Opinião

Cenário é positivo para o pregão eletrônico, que necessita de aperfeiçoamento

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5 de fevereiro de 2019, 5h25

O Decreto 5.450/2005, que trata do pregão eletrônico no âmbito da administração pública federal, em breve sofrerá mudanças. Pelo menos é o que busca o Ministério da Economia, que abriu consulta pública sobre uma nova regulamentação.

Quais os principais pontos que poderão sofrer alterações? São eles: sistema de envio de lances; possibilidade de utilizar o pregão eletrônico para serviços de engenharia; implementação do critério de julgamento pelo maior desconto; e regras de desempate, dentre outros que serão analisados pelo governo federal.

No dia 16 de janeiro, foi realizada uma audiência pública na sede do Ministério da Economia para debater as mudanças no decreto de regulamentação. A norma regulamentadora é ainda jovem (completa 14 anos em 2019), mas, assim como uma criança que se torna adolescente e passa por uma transformação, ela precisará ser atualizada para se adaptar aos novos tempos da tecnologia, reduzir os riscos de fraude e atender às expectativas dos particulares e poder público.

Cerca de 100 pessoas participaram do debate, onde foram colhidas opiniões para aprimoramento da norma. No site do ministério também foi possível enviar sugestões.

Vale destacar que a modalidade do pregão eletrônico representa, segundo dados do Ministério da Economia, cerca de 100 mil processos anualmente, movimentando um volume de cerca de R$ 48 bilhões/ano.

O sistema de envio de lances é ponto-chave na transformação requerida, pois pode representar uma sistemática moderna, vez que a experiência tem demonstrado que muitos licitantes deixam para baixar os lances no chamado horário “randômico”, o que não é ilegal, mas não tem se mostrado o mais eficiente em busca da proposta mais vantajosa.

Importante salientar ainda que a etapa de lances é sempre encerrada pelo pregoeiro, através de um tempo chamado de randômico, momento em que ele avisa — sempre através do sistema — que o pregão entrará no tempo randômico, através de um aviso chamado de “aviso de iminência” ou “aviso de fechamento iminente”.

É desse momento em diante — que pode durar até 30 minutos — que muitos licitantes aguardam para de fato darem lances mais competitivos, o que não fere a norma atual, mas não se mostra o mais eficiente e tampouco representa de fato a forma mais objetiva de se obter a proposta mais vantajosa.

O primeiro ponto a ser mudado deve utilizar um sistema semelhante ao da Bolsa Eletrônica de Compras de São Paulo (BEC), que evidentemente sofrerá adaptações para o sistema federal. Daí que, a cada lance feito, o tempo se estenderia em três minutos, prazo suficiente para que cada licitante avalie a condição e possa dar novo lance cobrindo o anterior.

Com a finalidade de reduzir o tempo de disputa de um pregão, os lances deverão ser parametrizados, ou seja, trazendo valores mínimos no intervalo, evitando lances irrisórios, eternizando as disputas eletrônicas. À titulo de exemplo, cada edital poderia estabelecer um valor mínimo de R$ 1 mil entre lances.

Registre-se que os lances ofertados através de robôs podem violar o princípio da isonomia, pois o licitante que se utiliza desse mecanismo tem mais chances de ser o vencedor da disputa, já que conseguirá apresentar lances em frações de segundos, conferindo vantagem competitiva em relação aos demais.

O tema já foi enfrentado pelo TCU em 2011, e no Acórdão 2601/2011/Plenário a corte determinara que o Ministério do Planejamento definisse em regramento complementar a inibição da utilização de robôs nos pregões eletrônicos.

Pelo visto, tal fato apenas de concretizará em 2019, quase oito anos após o acórdão.

O acórdão acima citado tratou de monitoramento de outra decisão da corte de contas federal (1.647/2010/Plenário) e nela o Tribunal de Contas da União concluiu que em pregões eletrônicos conduzidos via portal Comprasnet:

“a) é possível aos usuários de dispositivos de envio automático de lances (robôs) a remessa de lances em frações de segundo após o lance anterior, o que ocorre durante todo o período de iminência do pregão; b) com a possibilidade de cobrir lances em frações de segundo, o usuário do robô pode ficar à frente do certame na maior parte do tempo, logrando assim probabilidade maior (e real) de ser o licitante com o lance vencedor no momento do encerramento do pregão, que é aleatório; c) ciente dessa probabilidade, que pode chegar a ser maior que 70%, o licitante usuário do robô pode simplesmente cobrir os lances dos concorrentes por alguns reais ou apenas centavos, não representando, portanto, vantagem de cunho econômico para a Administração”.

