Opinião

Assembleias digitais e semipresenciais

Autor

  • Ivan Luvisotto

    é advogado sócio do escritório Suchodolski Advogados Associados pós-graduado em Direito da Tecnologia da Informação pela Fundação Getúlio Vargas – FGV e secretário-geral da Câmara Brasil-Israel de Comércio e Indústria.

24 de abril de 2020, 19h41

Momentos de grande crise sempre criam oportunidades para importantes mudanças de comportamento e de práticas empresariais que, de outro modo, seriam realizadas de maneira muito mais morosa. Mudanças que seriam realizadas em meses ou até anos são implementadas praticamente de imediato e os necessários ajustes são feitos na medida do necessário.

Nesse sentido, a Medida Provisória nº 931, de 30 março de 2020, além de prorrogar prazos para a realização de assembleias gerais ordinárias e postergar prazos para registros de atos societários, traz também alterações ao Código Civil (Lei 10.406/02), à Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76) e à lei que regula as Sociedades Cooperativas (Lei 5.764/71) para possibilitar que sócios, acionistas e associados possam participar e votar à distância em reuniões e assembleias de sociedades.

Assim, assembleias digitais (aquelas realizadas exclusivamente online) ou assembleias semipresenciais (quando os sócios, acionistas ou associados puderem participar e votar presencialmente e também a distância), que já eram tecnologicamente possíveis há muito tempo, passam a ter efetivo respaldo legal.

Ficou a cargo do Drei (Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração) a regulação detalhada da realização desses tipos de reuniões e assembleias, tendo tal órgão emitido no último dia 14 a sua Instrução Normativa nº 79. Entre os principais pontos a serem ressaltados para a realização de assembleias e reuniões digitais, destacam-se:

I)  As assembleias e reuniões digitais ou semipresenciais devem obedecer normalmente às normas referentes à convocação, instalação e deliberação, conforme a legislação do respectivo tipo societário, bem como seus contratos e estatutos sociais;

II  A Instrução Normativa prevê duas modalidades distintas de votação à distância: 1) por meio de Boletim de Voto à Distância mecanismo que já era regulado pela CVM para as companhias de capital aberto —, pelo qual acionistas podem votar por meio de preenchimento de um boletim de voto anteriormente à realização da assembleia; ou 2) por meio da utilização de sistema eletrônico; 

III  Se realizada por meio de sistema eletrônico, a sociedade deve garantir que a reunião ou assembleia digital ou semipresencial seja segura, confiável e transparente, devendo garantir ainda: a) o registro de presença e a preservação do direito de participação e de voto a todos os acionistas, sócios ou associados; b) a possibilidade de visualização de documentos apresentados durante o conclave; c) a possibilidade de a mesa receber manifestações escritas dos acionistas, sócios ou associados; d) a gravação integral da reunião ou assembleia, que deverá ser arquivada na sede da sociedade; e e) a participação de administradores, pessoas autorizadas a participar do conclave e pessoas cuja participação seja obrigatória;

IV  O anúncio de convocação deve listar os documentos exigidos para que os acionistas, sócios ou associados, bem como seus eventuais representantes legais, sejam admitidos à reunião ou assembleia semipresencial ou digital;

A sociedade não poderá ser responsabilizada por problemas decorrentes dos equipamentos de informática ou da conexão à rede mundial de computadores dos acionistas, sócios ou associados, assim como por quaisquer outras situações que não estejam sob o seu controle;

VI  A ata da reunião ou assembleia deve conter a informação de que ela foi semipresencial ou digital, informando a forma pela qual foram permitidas a participação e a votação à distância;

VII  Os membros da mesa da reunião ou assembleia semipresencial ou digital serão responsáveis por assinar a ata e consolidar, em documento único, a lista de presença. Caso os membros da mesa não elaborem a ata em documento físico, deverão assiná-la por meio de certificado digital ou qualquer outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, desde que sejam assegurados meios para que a ata possa ser impressa em papel, de forma legível e a qualquer momento, por quaisquer acionistas, sócios ou associados;

VIII  O presidente ou o secretário da reunião ou assembleia deverá declarar expressamente que atendeu a todos os requisitos para a sua realização, especialmente os previstos na Instrução Normativa nº 79 de 14/4/2020.

A Medida Provisória ficará em vigor até o dia 28 de maio, podendo ser prorrogada por mais 60 dias. Fica a expectativa de que seja também convertida em lei pelo Congresso Nacional, já que essas alterações, apesar de impulsionadas pela atual pandemia do coronavírus, demonstram-se absolutamente condizentes com um mundo que se apresentava mesmo antes do agravamento da situação sanitária global.

Por fim, é uma pena que a Medida Provisória, apesar de corretamente abarcar sociedades limitadas, sociedades por ações e cooperativas, tenha deixado de expressamente mencionar outros tipos societários e órgãos deliberativos, tais como associações, fundações, consórcios, fundos de investimento, conselhos de administração, conselhos fiscais, assembleias de debenturistas, etc.

Além desses, outro órgão deliberativo que teria muito a ganhar com uma regulamentação da realização de assembleia digital seria a assembleia condominial, muito embora entendamos que o ordenamento jurídico atual já não imponha qualquer óbice à sua realização à distância, bem como de assembleias digitais de demais tipos societários e órgãos deliberativos, sendo este, na verdade um caminho inexorável.

Autores

  • é advogado, sócio do escritório Suchodolski Advogados Associados, pós-graduado em Direito da Tecnologia da Informação pela Fundação Getúlio Vargas – FGV e secretário-geral da Câmara Brasil-Israel de Comércio e Indústria.

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