Diário de classe

Teoria do Direito: Fundamentos e Contextos, por Brian Bix

Autor

  • Brian Bix

    é professor de Direito na University of Minnesota nos Estados Unidos. Obteve o título de Bachelor of Laws (B.A.) pela Washington University; o Juris Doctor (J.D.) por Harvard; e o de Doctor of Philosopy pelo Balliol College da Oxford University.

4 de abril de 2020, 8h00

NUS Law
Hoje, o Dasein traz em sua coluna um trecho da ainda inédita tradução ao português de Jurisprudence: Theory and Context, de Brian Bix, um dos mais aclamados textos-base de teoria e filosofia do direito no mundo anglo-saxão. A obra foi traduzida por Gilberto Morbach, membro do Dasein, e será publicada ainda este ano no Brasil pela editora Tirant Lo Blanch. Os direitos sobre a obra são da Thomson Reuters UK.

A proposta é fortalecer cada vez mais o estudo aprofundado da teoria do direito no Brasil. O leitor da ConJur, em primeira mão, tem acesso a trechos da obra.


Por que teoria do direito?

Por que estudar teoria do direito?

Para muitos alunos, essa pergunta tem uma resposta muito simples: para eles, é uma disciplina obrigatória pela qual têm de passar para que possam obter seus diplomas. Para estudantes nessa situação, as questões sobre qualquer livro de teoria do direito resumem-se tão somente a saber se o livro vai ajudá-los a aprender a parte suficiente do material para que o objetivo seja atingido: passar na disciplina, ou talvez ir apenas bem o bastante para que uma nota baixa não afete demais o histórico geral. Entretanto, mesmo estudantes com essa mínima atitude de sobrevivência quanto ao assunto podem talvez querer saber que outras vantagens podem ser obtidas do conhecimento de qualquer que seja a matéria por eles abordada.

Do ponto de vista prático, ler e participar de debates sobre teoria do direito desenvolve a habilidade de análise e pensamento crítico e criativo com relação ao direito. Essas habilidades são sempre úteis na prática jurídica; em particular, quando surgem novas questões no direito, ou quando se pretende elaborar (e advogar em favor de) novas abordagens diante de problemas jurídicos. Então, mesmo aqueles que precisam de uma explicação tão “pragmática”, por assim dizer, para aquilo que fazem poderão encontrar boas razões para ler teoria do direito.

Há também uma medida em que a filosofia, mesmo quando não tenha implicações diretas em termos de notas ou mesmo de prática, traz uma série de benefícios indiretos. A filosofia pode treinar o pensamento lógico, pode afiá-lo; ela ensina a encontrar as fragilidades nos argumentos de outras pessoas (e nos próprios); ela ensina como avaliar e defender, e atacar, diferentes afirmações e posições. A filosofia pode então ser vista como um tipo de programa de exercício mental, assim como xadrez ou bridge1 (ou teologia). Considerando quão importantes são as aptidões analíticas tanto para advogados quanto para estudantes de direito, não se pode descartar assim tão rapidamente uma atividade que pode auxiliar muito nessas mesmas aptidões.

De um ponto de vista profissional, a teoria do direito é o modo pelo qual juízes e advogados refletem sobre aquilo que fazem, sobre seu papel em sociedade. Essa verdade é refletida pela fato de que a teoria do direito é ensinada como parte da educação jurídica universitária, onde o direito não é considerado mera técnica a ser aprendida (como carpintaria ou o conserto de automóveis) mas uma busca intelectual. Para aqueles que acreditam que somente a vida examinada merece ser vivida, e que passam a maior parte de seus dias trabalhando no sistema jurídico ou em torno dele, há fortes razões para que se deseje pensar profundamente sobre a natureza e a função do direito, do sistema jurídico, da profissão jurídica.

Finalmente, para alguns (abençoados ou amaldiçoados, é difícil dizer), a teoria do direito é interessante e prazerosa por si só, quaisquer que sejam seus benefícios ou sua utilidade. Sempre haverá aqueles para quem o aprendizado é valioso em si mesmo, ainda que não leve a uma maior riqueza, maior autoconhecimento, maior progresso social.

Perguntas e respostas em teoria do direito

Com frequência, parece tentador aos alunos — sobretudo àqueles que vêm do direito e não da filosofia — o hábito de ver os principais autores e os principais assuntos da teoria jurídica como uma parte meramente doutrinária, já hermética, do direito: isto é, como nada mais que posições e argumentos a serem decorados para que possam depois ser repetidos em provas e avaliações. Um segundo problema no modo como a teoria do direito é apresentada e estudada é a tendência a ler aquilo que dizem diferentes teóricos como respostas antagônicas a questões simples. Por exemplo, pensa-se que H. L. A. Hart e Lon Fuller discutiam proposições facilmente identificáveis em seu debate de 1958 nas páginas da Harvard Law Review.2 A única coisa que resta ao estudante, supõe-se, é descobrir qual teórico estava certo, qual teórico estava errado … [E]ssa perspectiva faz com que se perca de vista muito do que havia na discussão.

A teoria do direito seria muito mais claramente (e muito mais profundamente) compreendida se as questões e problemas que levanta, e os escritos de seus autores, fossem abordados a partir de um foco em perguntas e não em respostas. Uma vez que se vê que diferentes teóricos estão respondendo a diferentes perguntas com diferentes preocupações, é possível ver também o quanto esses teóricos estão, frequentemente, muito mais descrevendo aspectos diferentes de um mesmo fenômeno do que discordando com relação a afirmações simples sobre o direito.3 [Por vezes,] teorias aparentemente conflitantes, contraditórias entre si, podem ser apresentadas como compatíveis.

Quando se lê uma proposição específica feita por um teórico do direito, é importante que se levante uma série de perguntas: Qual é a natureza, o status dessa afirmação? Por que esse teórico está afirmando isso? Quem pode talvez discordar disso e por quê? Enquanto é verdade que muitos teóricos possam talvez ser criticados por não tornar clara a relevância de suas afirmações, uma leitura “caridosa” é ainda assim recomendável: é preciso sempre partir do pressuposto de que há algo de importante — no mínimo, algo de controverso — nas teorias articuladas. Ao final, depois de uma longa busca para encontrar o que há de valioso, significativo ou controverso em uma proposta teórica, é possível sim que se conclua que ela era, em verdade, trivial, mal feita, uma completa perda de tempo. De qualquer forma, esse nunca pode ser o ponto de partida.


1 [Nota do Tradutor] Tradicional jogo de cartas britânico.

2 HART, H. L. A., “Positivism and the Separation of Law and Morals”, 71 Harvard Law Review 593 (1958); FULLER, Lon L., “Positivism and Fidelity to Law: A Reply to Professor Hart”, 71 Harvard Law Review 630 (1958).

3 Cf. RAZ, Joseph. Between Authority and Interpretation (Oxford University Press, Oxford, 2009), p. 10, argumentando que, porque pode haver mais de uma maneira de se afiar os conceitos utilizados na prática jurídica, “pode haver mais de uma teoria adequada” sobre a natureza do direito.

Autores

  • é professor de Direito na University of Minnesota, nos Estados Unidos. Obteve o título de Bachelor of Laws (B.A.) pela Washington University; o Juris Doctor (J.D.) por Harvard; e o de Doctor of Philosopy pelo Balliol College, da Oxford University.

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