Opinião

Um ataque desproporcional à cidadania dos magistrados

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8 de agosto de 2020, 14h05

A proposta de uma quarentena de oito anos para membros do Judiciário e do Ministério Público que queiram disputar cargos eletivos é absolutamente desproporcional, desigual e discriminatória. Uma medida aparentemente casuística, que pode atingir um número restrito de pessoas lembradas em pesquisas como potenciais players para a eleição de 2022. É uma proposição exagerada, supostamente com vistas a resguardar a moralidade e a probidade administrativa, mas que não encontra paralelo com outras carreiras públicas.

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Já existem prazos estabelecidos para que juízes e promotores deixem cargos públicos para se candidatar. Portanto, qualquer ato que vise a ampliar o tempo de inelegibilidade eleitoral para membros do Poder Judiciário após afastamento definitivo da função pública fere o princípio da isonomia e viola os direitos políticos dos magistrados. Uma afronta desproporcional ao direito fundamental do exercício da cidadania.

O Estado democrático de Direito confere ao cidadão o poder de participar da vida política e eventualmente ser eleito. A finalidade dos prazos de desincompatibilização é evitar que o agente público utilize-se do cargo que ocupa enquanto instrumento de promoção à sua candidatura. Mas uma eventual medida restritiva de direitos fundamentais só seria necessária no caso da inexistência de alternativas menos gravosas e igualmente eficazes para resguardar os princípios da probidade, da moralidade administrativa, e da higidez e legitimidade dos pleitos eleitorais. 

O atual prazo de seis meses, tal como previsto na Lei Complementar nº 64/1990, revela-se mais do que suficiente para preservar a probidade administrativa, a legitimidade das eleições e os princípios que orientam o regime democrático. 

A desproporcionalidade da proposta fica ainda mais evidenciada quando se confrontada com o artigo 95, inciso V, da Constituição Federal. O texto delimita em três anos a quarentena para que o magistrado possa exercer a advocacia junto ao juízo ou tribunal do qual se afastou. Ou seja, mesmo em relação a campo jurídico, do qual o magistrado teria maior proximidade, entende-se suficiente uma quarentena de três anos.

Além disso, o prazo de cinco a oito anos é comparável ao período de inelegibilidade imposto como punição a casos graves, como condenados por improbidade e corrupção, por exemplo. Na prática, então, talvez a medida possa ser compreendida como castigo a magistrados e procuradores.

Uma pergunta que se impõe é: quais peculiaridades exigem a diferenciação tão acentuada de magistrados, procuradores e promotores em relação a outros cargos, inclusive aqueles diretamente envolvidos com o jogo eleitoral? Para parlamentares não existe prazo para desincompatibilização. E para chefes de Executivo impõem-se seis meses. Assim, inexistindo qualquer fundamento de distinção suficientemente razoável entre esses agentes públicos, o tratamento diferenciado pretendido revela-se discriminatório, em manifesto atentado ao princípio da isonomia, sendo, por esse motivo, inconstitucional.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), maior entidade representativa da magistratura nacional, atuará permanentemente em defesa do respeito à Constituição e dos direitos fundamentais de seus representados, cerca de 14 mil juízes e juízas que exercem função essencial para a Justiça e para a democracia brasileira.

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