Opinião

Impactos da pandemia da Covid-19 no endividamento no Brasil

Autores

  • Gabriela Borges Silva

    é doutoranda e mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Mestre (Master of Laws — LL.M.) em Law & Economics pela George Mason University. Professora da FGV Direito Rio e coordenadora do Núcleo de Estudos Avançados de Regulação do Sistema Financeiro Nacional (Neasf) e do FGV Rio Law Program da FGV Direito Rio.

  • Antônio José Maristrello Porto

    é professor da FGV Direito Rio.

26 de abril de 2020, 16h19

A rápida disseminação da Covid-19 tornou-se uma preocupação internacional, impondo inúmeros desafios na perspectiva social, mas também impactando severamente a economia. Por essa razão, governos, reguladores e organizações internacionais têm reagido à pandemia com um pacote de medidas jurídicas, econômicas e financeiras.

Embora as previsões da perspectiva econômica ainda sejam incertas, a expectativa é que haja o agravamento do quadro do endividamento da população brasileira nos próximos meses, especialmente se não forem adotadas medidas adequadas para controlar os impactos da crise.

Em pesquisa divulgada em março de 2020 pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), constatou-se que 66,2% das famílias brasileiras possuem dívidas (cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro). Trata-se da maior proporção registrada na série histórica da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), apurada mensalmente desde 2010.

A pandemia da Covid-19 vai contribuir para elevar não somente o grau de endividamento das famílias nos próximos meses, mas também a inadimplência. Ainda de acordo com o levantamento da CNC, o percentual de famílias com dívidas ou contas em atraso chegou a 25,3% em março, contra 24,1% no mês anterior.

Em relação à capacidade de pagamento, entre as famílias endividadas, a parcela média da renda comprometida com dívidas alcançou 30% da renda, ante 29,7% em fevereiro. O cartão de crédito segue em primeiro lugar como o principal tipo de dívida dos brasileiros (78,4%), seguido por carnês (16,2%) e por financiamento de veículos (10,3%).

Diante desse contexto de aumento da inadimplência e, por consequência, do risco dos empréstimos, a tendência é que haja elevação dos juros finais aos tomadores de crédito, pressionando ainda mais o comprometimento de renda.

Durante a crise é importante garantir a liquidez das instituições financeiras para que estas possam ter recursos disponíveis para emprestar e renegociar as dívidas das pessoas e das empresas afetadas pela pandemia. Nesse sentido, o Banco Central do Brasil (BCB) tem adotado medidas para enfrentar esta crise e manter a funcionalidade dos mercados, dentre as quais: I) a redução de alguns parâmetros de capital exigidos das instituições financeiras, com o intuito de expandir a capacidade dessas instituições de renegociarem operações de crédito e manter o fluxo de concessão de novas operações; II) a autorização de aquisição, apenas no mercado primário, de letras financeiras emitidas por instituições financeiras com garantias de ativos financeiros e valores mobiliários; e III) a flexibilização das regras de provisionamento.

As medidas adotadas pelas instituições financeiras também são relevantes para lidar com os impactos econômicos da pandemia. Nesse sentido, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) anunciou que Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco e Santander estão comprometidos em atender a pedidos de prorrogação por 60 dias dos vencimentos de dívidas (empréstimo pessoal, crédito imobiliário, crédito com garantia de imóveis e financiamento de veículos) de clientes pessoas físicas e micro e pequenas empresas para os contratos vigentes em dia e limitados aos valores que já foram usados pelo consumidor.

A despeito de ser relevante para a mitigação dos impactos da pandemia no endividamento da população brasileira, a medida não contempla as dívidas de cheque especial [1] e cartão de crédito.

Não há dúvidas de que considerar a prorrogação de prazo e renegociação de empréstimos pessoais, de financiamento imobiliário, de veículos, etc. é importante para reduzir os impactos da pandemia, mas as modalidades de cartão de crédito e cheque especial representam as despesas ordinárias de qualquer família, e a impossibilidade de pagamento ou prorrogação de prazo pode acarretar o aumento do superendividamento da população.

Até o presente momento, a Caixa Econômica Federal (CEF) anunciou que irá reduzir os juros (fixados em 2,9% ao mês) para o rotativo do cartão de crédito e aumentar os prazos de pagamentos, embora ainda não tenha implementado tais medidas. Mais recentemente, o Nubank também anunciou a redução da taxa de juros do parcelamento de seus cartões de crédito para 1,9% ao mês, disponível aos clientes adimplentes [2]. Além disso, estendeu o prazo para pagamento de empréstimo pessoal por até 60 dias com a mesma taxa de juros, sem cobrança de multa e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) [3].

Ressalte-se que as dívidas de cartão de crédito representam o principal tipo de dívida dos brasileiros (78,4%) [4], além de ser a modalidade de crédito mais cara do país. Estima-se que a média anual da taxa de juros do rotativo do cartão de crédito

 aplicada quando se paga o mínimo da fatura do cartão
 é de aproximadamente 300%, enquanto a média anual da taxa de juros do parcelamento da fatura do cartão de crédito gira em torno de 175,2% [5].

Dessa forma, considerando a relevância do cartão de crédito e do cheque especial para a população brasileira, as altas taxas de juros praticadas no mercado e o impacto da Covid-19 para o endividamento da população brasileira, tanto o BCB quanto as instituições financeiras devem adotar medidas que enderecem apropriadamente essas modalidades de crédito.

Se por um lado o BCB deve atuar para garantir a liquidez das instituições financeiras e a estabilidade da economia diante do cenário de incerteza atual, cabe também às instituições financeiras considerar as modalidades de cartão de crédito e de cheque especial nos pedidos de prorrogação dos vencimentos de dívidas de clientes pessoas físicas e micro e pequenas empresas, além da possibilidade de oferecer condições de parcelamento mais vantajosas, a fim de evitar um endividamento excessivo da população brasileira.

 


[1] A Resolução nº 4.765/2019 do BCB determinou que a partir de 6 de janeiro de 2020 as taxas de juros remuneratórios cobradas sobre o valor utilizado do cheque especial estão limitadas a no máximo 8% (oito por cento) ao mês.

[2] Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/04/09/nubank-reduz-juro-do-pagamento-parcelado-do-cartao-de-credito.ghtml. Acesso em 13 de abril de 2020.

[3] A partir do dia 3 de abril de 2020, a cobrança do IOF será zerada durante 3 meses para as operações de crédito no país. Ou seja, nesse período, a cobrança do imposto não será feita em casos de empréstimo, financiamento, uso do cheque especial ou crédito rotativo.

[4] CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISMO. Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor: percentual das famílias endividadas é o maior da série histórica e inadimplência aumenta em março. Disponível em: http://www.cnc.org.br/sites/default/files/2020-03/An%C3%A1lise%20Peic%20-%20mar%C3%A7o%20de%202020.pdf. Acesso em: 5 de abril de 2020.

[5] Fonte: https://veja.abril.com.br/economia/cartao-de-credito-tem-os-juros-mais-altos-de-2019-chegando-a-319-ao-ano/. Acesso em 6 de abril de 2020.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!