Direito Civil Atual

Os efeitos da Súmula 621 do STJ na retroação das sentenças de alimentos

Autores

  • William Soares Pugliese

    é pós-doutorando pela UFRGS doutor e mestre pelo programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná professor do programa de mestrado em Direito da Unibrasil gastforscher no Max-Planck-Institut für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht e coordenador da especialização de Direito Processual Civil da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).

  • Marília Pedroso Xavier

    é professora da graduação e da pós-graduação strictu sensu da Faculdade de Direito da UFPR. Doutora em Direito Civil pela USP. Mestre e graduada em Direito pela UFPR. Conselheira da OAB/PR. Diretora do Departamento de Direito Civil do Instituto dos Advogados do Paraná. Coordenadora da Clínica Jurídica Advocacia Disruptiva e do Observatório jurisprudencial em Direito de Família e Sucessões junto ao Núcleo de Prática Jurídica da UFPR. Advogada. Mediadora da ARBITAC e da CAMFIEP.

27 de maio de 2019, 8h00

No dia 12 de dezembro de 2018, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou novo enunciado de súmula cujo propósito é encerrar uma longa discussão da jurisprudência da Corte.

O Tribunal firmou sua posição a respeito da retroatividade da sentença de alimentos até a data da citação para todas as hipóteses, estabelecendo o seguinte enunciado: “Os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade”. [1]

O propósito do STJ ao editar a referida súmula é o de atender a diretiva do art. 926, do Código de Processo Civil de 2015, especialmente no que toca à uniformização de sua jurisprudência. No âmbito dos alimentos, a medida era mais do que necessária, tendo em vista a existência de controvérsia sobre tema mais do que cotidiano nos juízos de família.

É que o STJ tinha dois entendimentos distintos sobre a aplicação da regra do art. 13, § 2º, da Lei de Alimentos, que assim dispõe: “[e]m qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação”.

De um lado, parte do STJ entendia que a regra de retroatividade dos alimentos à data de citação não se aplicava para as sentenças de redução [2] ou de exoneração de alimentos [3]. Por outro lado, a mesma Corte proferia decisões em sentido contrário, afirmando que em todas as hipóteses a sentença tem efeitos retroativos [45].

Havia consenso somente quanto à irrepetibilidade e à impossibilidade de compensação dos alimentos em virtude da diferença dos valores fixados entre a decisão interlocutória e a sentença.

Ocorre que, em 2013, o STJ julgou embargos de divergência com o objetivo de uniformizar o entendimento sobre a questão e encerrar a divergência de forma definitiva [6]. O acórdão, que teve como relatora a Min. Maria Isabel Galotti (vencido o relator do caso, Min. Luis Felipe Salomão, e os Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi), expõe detalhadamente os argumentos da tese vencedora e refuta diversos fundamentos que sustentavam o entendimento contrário.

Apesar disso, as teses da inaplicabilidade do art. 13, § 2º, da Lei de Alimentos, seguiram sendo invocadas na Corte, apesar de não ter se verificado nenhum julgamento que contrariasse a posição assumida nos embargos de divergência. Ao que tudo indica, portanto, a edição do enunciado da Súmula 621, aprovada em 12 de dezembro de 2018, teve o objetivo de conferir maior publicidade ao entendimento e de conferir à posição do Tribunal os efeitos previstos pelo art. 927, do Código de Processo Civil de 2015.

Assim, em um primeiro momento, o enunciado de súmula editado merece elogios. O ato do STJ demonstra que existe, de fato, uma preocupação dos tribunais em atender o que deles é atualmente esperado, especialmente com relação à função de promover segurança jurídica por meio dos precedentes.

No entanto, cabe à doutrina [7] questionar os precedentes editados e considerar os impactos das decisões sobre a realidade forense. Nessa linha, a questão que se apresenta é o risco que a regra estabelecida pelo STJ gera sobre as demandas de alimentos. O problema pode ser apresentado de forma bastante objetiva: se os alimentos são irrepetíveis e deles não se admite compensação, mas os efeitos de qualquer sentença (majoração, redução ou exoneração) são retroativos, o inadimplemento dos alimentos provisórios pode ser vantajoso ao devedor de alimentos.

A uma, porque uma vez pagos os alimentos a maior, o devedor não terá qualquer possibilidade de reavê-los. Sendo assim, o devedor que acredita ser possível a redução tende a não realizar o pagamento e enfrentar o rito da execução, na expectativa de obter uma sentença que fixe valores mais baixos em tempo hábil.

A duas, e este é o ponto mais obscuro, pelo fato de que a sentença que fixa o valor definitivo dos alimentos e majora o valor devido em relação aos alimentos provisórios poderá significar um montante cujo pagamento é inviável – o que já vem ocorrendo na prática.

Explica-se: o tempo médio de duração de um processo de conhecimento na justiça estadual brasileira é de três anos e nove meses, de acordo com o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, do ano de 2018 (ano-base 2017) [8]. É possível considerar, portanto, que uma sentença que fixa os alimentos definitivos retroage cerca de 45 (quarenta e cinco) meses.

Deste modo, uma sentença que majore os alimentos na proporção de um salário mínimo por mês implica uma dívida total do alimentante no valor de R$ 44.910,00 (quarenta e quatro mil, novecentos e dez reais). Constatado este ponto, é preciso ter em mente que a sentença que fixa alimentos definitivos não só estipula um valor para o futuro, mas que também é marcada pelo nascimento de um novo débito de valor considerável a ser pago pelo devedor de forma retroativa.
Também, é importante recordar que os valores de alimentos retroativos deverão ser pagos à vista, sob o rito do cumprimento de sentença.

