Opinião

Governo do Rio erra ao extinguir Conselho de Contribuintes

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5 de julho de 2019, 15h52

No dia 27 de junho, o contribuinte fluminense acordou com uma notícia surpreendente: o governador do estado pretende extinguir o Conselho de Contribuintes da Secretaria de Fazenda, órgão responsável pelo julgamento, em 2ª instância, dos processos administrativo-tributários.

Cabe, antes, ressaltar que o Conselho de Contribuintes é formado por quatro câmaras, cada qual composta de quatro conselheiros, sendo que dois são fiscais indicados pelo governo, e os outros dois, por entidades de classe dos contribuintes (posteriormente chancelados pelo próprio governador).

Essa composição paritária é o “coração” da estrutura, na medida em que permite um amplo debate acerca dos temas tributários postos em discussão. Tal paridade, porém, não prejudica os interesses da Fazenda, uma vez que, em questões controvertidas, nas quais há empate de votos, prevalece a opinião do presidente do conselho, que é sempre representante do Fisco.

Trata-se de estrutura bem elaborada para atender aos interesses da Fazenda e do contribuinte, posto que é capaz de dirimir as controvérsias com transparência, moralidade e eficiência.

Assim, surpreendeu a todos aqueles que militam na área a pretensão do governador de extinguir o conselho, especialmente sob as alegações, conforme reportagem do Valor Econômico (27/6/2019), de que o tempo médio de duração dos processos seria grande e que cerca de 70% das autuações seriam consideradas válidas em grau recursal, de modo que a manutenção de toda uma estrutura para se chegar a esse resultado não faria, a seu ver, muito sentido.

Antes de tudo, é importante registrar que a instituição e a estruturação do Conselho de Contribuintes estão contempladas em lei ordinária: trata-se do Decreto-Lei 05/75, recepcionado com aquele status pela atual ordem constitucional. Os artigos 254 e 256 do referido diploma são muito claros: o primeiro afirma que “o recurso voluntário apresentado pelo sujeito passivo contra a decisão da primeira instância administrativa será julgado pelo Conselho de Contribuintes”, enquanto que o segundo determina que o “Conselho de Contribuintes dividir-se-á em 4 (quatro) Câmaras, em cuja composição será sempre respeitado o princípio de paridade”.

Ou seja, a pretensão de extinguir o conselho é tema de competência privativa da Assembleia Legislativa — que somente poderia fazê-lo por meio de lei. Não cabe ao governo do estado, por simples decreto, tomar qualquer medida unilateral que vise a sua extinção.

E, mesmo que a Assembleia pretendesse fazê-lo, tal medida ainda poderia ser questionada perante o Poder Judiciário. Isso porque o STF, ao julgar o RE 389.383/SP e o AgRg no AI 398.933/RJ (dentre outros, que deram origem à Súmula Vinculante 21), deixou consignado que o recurso na esfera administrativa é uma prerrogativa inerente aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, incisos LIV e LV da CF).

Portanto, sabendo-se que a tradição no Direito brasileiro é a de que a instância recursal no processo administrativo-tributário seja formada por um órgão de caráter paritário, pode-se afirmar que o Conselho de Contribuintes do Rio, da forma como está estruturado, encontra-se protegido pelas garantidas do citado artigo 5, LIV e LV.

Agravam ainda mais a situação as justificativas que foram dadas pelo governo para a extinção do conselho. Afinal, alegar que o tempo médio de duração dos processos é grande e que cerca de 70% das autuações acabam sendo mantidas é, no nosso sentir, de todo descabido.

Evidentemente, a economia imediata que seria gerada pela extinção do conselho seria anulada pela geração de novas despesas a médio prazo. Em primeiro lugar, porque os processos que deixarem de ser cancelados no conselho irão desaguar no Poder Judiciário, demandando um aumento considerável na estrutura da Procuradoria do estado (o que, diga-se de passagem, representaria um gasto inútil, já que a cobrança de tais créditos tributários está fadada ao insucesso). Em segundo lugar, teríamos também um aumento expressivo de custos do próprio Judiciário, que receberia um número muito maior de processos para julgamento.

E o mais grave: a extinção do conselho representará um brutal aumento das verbas sucumbenciais pagas pelo Estado aos contribuintes fluminenses, pois, sem o “filtro” do referido órgão, créditos tributários manifestamente indevidos serão objeto de ações judiciais — sendo que o novo CPC aumentou significativamente a sucumbência contra a Fazenda Pública.

Portanto, se a questão é de custos, a extinção do conselho, em vez de gerar economia para o erário, acarretará um nocivo, inútil e substancial aumento dos gastos públicos.

A busca por “economia” e “eficiência” na cobrança do crédito tributário, como se percebe, não será obtida por meio da extinção do conselho; pelo contrário, o que se deve fazer é fortalecer o referido órgão, por meio de medidas como as seguintes:

  • suprimir da legislação o chamado “recurso hierárquico” — que somente a Procuradoria do estado pode interpor caso a decisão do conselho lhe seja desfavorável —, o qual, via de regra, demora muito tempo para ser analisado;
  • determinar que o Conselho de Contribuintes e a Junta de Revisão Fiscal (órgão julgador de 1ª instância) adotem os posicionamentos firmados pelo STJ (em recurso repetitivo) e pelo STF (em repercussão geral), fato que agilizaria sobremaneira a tramitação dos casos;
  • investir na capacitação dos fiscais estaduais;
  • desenvolver um sistema digitalizado para a tramitação dos processos administrativo-tributários, como já fez a União, além de estados e municípios.

Várias outras medidas poderiam ser tomadas, sendo certo que a extinção do conselho não gerará os efeitos pretendidos. O que se verá, na verdade, é uma violação grave à cidadania fiscal dos contribuintes e, sem dúvida, um aumento substancial do passivo do estado que deverá ser pago pelas nossas próximas gerações.

Em tempos de crise econômica e guerra fiscal para a atração de investimentos, os outros estados agradecem.

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