Opinião

Mensalidades de clubes sociais em tempos de Covid-19

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22 de abril de 2020, 13h23

A pandemia da Covid-19 impactou sobremaneira a sociedade civil. Especialistas em diversos segmentos da saúde sinalizam que o arrefecimento das contaminações passa pelo "distanciamento social" e, nesse passo, tem-se visto a adoção de medidas favoráveis ao isolamento, seja no âmbito do Poder Executivo (por meio de medidas provisórias), do Legislativo (por meio de leis) e até mesmo do Judiciário (por meio de decisões que impõem, sob pena de multa, o isolamento de pessoas que descumprem com as medidas de isolamento social).

O Ministério da Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Portaria 188/2020), após o que foi promulgada a Lei Federal 13.979/2020, que, entre outras, previu a possibilidade de adotar-se medidas preventivas tais como o isolamento, a quarentena e a restrição de atividades não essenciais.

E como ficam os clubes sociais, que não integram o rol de "atividades essenciais" (consoante o Decreto Federal 10.282/2020)? Eles fecharam suas portas para evitar o contágio entre seus associados e funcionários, o que faz surgir o legítimo questionamento: o associado deve ou não pagar a mensalidade do clube enquanto o mesmo estiver fechado?

A resposta não é "sim", nem "não".

Clubes possuem natureza jurídica de associação sem fins lucrativos. Não é por outro motivo que os usuários dos clubes são denominados "associados", que, nessa condição, contribuem mensalmente com o rateio das despesas que o clube enfrenta para regularmente funcionar.

É errônea, portanto, a generalização de que toda e qualquer relação entre usuários e clube deva ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, o mais recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça ponderou que "em virtude das diversas situações envolvendo clubes recreativos e seus associados, dependendo do caso concreto, pode haver a aplicação das normas do CDC" (REsp 1713822 de relatoria do ministro Moura Ribeiro, publicado em 23/3/2020).

Entendemos que a relação básica entre o clube e seu associado (isto é: a mera relação entre clube e associado baseada no uso/gozo do clube pelo associado e no direito do clube ao crédito referente à contribuição associativa) é de natureza civil e que o fechamento do clube por conta da pandemia, por si só, não desautoriza o associado a pagar sua contribuição mensal.

Todavia, se a contribuição associativa representa a divisão das despesas do clube (consoante previsão orçamentária aprovada de tempos em tempos) entre os associados, a redução das despesas do clube, ainda que temporárias, justificariam a redução (também temporária) da contribuição associativa? Parece-nos que sim.

O fechamento temporário do clube motivado pelo isolamento vertical inevitavelmente implicará importante economia ao clube quanto ao consumo de água, gás, energia elétrica, telefone, materiais de escritório, insumos de limpeza e de conservação. Adicionalmente, a Medida Provisória 936/2020 permitiu a redução proporcional da jornada de trabalho e do salário, bem como a suspensão temporária do contrato de trabalho, medidas essas que poupam relevantes recursos, dado que a folha de pagamento representa a maior despesa dos clubes.

Sem dúvida, a boa gestação realizada em clubes recreativos (economia nas despesas gerais e redução do valor da folha) causará uma relevante economia que deverá ser repassada aos associados por meio de descontos proporcionais às economias auferidas.

Ao tratar do Direito das Obrigações (e a contribuição associativa é uma obrigação que decorre da associação, e não de um "contrato de prestação de serviços"), o Código Civil previu, no Artigo 317, que "quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação".

Ora! Se a contribuição associativa corresponde ao rateio das despesas do clube, se o clube reduzirá suas despesas com contas de consumo e com folha de pagamento, é consequência lógica o dever do clube de repassar as economias aos seus associados, na mesma proporção da economia.

Tal medida é corolário não só do Artigo 317 do Código Civil, como também do dever de boa-fé em todas as suas vertentes, como o cuidado, a cooperação e o duty to mitigage the loss. Não se pode perder de vista que os associados atravessam por um período difícil e que possivelmente terão que racionalizar suas despesas para enfrentar a crise de extensão ainda desconhecida (e que fatalmente se prolongará para além do tempo da quarentena ou da própria pandemia em si).

