Opinião

Os impactos do Novo Marco Legal do Saneamento Básico

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19 de agosto de 2020, 17h09

O acesso à água potável e ao saneamento básico constitui o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 da Agenda 2030, plano de ação organizado pelas Nações Unidas, externando o compromisso em garantir a universalização até 2030. Essa meta é alcançada, de acordo com a ONU, "quando é constante e regularmente garantido para todos, independentemente de sua condição social, econômica ou cultural, de gênero ou etnia".

No Brasil, o Painel Saneamento informa, apoiado em dados de 2018, que 83,6% da população possui acesso à água, enquanto 46,9% não tem coleta de esgoto. Em audiência pública no Senado Federal, no mês de setembro de 2019, o Instituto Trata Brasil noticiou indicador associado a eficiência de entrega de água, segundo o qual em 2017 o país teve prejuízo de R$ 11 bilhões nessa área.

Esse é o contexto em que se insere o Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020) e o seu intuito de viabilizar a universalização dos serviços até 31/12/2033, assegurando o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto (artigos 10-B e 11-B, Lei nº 11.445/2007). Assim, objetiva uniformizar regras, definir padrões da atividade regulatória e da formulação de políticas públicas, bem como aumentar a competição, sendo obrigatória a abertura de licitação.

Indispensável a priori delimitar o contexto das mudanças normativas à definição legal de saneamento básico (artigo 3º, I, Lei nº 11.445/2007). Esta abrange o conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas fluviais urbanas.

1) Prestação de serviço
A Lei nº 14.026/2020 alterou em muitos pontos a Lei nº 11.445/2007, sancionada há 13 anos enquanto marco regulatório do setor de saneamento básico, a partir da junção de projetos que tramitavam no Poder Legislativo, esperando-se incremento na segurança jurídica entre as partes relacionadas e a atração de novos investimentos.

A prestação dos serviços relacionados a esse espaço de atividades com intenção de atender as finalidades precípuas de universalização e qualificação obedece no Novo Marco Legal a diretrizes assentadas em princípios fundamentais (artigo 2º, Lei nº 11.445/2007) divididos nos eixos temáticos de universalização, efetiva prestação do serviço, regionalização, governança, proteção e políticas públicas.

Ela depende da celebração de contratos de concessão, por meio de licitação prévia, vedando-se a possibilidade de serem firmados contratos de programa, convênios, termos de parceria ou assemelhados (artigo 10, Lei nº 11.445/2007).

Nos contratos de concessão deverão constar, além das cláusulas essenciais já previstas em lei (artigo 23, Lei nº 8.987/1995), outras específicas sobre metas de expansão, qualidade e eficiência na prestação do serviço; repartição dos riscos entre as partes contratantes; receitas alternativas destinadas a produção de água de reuso; e metodologia de cálculo das indenizações de bens reversíveis na hipótese de extinção do contrato (artigo 10-A, Lei nº 11.445/2007).

A validade de tais contratos depende, entre outras exigências legais (artigo 11, Lei nº 11.445/2007), da comprovação mediante estudo da viabilidade técnica, econômica e financeira da prestação de serviços e da existência de metas e cronograma de universalização do saneamento básico.

A legislação conferiu especial importância a essas metas, pois representam cláusula obrigatória, configuram condição de validade e mesmo nos contratos firmados anteriormente ao Novo Marco Legal, devem ser buscadas alternativas a fim de atingir as metas de universalização (e.g. prestação direta, licitação complementar ou aditamento dos contratos já licitados).

A parte contratada para prestação ou concessão dos serviços públicos de saneamento básico precisará, incluindo os contratos em vigor, comprovar a capacidade econômico-financeira (recursos próprios ou contratação de dívida), de maneira a viabilizar a concretização até 2033 da meta de universalização (artigo 10-B, Lei nº 11.445/2007).

Nesse sentido, o texto legal prevê que regulamentação da metodologia inerente a essa comprovação ocorra no prazo de 90 dias. O Ministério do Desenvolvimento Regional abriu consulta pública no último dia 29 com o propósito de coletar contribuições voltadas a elaboração da referida metodologia, que será sucedida por audiência pública (Portaria/MDR nº 2.069).

2) Regulação
A finalidade de universalização do acesso a esses serviços, junto com outras expressas no Novo Marco Legal, possui viabilização intimamente relacionada à atividade regulatória, exercida pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

A agência com nova nomenclatura é responsável pela instituição de normas de referência que regularão os serviços públicos de saneamento básico (artigo 1º, Lei nº 9.984/2000). Deve, pois, observar os princípios da regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, modicidade tarifária, utilização racional dos recursos hídricos e universalização dos serviços (artigo 4º-A, § 3º, I, Lei nº 9.984/2000).

