Opinião

Importância da advocacia penal tributária na MP do Contribuinte Legal

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23 de outubro de 2019, 6h51

Já não é novidade a publicação da Medida Provisória nº 899/2019, a “MP do Contribuinte Legal”, amplamente divulgada na mídia nos últimos dias e que finalmente regulamentou a transação tributária prevista no artigo 171 do CTN há quase 53 (cinquenta e três) anos. Para além dos aspectos negociais mais evidentes, necessário analisar a MP sob o prima do direito penal tributário, vez que evidente a preocupação do legislador nesta área.

O texto prevê a redução de multas e juros em acordo processual formalizado entre os sujeitos passivo e ativo do tributo. O acordo pode partir da iniciativa de qualquer um dos sujeitos, desde que o crédito esteja inscrito em dívida ativa e não seja fruto do cometimento de crime.

Abre-se parênteses para aplaudir o prestígio ao atual Código de Processo Civil, responsável por conferir maior poder de negociação processual entre as partes litigantes e buscar meios para a solução de conflitos de massa e redução do estoque de processos desta natureza. A negociação da dívida tributária pode sim ser considerada um negócio processual na medida em que permite dispor sobre prazos e suspensão do processo executório, inclusive em processos com ampla repercussão (art. 11 e seguintes), reforçando-se, assim, os institutos de efetividade processual trazidos pelo CPC. É motivo de comemoração!

Não é este, entretanto, o foco de nossas atuais considerações.

Para quem estudar a MP ficará nítida a preocupação do legislador (excepcional) em proteger o erário contra a sonegação fiscal e obstar que o sonegador criminoso se beneficie de sua conduta.

Este fato fica claro nas vedações baseadas no conteúdo fraudulento do débito tributário, nas referências a dilapidação patrimonial fraudulenta, e na impossibilidade de se firmar transação com empresas em nome de “laranjas” ou envolvidas em delitos de lavagem de capitais. Vejamos os principais dispositivos legais neste sentido:

Art. 4º A proposta de transação deverá expor os meios para a extinção dos créditos nela contemplados e estará condicionada, no mínimo, à assunção dos seguintes compromissos pelo devedor:

II – não utilizar pessoa natural ou jurídica interposta para ocultar ou dissimular a origem ou a destinação de bens, de direitos e de valores, seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários de seus atos, em prejuízo da Fazenda Pública federal;

Art. 5º A transação poderá dispor sobre:

I – a concessão de descontos em créditos inscritos em dívida ativa da União que, a exclusivo critério da autoridade fazendária, sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, desde que inexistam indícios de esvaziamento patrimonial fraudulento;

§ 2º É vedada a transação que envolva:

II – as multas previstas no § 1º do art. 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e no § 6º do art. 80 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, e as de natureza penal;

Lei nº 9.430/96:

Art. 44 (…)

§ 1o O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.

Lei nº 4.502/64:

Art. 80 (…)

§ 6o O percentual de multa a que se refere o caput deste artigo, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis, será:

I – aumentado de metade, ocorrendo apenas uma circunstância agravante, exceto a reincidência específica;

II – duplicado, ocorrendo reincidência específica ou mais de uma circunstância agravante e nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 desta Lei.

Art . 71. Sonegação é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:

I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;

II – das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.

Art . 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.

Art . 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.

Ademais, a MP também exige que o débito esteja inscrito em dívida ativa, o que importa dizer que o débito transitou em julgado na esfera administrativa, quando houver lançamento de ofício.

É nesta oportunidade em que são debatidas as características subjetivas do débito antes de sua constituição definitiva, inclusive a aplicação da multa qualificada, mas, provavelmente pela falta de conhecimento na área, muitos advogados tributaristas deixam de debater os aspectos criminais relacionados à existência de fraude, dilapidação patrimonial e existência de “laranjas”.

A multa qualifica é uma forma objetiva de se constatar a existência de fraude, quando fixada em sede administrativa, mas, como tudo no Direito, deve (deveria) ser comprovada. Inobstante, os fiscais de renda não raras vezes optam por lançar a multa punitiva qualificada sem que tenham aferido precisamente qual foi a fraude perpetrada pelo sujeito passivo do tributo e, principalmente, quem a cometeu. Os agentes fiscais de renda na maioria das vezes não têm essa capacidade técnica.

Portanto, é possível que o débito tributário transite em julgado com decisões e multas baseadas na constatação destes fatos impeditivos à transação tributária, tais como a fraude ou a existência de “laranjas”, sem que tenha havido a devida discussão e apreciação na esfera administrativa.

Daí a imprescindibilidade de uma atuação interdisciplinar especializada já em sede administrativa, como forma de afastar multas fundamentadas na existência de fraude e dolo de sonegar que possam inviabilizar uma eventual transação tributária depois de inscrito em dívida ativa o débito.

Por fim, outro aspecto de inegável relevo é a suspensão ou extinção da punibilidade pelo pagamento, instituto jurídico já bem conhecido pelos criminalistas do ramo.

A MP não afasta e nem reconhece expressamente o pagamento ou parcelamento como causas extintivas ou suspensivas da pretensão punitiva do estado, pelo que entendemos continuar aplicáveis os dispositivos legais que tratam da matéria atualmente.

É pacífico na jurisprudência o entendimento de que este é um direito do réu em qualquer caso de crime contra a ordem tributária, muito embora alguns tributos não prevejam os institutos nas suas legislações específicas.

O princípio da isonomia é o maior responsável por ampliar este direito trazido pela legislação federal aos demais tributos e não há motivos para crermos que a nova MP derroga tal direito.

Assim, mais que nunca, é fundamental a compreensão das dimensões criminais das infrações tributárias e seu efetivo debate durante o processo de constituição do crédito tributário que será objeto de transação.

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