Deve então o clube zelar por seus associados, sob o risco de estimular uma debandada em massa, ou uma expressiva judicialização cenários que não são interessantes ao clube (pois em médio prazo se verá obrigado a aumentar o valor da contribuição associativa já que as despesas passarão a ser rateadas por menor número de associados), tampouco aos associados que, pelo mesmo motivo, passarão a ter uma contrapartida mais onerosa, podendo ser o estopim para decidirem cortar essa "despesa", dando-se espaço a um movimento cíclico de aumento de mensalidades e debandada de associados.

Enfim, a nossa conclusão quanto à contribuição associativa (pois outro é o tratamento jurídico aplicável às cobranças por serviços prestados pelo clube, tais como a cobrança por aulas, por uso de academia, sauna, spa, etc.) é que segue sendo exigível pelo clube, dada a inexistência de caráter de "prestação de serviços", mas, sim, de repartição de despesas, razão pela qual, havendo relevante economia imprevista e inesperada, deve o clube conceder aos seus associados um desconto na mesma proporção da economia, o que é medida de transparência, equidade, consciência social, boa-fé (em todas as suas vertentes), além de decorrer de expressa possibilidade prevista no Código Civil Brasileiro.

E quanto aos serviços?
Apesar de clubes possuírem natureza jurídica de associação sem fins lucrativos e apesar de os associados não poderem ser, sempre, enquadrados como consumidores (nos termos do Código de Defesa do Consumidor), entendemos que quando o clube vende um serviço, ou o uso de um espaço determinado ao seu associado, essa relação passa, sim, a ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor.

Ora! Se um associado contrata do clube aulas de natação e não pode gozar das aulas contratadas, não é correto impor do associado o pagamento (contrapartida) por uma prestação que não ocorreu e que por tempo incerto não ocorrerá.

Quando o clube e seu associado formalizam a contratação de certo serviço (aula ou uso de um espaço cuja frequência é condicionada a certo pagamento), estão celebrando típico contrato de prestação de serviços, contrato esse tipicamente sinalagmático. No direito, chamam-se de sinalagmáticas as relações cuja prestação/contraprestação têm íntima relação. Assim, se o pagamento é feito por um serviço e se o serviço é desempenhado tendo o pagamento como contrapartida, não se mostra justo, tampouco razoável, exigir de uma parte a contrapartida (pagamento) sem que a outra desempenhe o serviço contratado.

O Código Civil prevê no artigo 884 que "aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários", e no artigo 885 completa com a seguinte disposição: "A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir".

O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, dispõe no artigo 6º que entre os direitos básicos do consumidor está a "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais". No artigo 39, dispõe o CDC que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, entre outras práticas abusivas, "exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva".

O fechamento temporário do clube motivado pelo isolamento vertical inevitavelmente implicará na impossibilidade de gozo dos serviços contratados (sejam aulas ou o uso de espaços restritos). Consequentemente, restará o clube desautorizado de cobrar de seu associado as contrapartidas, enquanto restar impedido de prestar os serviços contratados (ainda que por motivo alheio às suas vontades e também do associado/consumidor.

A primeira solução a se pensar, neste momento, é criar mecanismos de compensação. Todavia, não cremos razoável assim pensar posto que em tempos de calamidade, de isolamento social e de perda generalizada de empregos e receitas, o valor que seria destinado aos serviços que o clube não prestará serão melhor empregados seja nas primeiras necessidades dos associados, seja na manutenção como reserva para eventual necessidade.

Ademais, a compensação futura passaria inexoravelmente pela suspensão temporária das cobranças no futuro.

Explicamos: se em abril paga-se por um serviço não gozado e que será compensado em dezembro, obviamente que em dezembro não se poderia cobrar pelo serviço; nada mais lógico, então, que suspender a cobrança atualmente e cobrar apenas ao tempo que o serviço vier a ser prestado. Ainda mais evidente é a impossibilidade de compensação futura quando a reflexão se faz sobre a contratação para o uso de certos espaços. Assim, tome-se o exemplo da sauna: o pagamento atual para o uso da sauna não há como ser compensado no futuro (exceto, novamente, se no futuro deixar-se de cobrar pelo referido uso). Portanto, é evidente que durante o fechamento dos clubes e enquanto durar a recomendação para isolamento social, não serão lícitas as cobranças pelos serviços prestados pelos clubes.

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