Isto significa que o alimentante, ainda que tenha pago todas as parcelas em dia, nos termos das decisões interlocutórias proferidas ao longo dos processos, poderá se tornar devedor de uma quantia que ele não dispõe. É esta incerteza que pode significar um segundo fundamento que incentive o crescimento da inadimplência no curso das ações de alimentos no Brasil.

O desafio de combater o decurso do tempo nos processos judiciais não é novo, nem a necessidade de se estabelecer interpretações coerentes acerca da legislação.

A questão é que, fixado o entendimento pelo STJ, abre-se um novo espaço para reflexão a respeito do tema dos alimentos com esses novos elementos. A discussão que se anuncia demandará a análise prática dos efeitos desse precedente, a fim de identificar se a estrutura atual do instituto entrega, de fato, proteção jurídica ao alimentado.

Honra-nos a oportunidade de ocupar esta coluna, coordenada pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão, Antônio Carlos Ferreira e Humberto Martins e pelos professores Ignacio Maria Poveda Velasco, Otavio Luiz Rodrigues Junior, José Antônio Peres Gediel, Rodrigo Xavier Leonardo e Rafael Pefetti da Silva, e oferecer a presente reflexão.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).


[1] Trata-se da Súmula 621, Segunda Seção, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018.

[2] Ação de separação judicial. Alimentos provisórios. Redução operada pela sentença. Cálculo do valor do débito. Precedentes da Corte.
1. Considerando os precedentes da Corte, o valor dos alimentos provisórios é devido desde a data em que foram fixados até a data em que proferida a sentença que os reduziu.
2. Recurso especial conhecido e provido, em parte. (REsp 662.754/MS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2007, DJ 18/06/2007, p. 256).

[3] AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE EXONERAÇÃO – ALIMENTOS – REDUÇÃO DA PENSÃO ALIMENTÍCIA – EFEITOS PROSPECTIVOS – PRECEDENTES – REFORMATIO IN PEJUS – VEDAÇÃO – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (AgRg no REsp 1181119/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/09/2011, DJe 23/09/2011).

[4] Direito processual civil e direito civil. Família. Recurso especial. Alimentos. Execução extinta. Sentença em revisional que reduz os alimentos transitada em julgado. Retroatividade mantida. Embargos de declaração. – Ao julgador não cumpre esmiuçar a questão sob a ótica tal como deduzida pela parte, bastando que dê solução adequada e fundamentada à controvérsia, sem omissões, contradições ou obscuridades no julgado. – Em qualquer circunstância, seja reduzida, majorada ou efetivamente suprimida a pensão alimentícia, a decisão retroagirá à data da citação da revisional, a teor do art. 13, § 2º, da Lei de Alimentos LA (n.º 5.478/68), remanescendo incólume, contudo, a irrepetibilidade daquilo que já foi pago. Recurso especial conhecido, porém, não provido. (REsp 967.168/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/05/2008, DJe 28/05/2008).

[5] Direito civil e processual civil. Alimentos. Provisórios. Definitivos. Fixação em valor inferior. Termo inicial. Citação. Fixados os alimentos definitivos em valor inferior ao dos provisórios, retroagirão à data da citação, ressalvadas as possíveis prestações já quitadas em virtude da irrepetibilidade daquilo que já foi pago. Recurso especial provido. (REsp 209.098/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2004, DJ 21/02/2005, p. 169)

[6] CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. CABIMENTO. REVISÃO DOS ALIMENTOS. MAJORAÇÃO, REDUÇÃO OU EXONERAÇÃO. SENTENÇA. EFEITOS. DATA DA CITAÇÃO. IRREPETIBILIDADE.
1. Os efeitos da sentença proferida em ação de revisão de alimentos – seja em caso de redução, majoração ou exoneração – retroagem à data da citação (Lei 5.478/68, art. 13, § 2º), ressalvada a irrepetibilidade dos valores adimplidos e a impossibilidade de compensação do excesso pago com prestações vincendas.
2. Embargos de divergência a que se dá parcial provimento. (EREsp 1181119/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/11/2013, DJe 20/06/2014).

[7] Sobre a função da doutrina aqui apontada, ver RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina em nosso tempo). Revista dos Tribunais, v. 891. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 65-106.

[8] CNJ. Justiça em números 2018: ano-base 2017. Conselho Nacional de Justiça: Brasília, 2018, p. 146.

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    é Pós-doutorando pela UFRGS. Doutor e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná. Professor do Programa de Mestrado em Direito da Unibrasil. Gastforscher no Max-Planck-Institut für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht. Coordenador da Especialização de Direito Processual Civil da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).

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    é professora da graduação e da pós-graduação strictu sensu da Faculdade de Direito da UFPR. Doutora em Direito Civil pela USP. Mestre e graduada em Direito pela UFPR. Conselheira da OAB/PR. Diretora do Departamento de Direito Civil do Instituto dos Advogados do Paraná. Coordenadora da Clínica Jurídica Advocacia Disruptiva e do Observatório jurisprudencial em Direito de Família e Sucessões junto ao Núcleo de Prática Jurídica da UFPR. Advogada. Mediadora da ARBITAC e da CAMFIEP.

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