Ideias do Milênio

"Hoje temos uma emergência humanitária, com 25% da população em risco de morte"

Autor

15 de maio de 2019, 9h22

Agência Brasil
Agência Brasil

Entrevista concedida pelo presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, ao jornalista Marcelo Lins para o Milênio — programa de entrevistas que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira, com reprises às terças (4h05).

***

A Venezuela tem dois presidentes desde janeiro: Nicolás Maduro, herdeiro político de Hugo Chávez, reeleito em uma votação marcada por um recorde de abstenção e pelo questionamento de organismos internacionais e dezenas de países. E Juan Guaidó, o jovem presidente da Assembleia Nacional, que invocou a Constituição para se declarar presidente interino, já que considerou a eleição de Maduro ilegítima. Na prática, o regime se sustenta pelo apoio interno dos militares e externo da Rússia e da China. Já Guaidó não tem poder, mas tem forte apoio da população e o respaldo de boa parte da comunidade internacional, inclusive do Brasil. O pano de fundo dessa disputa é a crise política e econômica em que a Venezuela se afunda cada dia mais, com seis anos seguidos de contração do PIB, um êxodo de 4 milhões de cidadãos, a maior inflação do mundo, acima de inacreditáveis 1.500.000%, e a sombra constante de uma guerra civil ou de uma intervenção militar estrangeira. Juan Guaidó falou ao Milênio via internet, de um local secreto em Caracas, e começou fazendo um balanço da mais recente onda de protestos contra Maduro, a Operação Liberdade, que ele convocou no fim de abril.

Marcelo Lins — Antes de mais nada, senhor Guaidó, muito obrigado por falar à GloboNews. Sabemos que não é fácil circular por Caracas na atual situação. E gostaria de começar essa entrevista com uma pergunta simples e direta: como está, neste momento a Operação Liberdade?
Juan Guaidó — Estamos avançando, organizando comitês de ajuda e liberdade nos setores mais populares, os mais desassistidos, os que têm sofrido mais com a tragédia vivida hoje pela Venezuela. Hoje, Maduro segue usurpando funções, mas, com a maioria do povo da Venezuela, com a nossa Constituição, com o respaldo da comunidade internacional, sobretudo, para sair da tragédia, estamos mais perto da mudança.

Marcelo Lins — Na sua avaliação, o senhor acredita que algo mudou na relação com os militares, com os generais, que seguiam até ontem, até hoje, leais ao regime Maduro?
Juan Guaidó — Sem dúvida. O descontentamento na Venezuela é generalizado. Um militar, tenente-coronel, patente intermediária, ganha hoje US$ 10 por mês, US$ 12 no máximo. Não dá para viver, apenas subsistir. E essa realidade se estende por toda a Venezuela, onde o descontentamento é evidente, como ficou claro no 30 de abril. E o importante é que vamos seguir agregando não só os militares, mas, sim, todos os venezuelanos. Hoje, 91% da população quer a mudança, como mostra uma pesquisa recente, mas dá para ver isso nas ruas.

Marcelo Lins — No 30 de abril, quando o mundo viu as imagens do senhor Leopoldo López, ao seu lado, livre, muita gente acreditou, naquele momento, que era algo decisivo para a vitória da oposição ao regime. Mas, ao final do dia, Leopoldo López estava, com a família, na embaixada da Espanha. O que aconteceu naquelas horas e o que o levou a tomar essa decisão?
Juan Guaidó — Veja, é natural que o sucesso seja medido pelo fato de Maduro seguir ou não no palácio Miraflores. O que nós, venezuelanos, sofremos por anos resultou numa crise humanitária complexa. Há 7 milhões de venezuelanos, ou 25% da população, correndo risco de morte, segundo a ONU. O fato de Maduro seguir usurpando o cargo não significa uma vitória dele. Maduro já perdeu. Sem apoio popular, sem respaldo, escondido, desaparece por dias, não é visto nem em reuniões com os ministros, sua gente, aqueles que ele chama de ministros, que estão também usurpando funções. O que está claro é que nós estamos nas ruas, apoiando os cidadãos, procurando soluções de emergência para essa crise humanitária complexa. Estamos mais perto da mudança desde o 30 de abril. E esperamos libertar não só Leopoldo como também todos os presos políticos.

