'Liberdade Igual', uma resenha
19 de agosto de 2020, 16h12
Finalmente, as livrarias entregaram o novo livro do professor Gustavo Binenbojm, "Liberdade Igual — o que é e por que importa". A obra não poderia chegar em melhor momento. É um alívio refletir sobre liberdade em tempos de distanciamento social e autoritarismo político. O enredo da obra acompanha a trajetória recente das liberdades públicas e privadas no Brasil, passando por temas como liberdade de expressão, religiosa, política e de iniciativa; além da autonomia privada sobre o próprio corpo e identidade. No final da obra são tratados assuntos ainda mais abrangentes, que alcançam o papel das instituições e o valor da igualdade.
Chamam a atenção processos relacionados com a liberdade de expressão e opinião, nos quais, quase sempre no Supremo Tribunal Federal, foram superadas proibições obscurantistas como a vedação a biografias não autorizadas; à realização de manifestações públicas por reforma legislativa — como a "marcha da maconha" —; e à crítica humorística a figuras políticas durante períodos eleitorais. Além de tratar dessas liberdades, o autor alerta quanto aos perigos de se instituir controles externos sobre a mídia, redes digitais e seus conteúdos. Nessa abordagem, porém, não deu tempo para uma questão que parece essencial, por ser o anverso de toda a liberdade: a responsabilidade das plataformas, sua configuração e limites.
Ao tratar da liberdade de religião, o livro impõe reflexões ainda mais espinhosas. No plano comunitário, a viabilização da educação religiosa, sem pôr em risco a laicidade do Estado. E no individual, a conciliação do respeito a convicções íntimas com o dever de cuidado imposto aos profissionais de saúde e ao Estado, especialmente diante de menores de idade? A questão é complexa e atual. Gustavo atravessa esse labirinto com referências a casos difíceis, apresentados de forma acessível.
No enfrentamento de temas econômicos, o texto segue o caminho dos obstáculos impostos pelo Estado ao empreendedor e ao profissional liberal, com a lembrança oportuna da decisão do Supremo quanto à desnecessidade de diploma para o exercício do jornalismo. No capítulo da livre iniciativa, defende-se uma proteção jurídica da inovação. Com argumentos concorrenciais, de abertura de mercados e promoção dos interesses dos consumidores, propõe que reguladores deveriam editar normas a favor de empreendimentos inovadores e que, mesmo na ausência de regras, seria recomendável a deferência dos juízes, no que denomina "controle judicial a favor da inovação". A proposta, que mereceria um livro inteiro, levanta questões importantes. A primeira é saber em qual inovação seria digna de proteção. De outro lado, empresas de tecnologia, "disruptivas" ou não, buscam legitimamente o lucro. Muitas vezes, são estabelecidas internacionalmente, em condições de orquestrar lobbies persuasivos. Então, vale refletir: não raro, os competidores e colaboradores locais das empresas de tecnologia estão do lado hipossuficiente da equação, a merecer não favores, mas, sim, tratamento equitativo, à luz do caso concreto.
O Supremo Tribunal Federal é o personagem principal do livro. Após a Constituição de 1988, foi o cenário onde o drama das liberdades se encenou mais vivamente no Brasil. É um privilégio conhecer as impressões do autor sobre casos importantes, narrados em primeira mão. E sobre o papel do Supremo, é precisa a denúncia dos riscos de se lhe atribuir um papel representativo e de vanguardismo iluminista, no qual, nas palavras do Ministro Barroso, a Corte deveria "empurrar a história". Gustavo alerta que tamanha concentração de expectativas no tribunal conduziria a uma instância de poder aristocrática e elitista, com prejuízos aos canais e instituições da democracia. Complementamos: interpretações elásticas da Constituição que levem à concentração de poderes ativos em entidades não legitimadas pelo voto, na verdade, subvertem valores do iluminismo e, certamente, não teriam lugar na vanguarda do processo civilizatório ocidental. A história empurra a todos nós.
Ao tratar do nosso autoritarismo, afirmamos certa vez que "nem o Brasil, nem o seu Direito, foram criados para a democracia". O livro a um só tempo nega e confirma essa constatação. Apesar das elogiáveis decisões e de alguns avanços narrados, a necessidade de, no século XXI, recorrer-se ao Supremo para garantir liberdades como o direito à crítica é sintoma de um arcaísmo difícil de disfarçar. Com pena leve e erudição acessível, Gustavo nos brinda com esse presente ambivalente: um esperançoso catálogo do nosso atraso e do quanto tem sido feito — e ainda resta fazer — em defesa de nossa liberdade, individual e coletiva.
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