Explique-se que a regulação é subordinada aos princípios de transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões. Pretende, com efeito, estabelecer padrões; assegurar o cumprimento das metas e condições previstas nos contratos, planos municipais ou de prestação regionalizada; prevenir e reprimir o abuso do poder econômico, resguardada a competência do SBDC; e definir tarifas visando a equilíbrio contratual e modicidade tarifária (artigos 21 e 22, Lei nº 11.445/2007).

A competência regulatória da ANA foi acrescentada a partir do Novo Marco Legal pela edição de normas de referência focadas na regulação da prestação dos serviços públicos de saneamento básico (artigo 25-A, Lei nº 11.445/2007), procedimento no qual é indispensável a garantia da prestação concomitante dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário (artigo 4º-A, § 3º, VIII).

A ANA, durante a edição das normas de referência, é orientada por lei a priorizar as liberdades econômicas (estímulo a livre concorrência, competitividade, eficiência e sustentabilidade econômica) e conferir atenção às peculiaridades locais e regionais na adoção de métodos, técnicas e processos, incentivando a regionalização da prestação dos serviços (artigo 4º-A, § 3º, Lei nº 9.984/2000).

3) Políticas públicas
O Novo Marco Legal proporcionou mudanças significativas na esfera de formulação de políticas públicas de saneamento básico, instituindo órgão colegiado responsável pela concretização dessas iniciativas. Essas alterações normativas também abrangem arcabouço que sustentará a definição de políticas, projetos, planejamento e ações direcionadas a meta de universalização.

O Comitê Interministerial de Saneamento Básico (CISB), órgão colegiado instituído pelo Novo Marco Legal (artigo 53-A, Lei nº 11.445/2007), é responsável por assegurar a implementação da política federal de saneamento básico. É competente para coordenar, em âmbito federal, o Plano Nacional de Saneamento Básico, elaborar estudos técnicos que subsidiem as decisões quanto a alocação de recursos federais e promover a observância das normas de referência editadas pela ANA (artigo 53-B, Lei nº 11.445/2007 e artigos 2º e 3º, Decreto nº 10.430/2020).

A política federal de saneamento é dividida em diretrizes (artigo 48, Lei nº 11.445/2007) apoiadas em perspectivas de longo prazo, vocacionadas a orientar a atividade regulatória e de governança, fixando padrões a serem utilizados durante a formulação de políticas públicas e objetivos (artigo 49, Lei nº 11.445/2007), os quais dizem respeito a promoção da concorrência, capacitação técnica do segmento e contribuição ao desenvolvimento nacional agregada a intuitos correlatos.

O Plano Nacional de Saneamento Básico (artigo 52, Lei nº 11.445/2007), por sua vez, tem conteúdo mínimo previsto em lei abrangendo objetivos e metas de universalização, proposição e planejamento de programas, projetos e ações, juntamente a sua avaliação sistemática.

Dessa forma, exemplifica áreas prioritárias para as ações da União, determinando que o planejamento envolvido na elaboração desses documentos considere a perspectiva de 20 anos, devendo serem avaliados anualmente e revisados a cada quatro anos.

A legislação determina com a intenção de alcançar esse escopo que o CISB acompanhe a destinação de recursos federais, segundo as diretrizes e objetivos anteriormente mencionados, avaliando e aprovando as orientações para sua aplicação (artigo 50, Lei nº 11.445/2007).

Deve, por isso, garantir nesses procedimentos simplificados e uniformizados a racionalidade direcionada à universalização e ampliação dos investimentos públicos e privados no setor, a maximização da relação benefício-custo e o alcance da maior população possível, observando sempre a eficiência e a transparência no uso de recursos públicos (artigo 3º, Decreto nº 10.430/2020).

Por fim, o Novo Marco Legal também assegurou possibilidades no que toca ao controle exercido pela sociedade direcionado a acompanhar as políticas públicas e a prestação de serviços de saneamento, como, por exemplo, as consultas e audiências públicas realizadas pela ANA no exercício da atividade regulatória, a participação em órgãos colegiados nacionais de caráter consultivo (artigo 47, caput, Lei nº 11.445/2007) e o formato de dados abertos das informações públicas do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa) (artigo 53, § 1º, Lei nº 11.445/2007).

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