Marcelo Lins — O senhor é hoje, sem dúvida, o rosto mais conhecido da oposição venezuelana, mas há outros, lembro aqui do senhor Capriles e também do senhor Leopoldo López. Mas não temos visto muito Capriles nos últimos meses nas ruas, nem em protestos nem participando de negociações com o senhor. O senhor diria que a oposição está dividida ou unida para chegar ao poder e tirar Maduro do governo?
Juan Guaidó — Não, estamos totalmente unidos. É uma união por uma causa muito mais importante, que transcende a uma conjuntura, que é para fazer avançar o país, recuperar nossa democracia, a liberdade, a prosperidade que já tivemos como país e que precisamos devolver ao cidadão, junto com a dignidade e a liberdade da nossa gente. Hoje temos uma união total em torno da causa da justiça, da democracia e da liberdade na Venezuela. Sob qualquer aspecto estamos unidos.

Marcelo Lins — Para muita gente do governo, claro, mas também para alguns aliados internacionais do regime Maduro, o senhor é um político de direita. Mas, para outros, não, e o senhor parabenizou rapidamente pela vitória na Espanha o primeiro-ministro Pedro Sánchez, do PSOE. Como o senhor define a sua figura política?
Juan Guaidó — Bem, tratar o que acontece na Venezuela como uma questão de direita ou esquerda é desinformação. Basta lembrar que o que temos hoje na Venezuela é questão de direitos humanos, de corrupção, violação sistemática dos direitos civis, falta de acesso a bens e serviços, é o colapso total do país. Nossa causa tem o apoio de presidentes como Lenin Moreno, mas também Pedro Sánchez, da Espanha. Assim como o presidente Bolsonaro, a quem mando minha saudação e meus respeitos por defender uma causa justa, que é a democracia e liberdade. Lançar mão na Venezuela do elemento ideológico é um pouco de desinformação, haja visto, por exemplo, que o partido que fundamos há alguns anos, o Vontade Popular, pertence à Internacional Socialista. Mas, de novo, isso não tem nada a ver com ideologia, tem a ver com direitos fundamentais, com liberdade e com democracia.

Marcelo Lins — Falando um pouco do papel dos Estados Unidos, para muita gente a Casa Branca já fez tudo o que era possível do ponto de vista das pressões econômicas e diplomáticas sobre o regime Maduro. O senhor realmente acredita na opção militar como algo possível?
Juan Guaidó — Não podemos confundir os objetivos com os meios. O objetivo na Venezuela é termos liberdade, democracia, eleições livres, que o nosso povo possa viver com prosperidade, em paz, com tranquilidade e com segurança, para, por exemplo, poder andar a noite pelas ruas da Venezuela, o que hoje é um sonho. Quais os meios para se alcançar isso? Bem, temos os protestos cívicos, a construção de maioria, conquistar o Parlamento. Mas hoje a ditadura proíbe qualquer alternativa lógica. Eles é que estão deixando a transição mais cara na Venezuela, pois já temos maioria nas ruas e o apoio internacional. Com responsabilidade, devemos avaliar todas as opções para frear o genocídio silencioso vivido pela Venezuela.

Mais uma vez, 7 milhões de venezuelanos em emergência humanitária, 4 milhões emigraram, 15% da população. Estamos falando de 40% da população que está em risco de morte ou já atravessou as fronteiras em busca de oportunidades. Então, é uma alternativa, uma alternativa que vamos avaliar com responsabilidade. Mas a crise, o custo social, esse já estamos pagando. Perdendo venezuelanos inocentes, jovens, crianças, adultos, idosos por falta de remédios. Então essa opção é uma alternativa, mas não vamos confundi-la com o objetivo da Venezuela, que é ter liberdade, democracia e prosperidade. E o que queremos e estamos exigindo há mais de dois anos é a realização de eleições livres. Agora, se o regime segue assassinando direta e indiretamente os venezuelanos, se continua prendendo opositores, devemos, com responsabilidade, avaliar de fato todas as opções.

