Formação de quadrilha

Procuradores podem usar teoria da "roda de bicicleta" para acusar Trump

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5 de março de 2019, 11h22

Desde que a equipe de investigadores do Departamento de Justiça, chefiada pelo promotor especial Robert Mueller, começou a investigar um possível conluio da campanha do então candidato à Presidência Donald Trump com os russos para interferir nas eleições de 2016, 34 pessoas, das quais seis de alto escalão do comitê de campanha ou do governo, já foram acusadas, condenadas ou fizeram acordo de plea bargaining por diversos crimes – nada relacionado ao objetivo principal das investigações, o "conluio" com a Rússia.

Na esteira das investigações de conluio com a Rússia, o presidente Trump passou a ser investigado por diversos crimes, que parecem sustentar um processo de impeachment no Congresso. Mas nenhuma acusação específica de "conluio com a Rússia" parece tomar forma – a não ser que haja uma surpresa quando Mueller apresentar seu relatório final.

Para começar, "conluio" não é crime, porque não há lei que o defina. O caminho da equipe de Mueller seria acusar Trump, alguns membros de sua família e assessores mais próximos, de formação de quadrilha – em inglês, o termo é "conspiracy" (ou conspiração para defraudar os Estados Unidos).

Na legislação penal americana, "conspiracy" é o termo jurídico que define a reunião (ou organização) de pessoas para conspirar o cometimento de um crime. Não é preciso que o crime seja realmente cometido. Basta que a "quadrilha" tenha tomado alguma ação para realizar o crime. Mas implica o conhecimento de todos os membros da "quadrilha" de um plano para cometer um crime e a intenção de violar a lei.

No caso do "conluio com a Rússia", nada parece indicar, por enquanto, que um grupo organizado de pessoas arquitetou um plano para defraudar as eleições e o próprio país. O que se sabe é que agentes da Rússia invadiram os computadores do Comitê Nacional Democrático e roubaram milhares de e-mails, muitos dos quais realmente comprometeram a campanha de Hilary Clinton.

Sabe-se também que houve uma reunião na Trump Tower entre o filho do presidente Donald Trump Jr., o genro do presidente Jared Kushner, o coordenador da campanha Paul Manafort, uma advogada do governo russo e outros agentes russos. Nessa reunião, os russos teriam prometido passar à campanha de Trump "sujeiras" de Hilary Clinton.

Em depoimento a uma comissão parlamentar da Câmara dos Deputados na quarta-feira, o ex-advogado pessoal do presidente Michael Cohen deu uma informação que melhorou a chance de os investigadores do Departamento de Justiça promoverem acusações de "conspiracy".

Roda de bicicleta
A informação envolve o então consultor da campanha Roger Stone, amigo de Donald Trump. Cohen contou que estava na sala de Trump, em 18 ou 19 julho de 2016, quando o então candidato recebeu um telefonema de Stone, que ele atendeu por viva voz. Stone teria dito a Trump que Julian Assange, editor da WikiLeaks, lhe assegurou que a publicação iria divulgar um "tesouro" de e-mails que comprometiam Hilary Clinton. Posteriormente, se confirmou que os e-mails foram conseguidos através do hacking, pelos russos, dos computadores do comitê do Partido Democrata.

Trump teria dito: "Isso não seria maravilhoso?" A WikiLeaks começou a divulgar os e-mails em 22 de julho. O resultado foi uma queda repentina nas pesquisas de preferência de votos dos eleitores por Hilary Clinton. Stone teria continuado a contatar Trump, que se mostrava "feliz em receber seus telefonemas", e também outros membros do comitê eleitoral republicano e com os russos.

A partir daí, começa a se desenvolver a teoria da conspiração "hub-and-spokes" – "hub" significa cubo, "spokes" significa raios, mas a expressão é traduzida como "roda da bicicleta", até porque também envolve o aro.

Segundo essa teoria, não há um grupo de pessoas em que todos conspiram juntos e todos dispõem de informações sobre um plano para cometer um crime. Existe uma pessoa central (o cubo), no caso Roger Stone, que se comunicava com Trump, assessores e russos (os raios). E todos esses raios convergiam para o aro (a conspiração).

Esse tipo de "conspiração" é frequentemente usado pelos promotores – e aceito pelos juízes – em casos de tráfico de drogas e de antitruste. No caso, por exemplo, de uma fabricante que faz um "conluio" com suas revendas para baixar os preços com o objetivo de sufocar uma concorrente, as revendas se comunicam com um intermediário central (o cubo), mas não se comunicam, necessariamente, entre si (os raios).

Nesses casos, as cortes aceitam a tese da "conspiração" não como derivada de uma rede de conspiradores, mas de um "cubo" e seus múltiplos "raios" que se estendem para formar o "aro".

Essa teoria permite aos promotores apontar "coconspiradores", mesmo que eles não tenham participado da elaboração de todo o plano – ou não tenham um conhecimento completo dele. Um membro da quadrilha pode não conhecer os demais. Mas certamente saberá da existência dos outros. A teoria prevê a atuação de um coordenador, que faz a engrenagem funcionar.

As novas revelações sobre as conversações de Trump com Stone podem estabelecer essa estrutura de "cubo e raios" para os promotores traçarem um plano de ação para implicar o presidente no "conluio" com a Rússia, a fim de influenciar as eleições a seu favor, mesmo que a iniciativa de hacking dos computadores do comitê democrático tenha sido dos russos – e não a pedido de Trump, segundo o site Slate.

Embora uma estrutura de "cubo e raios" esteja tomando forma, os promotores terão de provar que Trump e Stone chegaram a alguma forma de acordo para obter os e-mails roubados. E que esse acordo se refere a uma conspiração para realizar algo ilícito – não somente antiético ou antipatriótico. Ficará mais forte se provarem que Trump e Stone conspiraram com os russos para fazer o hacking dos computadores do comitê democrata.

Stone já foi acusado pela equipe do promotor especial de tentativa de ocultar fatos, cometer fraudes, mentir ao Congresso sobre a WikiLeaks, obstruir uma investigação do Comitê de Inteligência da Câmara e de coagir testemunhas. Nada, ainda, sobre o primeiro objetivo do promotor especial, o de provar conluio com a Rússia.

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