para a transmissão unitária do conjunto de bens, e não dos bens individuais.

Temos exemplo prático interessante a compartilhar, em processo falimentar de microempresa que explorava atividade em imóvel locado. É comum que, com a falência, o locador ajuíze ação de despejo para retomar o bem. Todavia, em trabalho exitoso, foi demonstrada para o proprietário do imóvel a vantagem de não prosseguir com aquela medida, mas, sim, firmar contrato de locação entre ele e a massa falida. Se tivesse seguido com o despejo, o locador não obteria de volta e relocaria o imóvel em curto espaço de tempo. Já ao locar para a massa falida o aluguel dos meses em que esta ocupou o local, por se tratar de crédito extraconcursal, foi recebido na frente de todos os credores, tão logo se fez a venda do ativo.

Todos saíram ganhando com a solução: a massa falida e os credores, já que foi mantida intacta a organização produtiva dos bens, o que possibilitou a alienação unitária de todo esse conjunto, e, por consequência, a maximização do valor de transmissão; o arrematante do ativo, que adquiriu atividade empresarial pronta para ser explorada, pagando preço menor do que o respectivo custo de montagem; e o próprio locador, que, além do aluguel recebido da massa falida, não teve trabalho nenhum para ver o imóvel ocupado novamente, desta feita pelo novo empresário.

Registra-se ainda que, a teor do artigo 141 da Lei de Falência, o produto arrematado é livre de qualquer ônus, além de não haver sucessão nas obrigações do falido, inclusive as de natureza tributária e trabalhistas. Aliás, o mesmo preceito normativo dispõe que empregados do falido podem ser contratados pelo arrematante, admitidos mediante novos contratos de trabalho, sem que aquele responda por obrigações decorrentes do contrato anterior.

Enfim, há campo para que providências tendentes a preservar a empresa sejam buscadas mesmo em falências de menor dimensão. Vão-se os empresários, mas, sempre que possível, devem permanecer as respectivas atividades, para que sejam tocadas por outros agentes, em condições mais eficientes. Não se pode nem deve jamais olvidar a pedra angular da lei falimentar, o princípio da preservação da empresa, para o bem da nossa já tão combalida economia.

Autores

  • é advogado, sócio fundador de Da Luz Advogados, membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB-ES, especialista em Direito Tributário e Direito Societário pela FGV Direito Rio; especialista em Recuperação Judicial e Falência pelo IBDE.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!