Marcelo Lins — Ainda falando um pouco dos Estados Unidos, Washington tem um histórico de apoio a golpes militares no século XX na América Latina. O que há de diferente hoje na situação da Venezuela para que não se pense que o que Washington quer é apoiar, mais uma vez, um golpe?
Juan Guaidó — Primeiramente, essa não é uma questão de Washington. Reforçamos e agradecemos o apoio que temos tido, claro, de forma fundamental, dos Estados Unidos. Mas também do Grupo de Lima, também do Canadá, do Brasil, da Europa, da Coreia do Sul, do Japão, do Marrocos, de Israel, entre outros países que apoiam uma causa justa na Venezuela, que é a Constituição. Não é possível falar hoje de golpe na Venezuela, quando sou o presidente interino do nosso país, de acordo com a Constituição. Em 5 de janeiro, tomei posse como presidente do Parlamento, e por não ter havido eleições no ano passado na Venezuela, venceu o mandato constitucional de Maduro no dia 10 de janeiro de 2019. Pela nossa Constituição, cabe a mim assumir a presidência interina, para chegar a uma eleição realmente livre. Hoje os militares que estão do lado da Constituição são patriotas. Os jovens que protestam todos os dias, fazem isso pelo seu futuro, as enfermeiras que estão exigindo produtos médicos para salvar vidas são as que claramente querem que os cidadãos possam viver em paz e tranquilidade. Então, hoje, a construção de uma maioria dentro do Parlamento, como presidente interino da Venezuela, nos credencia a ter essa cooperação internacional, a buscar a ajuda dos nossos aliados, como os Estados Unidos, o Grupo de Lima, o Canadá, como o Brasil, como a Europa, entre outros.

Marcelo Lins — Esse mesmo artigo 233 da Constituição da Venezuela, pela qual o senhor invoca essa condição de presidente interino, também determina que sejam planejadas novas eleições presidenciais num prazo de 30 dias. Não aconteceu isso. Não aconteceu porque não havia condições para isso e segue valendo a Constituição, ou não aconteceu e existiria neste momento uma zona um pouco obscura, legalmente, no papel de Juan Guaidó?
Juan Guaidó — Bom, acho que está claro que hoje persiste uma ditadura, um sequestro dos poderes por parte de Nicolás Maduro. Sequestro do Tribunal Supremo de Justiça. Sequestro do Conselho Nacional Eleitoral, sequestro dos poderes, como já vinha acontecendo. Um desmonte efetivo do Estado de Direito, que levou o país, pelo sexto ano seguido, a ter retração do PIB. 60% em seis anos, no país que tem as maiores reservas de petróleo do planeta, vivendo, os venezuelanos, seus cidadãos, com US$ 6 por mês. Uma hiperinflação de 2.300.000%, ou seja, uma ditadura, que usurpa funções na Venezuela e contra a qual, como presidente interino, estou tentando reaver as atribuições do Executivo, legitimamente, para que possamos ter a transição e ter uma eleição realmente livre, que é o que está previsto para o meu mandato pela Constituição.

Marcelo Lins — O senhor mantém então a intenção de convocar eleições no primeiro momento em que estiver no poder, que Maduro estiver fora?
Juan Guaidó — O nosso caminho foi muito claro desde o início: fim da usurpação, porque hoje estão usurpando atribuições através do ditador Nicolás Maduro, governo de transição, para poder reinstitucionalizar, ter um conselho de transição, um árbitro legítimo rapidamente na Venezuela, e ter eleições realmente livres, que é o nosso mandato, de acordo com a Constituição.

Marcelo Lins — O senhor Leopoldo López continua na embaixada da Espanha. O senhor, de alguma forma, tem planos de sair da Venezuela neste momento, ou segue no movimento, na Operação Liberdade e ainda, por que o senhor acha que ainda está em liberdade e não preso pelo regime?
Juan Guaidó — Primeiramente porque atuamos dentro do marco constitucional, porque sou o presidente do Parlamento, porque sou o presidente interino da Venezuela. Em segundo lugar, porque temos um apoio popular majoritário, totalmente. Por isso não queremos só mudanças, queremos que os venezuelanos decidam, que tenham eleições realmente livres. Em terceiro lugar, pelo apoio firme e determinado internacional à causa justa da democracia e da liberdade na Venezuela. Sigo então exercendo meu cargo em nosso país, apesar de viver numa ditadura, de haver a ameaça constante de morte, de perda de liberdade, que não é diferente para todos os nossos deputados e todo o povo, inclusive para jornalistas que exercem aqui seu direito de informar.

