Influência no veredicto

Consultores explicam como vencer a estratégia do cérebro reptiliano

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5 de maio de 2019, 8h35

Em seu livro O Príncipe, publicado pela primeira vez em 1532, o italiano Nicolau Maquiavel desenvolveu a teoria da política do medo, que governantes praticam até hoje. Entre outras coisas, ele recomendou ao príncipe infundir medo em seus súditos, a fim de angariar apoio para suas empreitadas.

Nos últimos dois anos, o presidente Donald Trump vem usando essa mesma tática — no caso, a de infundir na população medo de imigrantes — para defender a necessidade de construir seu muro na fronteira com o México. Ele chegou a levar à Casa Branca um grupo de mães que perderam seus filhos ou maridos, vítimas de “imigrantes criminosos, traficantes e estupradores” que atravessam a fronteira ilegalmente todos os dias.

Mas o recurso da política do medo não é exclusividade de príncipes em geral. Na verdade, é bem popular. Embora em doses menores, mães a usam para convencer os filhos a não ir nadar na lagoa depois do almoço, porque o filho de uma amiga fez isso, teve uma congestão e morreu. Religiões, para persuadir os fiéis a seguirem as regras para não ir para o inferno. E promotores e advogados, para buscar o apoio dos jurados para sua causa.

A acusação, em julgamentos criminais, e demandantes, em julgamentos civis (que, nos EUA, também pode ter júri), usam essa velha tática para persuadir cada jurado de que o réu — ou o demandado — é um perigo para ele e para a comunidade em que vive. E que só ele pode colocar o “perigoso” fora de circulação, por condená-lo à prisão, ou punir o demandado, por condená-lo a pagar uma indenização grande o suficiente para nunca mais repetir o erro.

Nos EUA, essa tática é conhecida como “método do réptil”, porque é associada à exploração do cérebro reptiliano do jurado (e de todo ser humano). Tal tática é muito usada porque funciona. Mas é possível vencê-la, dizem os consultores John Wilinskiw e Christina Marinaks, em um artigo para o site Litigation Insights.

Para se contrapor a essa tática, basta que o advogado conheça a teoria do cérebro trino e saiba estimular todas as porções do cérebro dos jurados. Tal teoria, elaborada pelo neurocientista Paul MacLean em 1990, é considerada “simplista”, em termos científicos. Mas, em 2009, os escritores Don Keenan e David Ball sugeriram que ela pode ser útil para advogados e promotores, que precisam convencer jurados a tomar um partido — o seu. Estas seriam as três partes do cérebro:

  • cérebro reptiliano: também chamado de complexo-R ou cérebro basal. É a parte do cérebro que os seres humanos compartilham com os répteis e animais em geral. Essa parte mais “velha” do cérebro (que contém a haste do cérebro, o cerebelo e o hipotálamo) governa as funções vitais do organismo, como a fome, a respiração, batimentos cardíacos etc. É responsável pelos reflexos simples e, o que é mais importante no caso, está ligado aos instintos de sobrevivência primitivos — os que oferecem apenas duas alternativas: lute ou fuja. Diante do perigo iminente, o cérebro reptiliano assume o comando e inibe a lógica e a razão;
     
  • cérebro paleomamífero: também chamado de cérebro dos mamíferos inferiores ou cérebro emocional. É um desenvolvimento mais recente do cérebro humano (que contém o sistema límbico e o hipocampo), que os humanos compartilham com os mamíferos e com as aves. É a área do cérebro sob o domínio das emoções, onde se desenvolvem os sentimentos (como a alegria e a tristeza), e que comanda a capacidade do ser humano de se comunicar e se socializar. O sistema límbico produz uma classificação binária dos sentimentos: bons e maus, agradáveis e desagradáveis;
     
  • complexo neomamífero: também chamado de neocórtex ou cérebro racional. Largamente composto do córtex cerebral (ou córtex telencefálico), é a adição mais recente do cérebro humano. Controla as funções da lógica e da razão e, por isso, diferencia os humanos (ou primatas) dos demais animais. Dessa parte do cérebro, depende a capacidade do homem de resolver problemas, desenvolver pensamento abstrato, gerar invenções — e passar na prova de matemática.

Estratégia reptiliana em julgamentos
O artigo dos consultores John Wilinskiw e Christina Marinaks no site Litigation Insights se refere a estratégias aplicadas em ações civis. Mas elas podem facilmente ser transpostas para ações criminais, porque a ideia é a mesma.

Assim, eles dizem que a estratégia reptiliana visa influenciar o veredicto por apelar ao complexo reptiliano dos jurados. Isto é, acusação (ou o advogado do demandante) usa táticas par ativar os instintos de sobrevivência dos jurados. Tenta fazer com que os jurados tomem uma decisão baseada em seus instintos de sobrevivência, em vez de na lógica e na razão. Embora hajam diversas táticas à disposição do advogado, ele fará cada um dos jurados focar os perigos que o réu (ou o demandado) representa para a segurança dele (jurado) e para sua comunidade.

