Opinião

Reforma ou aumento tributário à advocacia?

Autor

  • Diogo Nicolau Pítsica

    é presidente da Associação dos Advogados Tributaristas do Estado de Santa Cataria (Atesc) membro consultor da Comissão Nacional de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB sócio-gerente do escritório Diogo Pítsica Advocacia doutorando em Direito na Universidad de Salamanca (Espanha) e mestre também detentor de título de especialista com MBA em Gestão Tributária pela Escola Superior de Administração e Gerência (Udesc-Esag).

7 de agosto de 2020, 17h08

Ensinam os pensadores que a esfinge, para decifrar o enigma que a preocupa, mira intensamente o horizonte para buscar dentro de si a resposta. Essa reflexão é o ponto de partida que se impõe realizar, presentemente, com a enigmática reforma tributária fatiada.

Aportou no Parlamento federal, timidamente, o Projeto de Lei 3.887/2020, com vista a instituir a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), frustrando expectativas a um inexorável imposto único. Ademais, ofusca propositadamente assuntos maiores, para inaugurar a denominada reforma tributária, com a epidérmica unificação do PIS e da Cofins. Ocorre que esses dois tributos, alienígenas ao texto originário da Constituição Federal de 1988, sequer deveriam existir e, muito menos, o remodelamento por eles se iniciar, para ainda conjugá-los com inimaginável aumento da carga diretamente à União, quando Estados e municípios vociferam momentos praticamente falimentares.

Com elevado respeito a uma intenção porventura aprimorativa às propostas reformistas (PECs 45 e 110), não convence a ingenuidade arrecadatória neste primeiro momento, direcionando-a apenas aos tributos federais sobre consumo. Evidente que a inobservância do ISS e do ICMS foi misteriosamente olvidada, embora manifesto que esses e outros abstrusos campos, aos poucos, entrarão em cena quando da instalação do verdadeiro corredor da morte, mesmo que obtida a pretendida clemência dos entes federados.

Tanto isso é veraz que já se avizinha a segunda onda reformadora, eufemisticamente rotulada como de simplificação do IPI, igualmente, para desvirtuar atenção à próxima, pouco adiante, com vista a propiciar o beijo da morte na fronte dos profissionais liberais, acarretadora de mais um injustificado aumento à operativa classe da advocacia. Neste terceiro ciclo, o alvo então será o IRPJ, consagrando a sonhada cruzada governamental da tributação de dividendos, novamente representando aumento da carga tributária, como de costume. Noticiam, ainda, comprometedoramente, transparecendo mero dejúrio, embora cristalino que deveria ser o pontapé inicial, a quarta e última tendência, para só então se comprometer verbalmente com a mera redução da contribuição patronal de 20% sobre a folha de salários mas, paradoxalmente, com a restauração, mediante outra nomenclatura, de "nova CPMF", altamente regressiva e cumulativa.

Ainda que se imaginasse esse fatiamento reformista como tendente à democrática redução da carga tributária, inegável que a CBS se estabelecerá como um imposto em cascata que inicia desarmoniosamente majorando as profissões regulamentadas. Tanto isso é genuíno que especialistas calculam que essa alíquota, de largada em 12% da CBS, acarretará ao ambicionado IVA tupiniquim (após a unificação dos ICMS e do ISS) o total de 29%, ultrapassando as maiores cobranças do mundo, sobre essa mesmíssima modalidade de agregação, em quatro pontos percentuais.

Desastre maior aos prestadores de serviços, em especial aos profissionais liberais, quando ao fim se materializar esse cobiçado tributo adicionado, de manadeiro no século passado e totalmente ineficaz às novas economias, que não sinaliza agregação de valor, combate a regressividade e a efetiva simplificação, como já se pode constatar nas duas propostas de emenda à Constituição Federal. Seguindo esse caminho, pela recente proposta do Executivo, haverá uma única alíquota linear de 12% não cumulativa, gerando créditos a cada etapa da produção ou da prestação de serviço. É o que na prática se denomina incidir "por fora" sobre a receita bruta, porque deixa de se dar "por dentro" e sai da própria base de cálculo, deixando a cargo da Receita Federal a indesejada discricionariedade interpretativa de ilíquido direito aos créditos, historicamente de linha altamente restritiva.

Axiomático que, para a advocacia e os serviços, o aumento da carga tributária, ao menos em um primeiro momento, será compulsoriamente expressivo, mormente porque, sob tal modelo (não cumulativo) pouco ou perto do nada em matéria de crédito poder-se-á aproveitar, já que a folha de pagamento, v.g., não gera crédito, saltando praticamente de 3,65% para 12%.

No mínimo, espera-se do poder legiferante uma proposta reducionista buscando enfrentar o discrepante e anti-isonômico tratamento conferido às instituições financeiras e planos de saúde, beneficiários da inexplicável alíquota de 5,8%. Ou, quando menos, a possibilidade de opção pelo regime de apuração não cumulativa, estendendo o crédito presumido às receitas das profissões regulamentadas (artigos 24, 28 e 30 do projeto de lei), a fim de procurar equilibrar a tributação; evitando majoração excessiva, afastando anacrônico subjetivismo de direito ao crédito financeiro, que historicamente é objeto de astigmáticas negativas administrativas desaguadoras em excruciantes batalhas judiciais interpretativas.

Em verdade, o que se pretende é a equiparação da classe da advocacia (e, assim, das demais profissões regulamentadas), cujo tratamento foi desprestigiado pelo Poder Executivo, às atividades econômicas similares já previstas na proposta originária, também integrantes do setor de prestação de serviços.

Portanto, ajusta-se, aqui, ao molde de luvas, a precisa reflexão de Homero Freire, ao referir que "a lei revela o direito; mas nem sempre o faz bem; padece de imperfectibilidade humana".  E, até para quem não fez um estudo demorado sobre o assunto, porventura entendendo como salutar a pretendida mudança de perfil da tributação, diminuindo a produção para onerar o consumo e o serviço, não podem deixar de concordar que a operativa classe dos advogados e todas as demais profissões regulamentadas serão as destinatárias contribuintes financiadoras do enigmático realinhamento voraz arrecadatório.

Autores

  • é presidente da Associação dos Advogados Tributaristas do Estado de Santa Cataria (Atesc), membro consultor da Comissão Nacional de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB, sócio-gerente do escritório Diogo Pítsica Advocacia, doutorando em Direito na Universidad de Salamanca (Espanha) e mestre, também detentor de título de especialista, com MBA em Gestão Tributária pela Escola Superior de Administração e Gerência (Udesc-Esag).

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