Tribuna da defensoria

Uma breve análise crítica à súmula 636 do Superior Tribunal de Justiça

Autor

  • Alexandre Paranhos Pinheiro Marques

    é defensor público titular da Coordenadoria de Defesa da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Professor da Fundação Escola da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (FESUDEPERJ) e da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Autor do volume de Direito Penal - Parte Geral da Coleção Defensoria Ponto a Ponto da Editora Saraiva.

2 de julho de 2019, 8h00

No último dia 26 de junho de 2019 foi editada pelo Superior Tribunal de Justiça a Súmula 636, textualizando a aludida Corte que “a folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência”.

Data vênia, a nosso ver, o novo verbete do Superior Tribunal de Justiça deve ser observado com certa reserva, quando passou a exigir para comprovação dos antecedentes (art. 59, segunda figura do Código Penal) e a da reincidência (art. 63 do Código Penal) a mera anexação aos autos do processo penal a folha de antecedentes criminais (FAC) do réu.

Passemos à algumas considerações.

Esclarecimento da folha de antecedentes criminais — esclarecimento por certidão cartorária — divergência observada antes do advento da nova súmula 636
Antecedentes são os fatos penais pretéritos à infração penal praticada pelo réu que podem ser caracterizados pelos maus antecedentes e pela reincidência.

Maus antecedentes são verificados quando o agente pratica determinada conduta criminosa após o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória que não terá o condão de gerar a reincidência.

Inclusive, a afirmação supra indicada se dá em respeito ao princípio constitucional da presunção de inocência, estampado no art. 5º, inciso LVII (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”) e que ensejou o surgimento da Súmula 444 também do Superior Tribunal de Justiça (“é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”).

Desta forma, somente uma sentença penal condenatória que já transitou em julgado e não gera reincidência poderá ensejar maus antecedentes em desfavor de determinado réu.

Por outro lado, reincidência restará caracterizada quando o fato se amoldar ao disposto no art. 63 do Código Penal, ou seja, o sujeito ativo da infração penal pratica crime após o transito em julgado de uma sentença penal condenatória decorrente de delito anteriormente cometido.

Neste diapasão, a pergunta que sempre se faz é se para caracterização dos maus antecedentes ou da reincidência é necessário que a folha de antecedentes criminais (FAC) seja esclarecida, ou seja, as anotações eventualmente nela constantes deveriam ser atualizadas por certidão cartorária?

Divergência sobre o tema sempre existiu.

Para um primeiro entendimento, para a comprovação dos antecedentes do réu basta a mera anexação aos autos da folha de antecedentes criminais (FAC) com anotações. Destarte, não seria exigível qualquer outro documento com esse fim.

Para uma segunda corrente não basta a mera folha de antecedentes criminais acostada aos autos do processo penal, sendo necessária, também, uma certidão cartorária esclarecendo cada uma das anotações nela constante, com o resultado de cada uma delas.

A nosso ver o último entendimento deve ser adotado como regra, conforme demonstraremos abaixo.

Certidão cartorária esclarecendo da FAC — Exigibilidade-regra — Dispensabilidade tão somente quando a folha de antecedentes criminais indicar de forma pormenorizada o trânsito em julgado da sentença condenatória
Como exposto acima, entendemos que a folha de antecedentes criminais deve ser, em regra, esclarecida para que as anotações nelas constante possam gerar antecedentes ou reincidência em favor do réu. Até porque muitas FACs, por exemplo, indicam processos sem apontar o resultado dos mesmos ou, quando indicam uma sentença, não atestam se já houve o seu trânsito em julgado.

Na verdade, acreditamos que somente será dispensada a certidão cartorária com esclarecimentos das anotações eventualmente constantes da folha de antecedentes criminais, caso ela indique em campo próprio o transito em julgado de determinada sentença penal condenatória. Caso contrário, as anotações que sejam indicas na folha de antecedentes criminais deverão sim ser esclarecidas pela certidão do cartório pelo qual tramita o processo criminal.

Isso porque somente assim ter-se-á a segurança jurídica necessária de que a anotação apontada possa gerar antecedente criminal ou a reincidência, respeitando-se o já citado princípio constitucional da presunção de inocência. Inclusive, insta dizer que como o que ora se coloca gera a harmonia entre a nova Súmula 636 e a Súmula 444 ambas do Superior Tribunal de Justiça.

Por derradeiro, não podemos deixar de mencionar que se trata de um dos ônus da acusação zelar pela observância adequadas das anotações criminais, devendo o magistrado ser cauteloso nesse sentido, pois não é confiável que os dados apostos na folha de antecedentes sejam suficientes, até porque uma condenação com arrimo em um dado equivocado, uma vez comprovada a posterioi, poderá dar ensejo a uma responsabilidade do próprio Poder Judiciário.

Autores

  • é defensor público, titular da Coordenadoria de Defesa da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Professor da Fundação Escola da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (FESUDEPERJ) e da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Autor do volume de Direito Penal - Parte Geral, da Coleção Defensoria Ponto a Ponto da Editora Saraiva.

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