Em primeiro lugar, o advogado (ou promotor) estabelece o perigo para a comunidade. Um dos conceitos mais importante do método do réptil é o da “regra da segurança”. A regra da segurança é um princípio universal sobre como as pessoas devem se comportar. Por exemplo, um médico não pode colocar em risco a vida de um paciente.

Ao usar o método reptiliano, o advogado fala aos jurados sobre a regra da segurança geral, usa testemunhos a favor da regra, demonstra aos jurados como o demandado quebrou a regra da segurança e sugere que a quebra dessa regra colocou toda a comunidade em risco — estimulando, dessa maneira, o cérebro reptiliano dos jurados.

Em segundo lugar, o advogado (ou promotor) vai afirmar que só ele (o jurado) tem o poder — e o dever — de garantir sua própria segurança e a da comunidade — eliminando ou, pelo menos, reduzindo o risco da impunidade. Assim, eles precisam garantir que o demandado não repita o mesmo erro (ou que o réu não vai cometer mais crimes), condenando-o a pagar uma alta indenização (ou à prisão para alijá-lo da sociedade).

No caso de demandado em ação civil, o advogado sugere que uma indenização muito alta irá desestimular outros a cometer o mesmo erro. O advogado poderá sugerir que, se a punição não for suficientemente alta, o perigo que a comunidade corre irá aumentar.

Enfrentando a estratégia reptiliana
Como teoria do processo de tomada de decisão e desenvolvimento do cérebro humano, falta ao método do réptil suporte científico. No entanto, a força do método não está em sua validade científica, mas na forma com que muda o foco do julgamento do réu (ou do demandado) para cada um dos jurados.

A estratégia por trás do método do réptil apela ao egocentrismo inato dos humanos. As pessoas tendem a pensar, de forma consciente ou inconsciente, no que um perigo afeta a elas, particularmente — e não a outros (como o réu ou o demandado). Segundo essa teoria, o jurado pode condenar alguém para proteger a si mesmo, sua família e, quem sabe, sua comunidade — não porque encontrou um motivo racional para fazê-lo.

A tarefa do advogado do réu (ou do demandado) é ajudar o jurado a encontrar motivos racionais para tomar uma decisão a favor de seu cliente. Embora as primeiras reações, principalmente de medo, se processem no cérebro reptiliano do jurado, ele não é um réptil. O cérebro humano tem outras áreas que lhe proporcionam habilidades cognitivas, que a estratégia do réptil procura ignorar deliberadamente. Assim, o advogado tem de fazer os jurados usarem as porções não reptilianas do cérebro.

Racionalizando o caso
O cérebro reptiliano, como descrito por Keenan e Ball, é simples, sequer tem nuanças, e não sabe lidar com complexidades. Nesse caso, a tarefa da acusação é apresentar o caso de uma maneira bem simples, apenas para infundir o medo. A tarefa da defesa, em contraposição, é tornar o caso mais complexo, para ele sair do cérebro reptiliano, estimular o cérebro racional e dissipar o medo.

Os advogados fazem isso naturalmente, todas as vezes que atuam no tribunal do júri. Afinal, eles têm de contar uma história, inquirir testemunhas, apresentar provas, alertar os jurados sobre a lei e explorar suas emoções. Mas, de qualquer forma, é bom conhecer a teoria do cérebro trino, para ficar atento às situações do julgamento e saber, em todos os momentos, como o cérebro reptiliano dos jurados está sendo estimulado e quando eles estão assumindo um medo que não deveria pertencer a eles.

Essa estratégia de excluir o fator medo do julgamento deve ser usada particularmente nas alegações finais. O advogado deve, segundo os autores do artigo, explicar que houve uma tentativa de simplificar demais o caso, que as coisas foram retiradas de contexto e, tanto quanto possível, minar a estratégia do réptil — e, com isso, minar a credibilidade da outra parte.

Os advogados de defesa fazem isso, por exemplo, quando alegam que o réu, que realmente cometeu um crime, não é um perigo para a sociedade. E explicam que, apesar do mal que causou a uma vítima, diante das circunstâncias, seu crime não afeta — e não afetará — a mais ninguém. A principal função dessas alegações é dissipar o medo do cérebro reptiliano dos jurados.

Combatendo fogo com fogo
A estratégia do réptil também está disponível à defesa. O advogado faz isso quando pede ao jurado para considerar que o ônus da prova cabe à acusação. Se o jurado fizer isso, poderá se colocar na posição do réu (ou do demandado).

O advogado também pode lembrar ao jurado que, se alguma vez tiver de ser julgado, ele vai querer um júri imparcial, que leve em consideração os fatos, as provas e os testemunhos — e não apenas a acusação. O jurado tem de esperar que não aconteça com ele as circunstâncias que levaram o réu ao julgamento. E não quer que aconteça com ele a injustiça que ameaça o réu. Também nesse caso, o medo exerce um papel.

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