Para o relator, os fatos configurariam a inobservância do princípio constitucional da isonomia, visto que “a utilização de software de lançamento automático de lances (robô) confere vantagem competitiva aos fornecedores que detêm a tecnologia em questão sobre os demais licitantes”, sendo que as medidas até então adotadas pela SLTI/MPOG teriam sido insuficientes para impedir o uso de tal ferramenta de envio automático de lances.

Outro ponto que poderá sofrer modificações será a inclusão de contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual de Arquitetura e Engenharia Consultiva.

Esse talvez seja um dos pontos mais polêmicos da proposta, pois algumas entidades ligadas ao ramo da engenharia posicionaram-se contrariamente ao buscado pelo governo.

Nunca é demais recordar que a contratação de serviços comuns de engenharia já é matéria sumulada pelo TCU. A Súmula 257, editada em 2010, já previra o seguinte: o uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei 10.520/2002.

No bojo do Acórdão 505/2018/Plenário, o TCU considerou que, “na aquisição de serviços comuns de engenharia, a Administração deve utilizar obrigatoriamente a modalidade pregão, preferencialmente em sua forma eletrônica, devendo justificar a inviabilidade dessa forma caso adote o pregão presencial”.

Portanto, já era pacificada no seio da doutrina e jurisprudência a utilização do pregão eletrônico para fins de se licitar serviços comuns de engenharia, em consonância com o conceito trazido pela Lei 10.520/2002.

Em 2009, o TCU já considerava que o serviço de manutenção predial era serviço comum de engenharia, devendo ser contratado mediante a modalidade pregão, preferencialmente em sua forma eletrônica, como se denota de uma simples leitura do Acórdão 727/2009/Plenário.

Isso já era consenso no tribunal, contudo, somente foi possível após extensos debates. Em nossa opinião, o conceito inicialmente previsto na lei do pregão presencial[1] nunca excluiu a utilização de pregão para a contratação de serviço de engenharia, o que ele delimitou foi o uso apenas para serviços e bens que caracterizassem como comuns.

Se o serviço de engenharia é tido como comum, já não havia essa proibição. A meu ver, nem sequer o Decreto 3.555/2000, que trazia anexos com rol de serviços, assim proibia, já que entendo que o rol explicitado é apenas e meramente exemplificativo.

A discussão agora é outra, é sobre a possibilidade de inclusão de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual de Arquitetura e Engenharia Consultiva como passível de licitar via pregão eletrônico.

Ora, se o serviço é de natureza predominantemente intelectual, já se percebe uma dificuldade de enquadramento do mesmo como serviços comuns, ao menos nos termos do padrão já definido anteriormente pela norma. Muito embora destaque-se que o conceito de comum não tem necessariamente elo com complexidade.

O que se observa é que, se o serviço tem predominância intelectual, ele é personalíssimo, logo, não poderá ser classificado como comum ou com especificações usuais de mercado.

Pode-se tratar o caso com certa similaridade à contratação de palestrante no seio da administração pública, já considerado como serviço não comum pelo TCU, logo, não se aplicaria sequer o pregão presencial, quiçá o eletrônico.

Aliás, o tribunal, com peculiar clareza, já apontou esse fato no Acórdão 6.349/2009 da 2ª Câmara, verbis:

Se a entidade pretende contratar palestrantes com experiência em determinada área e com determinada qualificação, este item de serviço não deve ser considerado comum, não podendo, por isso, ser incluído no bojo do pregão.

Na mesma decisão, a determinação dirigida ao Confea foi a seguinte:

9.3.1. caso permaneça o interesse na contratação de empresa especializada para a prestação de serviços de planejamento, organização, execução e acompanhamento de eventos, adote providências para reformular e publicar novo edital, em substituição ao edital do Pregão Eletrônico nº 9/2009, excluindo do objeto pretendido o fornecimento de serviços de ‘palestrante’, haja vista que não se coadunam com a modalidade pregão, admitida apenas para a contratação de bens e serviços comuns, e não guardam relação com o serviço de organização de eventos.