Marcelo Lins — Como o senhor vê, até este momento, o papel do Brasil nessa crise? Sabemos que há contatos, ou houve, entre militares brasileiros e venezuelanos. Como o senhor vê o papel do Brasil até agora e o que poderia fazer o governo Bolsonaro de mais produtivo?
Juan Guaidó — Determinante, determinante, vamos lembrar também que em vários momentos as relações entre Venezuela e Brasil foram muito prósperas, US$ 5 bilhões, US$ 7 bilhões na balança comercial. Lamentavelmente, por conta da corrupção da Odebrecht, essa relação se deteriorou. Na relação Chávez-Lula, foram pelo menos 30 viagens, produzindo contratos que somam mais de US$ 30 bilhões, da Venezuela para a Odebrecht. 80% dessas obras estão paradas na Venezuela, foram perdidos mais de US$ 22 bilhões na Venezuela, relativos à Odebrecht. Com essa nova integração nas relações com o presidente Bolsonaro, feita a partir de princípios, por direitos fundamentais, insisto, democracia, liberdade, respeito aos direitos humanos, combate à corrupção, o que é determinante para estabelecer um entendimento real entre nossos povos. Que tenha a ver realmente com empoderamento e não com o interesse de empresas como a Odebrecht ou a PDVSA neste momento, levando esta campanha para toda a América do Sul.

Marcelo Lins — Neste momento, qual o poder que o senhor e seus apoiadores têm sobre os fundos da PDVSA no exterior e outras estruturas do governo? Porque alguns analistas dizem que vocês têm o poder da narrativa de dizer como acontece a história, mas não têm poder sobre a estrutura. Como o senhor vê essa situação?
Juan Guaidó — Bem, protegemos os ativos da Venezuela no mundo, entre eles parte das contas da PDVSA. E protegemos pelo seguinte, falei do caso Odebrecht, que vocês conhecem muito bem no Brasil. A Odebrecht entregou US$ 938 milhões aproximadamente, se não estou enganado sobre números, em 12 ou 13 países do mundo, para conseguir contratos diretamente. A Venezuela foi o segundo país que mais recebeu subornos, depois do Brasil. Em um único caso, um funcionário da PDVSA, a estatal do petróleo, recebeu US$ 1,2 bilhão de suborno. Um único funcionário, para endividar a PDVSA e distribuir bônus a quem quisesse, para fechar negócios. Foi assim, não apenas roubaram petróleo da Venezuela, como também endividaram o país para roubar. Só para dar a noção da magnitude desses atos. Com responsabilidade então, nós resguardamos e protegemos ativos do país, e estamos nessa fase de proteção dos ativos, para que não sejam roubados, para que não financiem paramilitares armados para sufocar protestos legítimos na Venezuela. Eles chamam de coletivos, mas são paramilitares armados, que inclusive mataram manifestantes, que exigem legitimamente seus direitos. Numa segunda etapa, na qual estamos trabalhando, vamos dispor desses ativos para atuar na emergência humanitária e começar a reconstrução da Venezuela. Neste momento, estamos na etapa de proteção dos ativos da Venezuela.

Marcelo Lins — Sabemos que o apoio dos militares ainda é fundamental para que Maduro siga no poder, mas, no cenário internacional, apoios como os da Rússia ou da China também são importantes. Existe alguma articulação, a nível internacional, para tentar mudar esses apoios?
Juan Guaidó — Temos trabalhado duro nisso, e recentemente o chanceler da China deu uma declaração muito importante e interessante, dizendo que a Venezuela precisa buscar uma solução para o conflito, isso pelo lado da China. A Rússia, como vocês sabem, tem investimentos na Venezuela, no setor de petróleo e de gás. E nós já dissemos claramente que todos os países que tenham investimentos legítimos no nosso país, com contratos legais, terão, claro, acesso a esses investimentos. E o que queremos garantir é exatamente o acesso a esses investimentos, o livre comércio e ainda o respeito à segurança jurídica do Estado de Direito. Jamais poderíamos nos opor a isso, e dissemos isso à Rússia também, que eles poderão ter participação nos investimentos legítimos aqui. E se alguém tem uma noção clara da dimensão do desastre econômico da Venezuela, é exatamente a Rússia, que hoje não tem nenhum tipo de lucro, por conta da queda da produção de petróleo. De 3,5 milhões de barris de petróleo a menos de 700 mil.

Marcelo Lins — E neste momento, a hipótese de um diálogo, de algum tipo, é totalmente impossível ou o senhor acredita que ainda há espaço para isso?
Juan Guaidó — Tudo que esteja de acordo com o fim da usurpação, de um governo de transição e de eleições livres será avaliado. Mas, no curto prazo, uma distração parecida foi tentada por Maduro em 2017, enganando não só todos os venezuelanos, mas também países vizinhos, que tentaram mediar ou facilitar um processo de solução. O que ele fez foi enganar os venezuelanos.