Os que defendem tese contrária à administração pública, a exemplo da proposta encaminhada pelo Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva, destacam os seguintes pontos, com os quais me alinho:

(i) tratam-se de produtos de natureza singular e que dependem intrinsecamente da formação, da atualização técnica e tecnológica, da experiência e do conhecimento específico do objeto, do(s) profissional(ais) alocado(s) para a prestação do serviço, bem como da estrutura organizacional, dos recursos financeiros, materiais e humanos, da expertise, dos controles de processos e da capacidade de aglutinação, gestão e coordenação da empresa que congrega os profissionais em questão. Portanto, não se tratam de produtos de “Prateleira”, ou seja, por depender dessas inúmeras variáveis os serviços de A&EC[2] são únicos, exclusivos, não são repetitivos, e não há como padroniza-los.

(ii) pode-se estipular normas, diretrizes e parâmetros que são balizadores da execução, mas o produto final depende diretamente da atuação individual de cada um dos profissionais envolvidos, resultando em soluções com eficiência e eficácia distintas, dependendo da equipe de profissionais alocados.

(iii) por ser concebido somente após a contratação, o risco de inadimplemento na contratação dos serviços de A&EC é significativo, uma vez que o produto será desenvolvido especificamente para atender determinada situação. Ressalta-se ainda que, em muitos casos, o contratante não possui equipe especializada para acompanhar o desenvolvimento da obra, postergando a identificação dos danos para etapa de operação do empreendimento.

Assim, entendo que a inclusão desses serviços na norma regulamentadora deverá ser avaliada com mais critério e estudos técnicos relevantes, pena de se ter sérios prejuízos nos futuros empreendimentos de engenharia. Um projeto malfeito gerará uma obra defeituosa. Qual o resultado disso para o contribuinte? Nefasto.

Outro ponto de destaque é a sutil inserção do maior desconto como critério de julgamento das propostas. Assim o parágrafo 2º do artigo 2º do decreto passaria a ter a seguinte redação: “Para o julgamento das propostas, serão fixados critérios objetivos que permitam aferir o menor preço ou maior desconto, devendo ser considerados para a escolha do melhor preço os prazos para a execução do contrato e do fornecimento, as especificações técnicas, os parâmetros mínimos de desempenho e de qualidade e as demais condições definidas no edital”.

O critério não é novidade no âmbito de licitações públicas, mas o é no seio do pregão eletrônico. Também conhecido como pregão negativo, nome dado pela doutrina aos pregões que utilizam o maior lance ou o maior desconto como critério de julgamento. Ele pode ser aplicado, por exemplo, nas contratações em que já exista uma tabela prévia de preços, aplicando-se o maior desconto sobre essa tabela, a exemplo de compra de combustíveis ou livros.

Para o caso de desempate, a norma prevê que, caso não haja envio de lances, após o início da fase competitiva, de que trata o caput, haverá a aplicação dos critérios de desempate previstos no artigo 44, parágrafos 1º e 2º da Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, se houver licitante que atenda a esse requisito, seguido da aplicação do critério do artigo 3º, parágrafo 2º da Lei 8.666, de 1993, se não houver licitante que atenda à primeira hipótese.

E aplicados obrigatoriamente os critérios acima e ainda assim o empate persista, será realizado o sorteio eletrônico entre as propostas empatadas.

Como o governo federal abriu a consulta pública, certamente serão analisadas diversas sugestões para a inserção no texto. Uma das sugestões que a meu ver merecem ser analisadas com muita atenção é o direito de preferência para o contratado que já estiver prestando os mesmos serviços que serão licitados.

Isso aniquilará a contratação de aventureiros e, conquanto que tenha regras claras e objetivas, tende a dar segurança ao particular que presta um bom serviço à administração e à própria administração, que não se verá na obrigação de contratar uma empresa nova (mas que apresentara o menor preço), que não conhece a rotina do órgão e que muitas vezes não adimplirá o contrato em sua totalidade, trazendo riscos ao poder público e transtornos aos terceirizados prestadores de serviços.

Os critérios de avaliação do contratado ao longo da execução da avença deverão ser regulamentados pela administração, de modo que haja, sim, um certo “privilégio” ou reconhecimento pelos bons serviços prestados.

Como prêmio pelos bons serviços, esse seria contemplado com o direito de preferência na disputa, desde que com critérios objetivos de forma a não violar a isonomia.

Isso posto, o cenário é positivo para o pregão eletrônico, que necessita desse aperfeiçoamento, de modo a trazer celeridade e segurança para as disputas, culminando, sempre, com a escolha da proposta de fato mais vantajosa.


[1] Lei 10.520/2002.
[2] Arquitetura e Engenharia Consultiva.

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