Marcelo Lins — Já estamos nos encaminhando para o fim da nossa entrevista, mas gostaria de saber ainda qual é o cenário que se desenha de uma Venezuela pós-Maduro? Qual a sua avaliação?
Juan Guaidó — Bom, vou fazer uma referência a um relatório feito pelo Barclays recentemente, o banco, segundo o qual, com uma mudança de governo e a recuperação da confiança no país, no sistema econômico, poderíamos elevar a produção de petróleo de 50% a 100% em um ano e meio, poderíamos atrair investimentos estrangeiros, poderíamos recuperar o sistema elétrico venezuelano, ter a capacidade de fazer a integração latino-americana. Mas hoje o que temos é a emergência humanitária, no curto prazo, repito, com 25% da população em risco de morte. Então, uma Venezuela de mudança, segura, uma Venezuela de confiança e de prosperidade, de maior integração latino-americana, de avanços também no que diz respeito a direitos humanos e de plena felicidade, sobretudo, para os venezuelanos. Da volta desses 4 milhões de venezuelanos que deixaram seu país. Ou seja, o potencial da Venezuela segue intacto, mas precisamos para já, a necessidade do país é a mudança.

Marcelo Lins — O mundo segue com preocupação o que acontece na Venezuela. Falamos aqui da crise humanitária que envolve milhões de venezuelanos, e são os mesmos venezuelanos que têm que sair às ruas para protestar contra o regime Maduro, enquanto alguns saem também para se manifestar a favor do regime Maduro. Mas, falando da oposição, a partir do seu ponto de vista, quanto tempo o povo da Venezuela aguenta nas ruas?
Juan Guaidó — O que for necessário. Necessário para recuperar nossa liberdade. Isso não é novidade para nós. Estamos protestando nas ruas há anos, mais intensamente desde 2014. Neste momento somos maioria exercendo esse direito nas ruas de Venezuela. Agora, sem dúvida, quanto o povo da Venezuela ainda aguenta de Maduro usurpando suas funções? Muito pouco. Estamos em risco de morte. Cheguei há pouco de uma visita a uma região popular do meu estado natal de Vargas, onde falta água há vários dias, a situação sanitária é grave. Idosos que ficaram sós em suas casas porque seus filhos foram para outros países para tentar mandar dinheiro, para sua subsistência. Uma pessoa, e peço desculpas por descrever, mas é a realidade, estava fazendo suas necessidades no corpo, porque estava sem a família, ninguém para cuidar dela, para mandar remédios, ou simplesmente fraldas geriátricas, impossíveis de comprar na Venezuela. Não tinha gás para poder cozinhar e por isso tudo estava correndo risco sanitário, e este era um exemplo corriqueiro na região. Crianças sem alimentação adequada, ou seja, quanto tempo vamos aguentar nas ruas protestando? O que for necessário para recuperar a liberdade. Quanto tempo os venezuelanos aguentam nessa crise humanitária complexa? Muito pouco, estamos com o risco de morte de 25% da população.

Para os que emigraram, existe um risco a mais na região que é o ELN, tropas irregulares, paramilitares, transformados em braço dos traficantes na Venezuela. E para a região há ainda um risco sanitário na figura de focos de doenças que estão reaparecendo, doenças que estavam erradicadas. E reaparecem não somente na Venezuela, como também nas fronteiras, como vimos no caso de Roraima, na fronteira com a Venezuela. Por isso, hoje este é um problema que a grande maioria dos venezuelanos quer resolver, isso já foi demonstrado pela maioria, estamos determinados a fazer isso, mas enfrentamos uma ditadura que matou, torturou, perseguiu, encarcerou e roubou dinheiro de todos os venezuelanos.

Marcelo Lins — Uma última pergunta: qual é a Venezuela dos sonhos de Juan Guaidó?
Juan Guaidó — Em primeiro lugar, o que precisamos fazer é voltar à normalidade. O abraço em família. Que voltem esses 4 milhões que deixaram o país e que nossas crianças possam sonhar em se formar, estudar aqui, desenvolver-se em seu país, exercer suas profissões aqui. E, de novo, perdemos a normalidade na Venezuela. Andar pelas ruas a noite é um sonho. Ter água, ter energia elétrica, hoje tudo é quase sonho na Venezuela e esse não pode ser o sonho dos venezuelanos. Precisa ser, mais uma vez, resgatar a nossa prosperidade, nossas capacidades, o apoio da região. Que nossas crianças sonhem, sonhos bonitos no nosso país, e que a normalidade seja a democracia e a liberdade, para que possamos colaborar com a região, com o desenvolvimento máximo dos nossos povos, como seres humanos.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!