O importante papel exercido pelo Carf para pacificação do contencioso administrativo
28 de dezembro de 2019, 7h00

Logo em janeiro de 2019, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 2ª Seção do Carf entendeu ser lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante (Processo nº 10983.720180/2013-18). Esse entendimento está em conformidade com a decisão do STF na ADPF 324 e no RE 9585252, submetido à sistemática de Repercussão Geral (Tema 725) e o Carf, mais uma vez, teve um importante papel na consolidação da segurança jurídica e na diminuição da litigiosidade administrativa.
Em 26 de fevereiro, a 2ª Turma da Câmara Superior do Carf afastou a incidência de contribuições previdenciárias sobre o bônus de contratação (PAF 19515.001052/2009-78). Na visão da relatora, conselheira Maria Helena Cotta Cardozo, há casos em que o bônus configura remuneração e deve, portanto ser tributado. No entanto, no caso em tela, o pagamento foi feito antes de qualquer efetividade com relação ao serviço, de modo que a verba tem caráter de indenização, e não de remuneração. Entendemos que a referida decisão foi correta, é dizer, o bônus de contratação só deve ser tributado quando possuir natureza salarial. Sendo a natureza indenizatória, não há que se falar em tributação da parcela paga e mais uma vez o Carf demonstrou seu compromisso com a análise minuciosa dos casos analisados.
Em 14 de março, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 2ª Seção do Carf julgou casos relevantes acerca da tributação do ganho de capital. Nesse diapasão, a Turma assentou que o planejamento fiscal, além de ser lícito, necessita ter propósito negocial (PAF 10380.725189/2017-20, PAF 10380.725185/2017-41, PAF 10380.725186/2017-96 e PAF 10380.725184/2017-05). Os casos versavam sobre a mesma operação, a venda de sociedade mediante a participação de fundo de investimento, diferindo apenas quanto aos contribuintes autuados.
No entendimento da Turma, a criação de Fundo de Investimento em Participações desprovido de finalidade negocial, ou seja, com o único intuito de reduzir a carga tributária incidente sobre a operação, configura planejamento tributário abusivo. Nessas hipóteses, o fundo deve ser desconsiderado e o imposto cobrado como se a venda tivesse sido realizada pelas pessoas físicas. Além disso, comprovado o dolo do agente de beneficiar-se de isenção de imposto de renda sobre o ganho de capital na mencionada venda, deve-se qualificar a multa de ofício. Nesse ponto, entendemos que a decisão proferida pela turma foi equivocada, tendo em vista que inexiste dispositivo legal que autorize esta desconsideração e o fisco não conseguiu comprovar a artificialidade da operação.
Na mesma data, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção do Carf decidiu caso envolvendo a tributação pelo PIS e pela COFINS de contratos de leasing. Nessa linha, a Turma assentou que os ajustes de superveniência de depreciação realizados pelas sociedades de arrendamento mercantil são meramente escriturais e temporais e têm como objetivo único e exclusivo o de aperfeiçoar a informação contábil prestada pelas demonstrações financeiras aos usuários. Sendo assim, eles não podem aumentar ou diminuir o efetivo resultado econômico-financeiro do contrato, base de cálculo das contribuições para o PIS e para a COFINS (PAF 16327.720411/2017-29).
Na visão da Receita Federal, os contribuintes têm se utilizado de artifícios contábeis para evitar a tributação desses valores. Entretanto, o Carf, de forma acertada, tem decidido de forma favorável aos contribuintes tendo em vista que o procedimento foi estabelecido pelo Banco Central, através da Circular nº 1.273, de 1987, que instituiu o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (COSIF). Desse modo, as empresas de leasing devem contabilizar, mensalmente, a diferença entre o valor presente de cada contrato e o seu valor contábil, o que reduz as bases tributáveis do PIS e da COFINS.
Em 20 de março, a 3ª Turma do CSRF decidiu, por maioria, pela artificialidade da divisão de contratos de “afretamento” de plataforma, que não é tributado, e de prestação de serviços de exploração de petróleo (PAF 16682.721545/2013-94). Segundo os Conselheiros, o fornecimento de equipamentos é parte integrante aos serviços contratado, de modo que se trata de um único contrato de prestação de serviços. Sendo assim, foi mantida a autuação feita pela Receita Federal. Todavia, entendemos que a decisão da Turma foi incorreta e concordamos com a posição adotada pela relatora, conselheira Vanessa Marini Cecconello, que votou pelo cancelamento do auto de infração. No seu entendimento, a Lei nº 9.481/1997 reconheceu a possibilidade de contratação simultânea, de modo que a conduta de celebração de contratos diversos estava amparada pela legalidade e pela validade do planejamento. Ademais, a opção negocial do contribuinte no desempenho de suas atividades é possível, desde que não configure ato ilícito.
Em 26 de março, a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção do Carf se manifestou sobre caso que envolvia exportação e ocultação do real comprador. No caso concreto, a empresa brasileira exportava grãos para filial no exterior que, posteriormente, os revendia para outra empresa. Contudo, segundo a Receita Federal, a filial não possuía estabelecimento no exterior, ocultando, assim, o real adquirente da mercadoria. Nessa seara, os conselheiros estabeleceram que, não constatada a ocultação do real adquirente, mediante fraude ou simulação, no comércio exterior, a pessoa jurídica indicada como interposta e os indicados como beneficiários dessa interposição não respondem pela conversão da pena de perdimento em multa, tendo em vista que os fatos não se subsumem à interposição fraudulenta prevista no inciso V, § 1º, Art. 23 do Decreto 1.455/76 (PAF 16561.720129/2017-79).
Em 16 de abril, a 3ª Turma do Conselho Superior de Recursos Fiscais assentou que o conceito de insumos, para efeitos do art. 3º, inciso II, da Lei nº 10.637/2002 e da Lei nº 10.833/2003, deve ser interpretado conforme a essencialidade ou relevância, devendo ser levada em conta a imprescindibilidade ou importância de determinado bem ou serviço para a atividade econômica realizada pelo contribuinte (PAF 11065.725121/2013-52). O caso envolvia contribuinte cuja atividade principal é a prestação de serviços de transportes de cargas, de modo que os Conselheiros decidiram que devem ser consideras como insumos as despesas com pedágio, bem como as despesas com uniforma EPI e material de proteção, por serem essenciais à prestação do serviço. Correta a decisão tomada pela Turma, haja vista que está em conformidade com o conceito de insumos consolidado pelo STJ no REsp nº 1.221.170, julgado na sistemática dos recursos repetitivos.
Em 13 de agosto, a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção decidiu que é nulo o acórdão que apresenta como razão de decidir fundamento ainda não trazido ao processo, diferente do que embasou o lançamento (PAF 16561.720104/2014-22). Na visão dos conselheiros, não compete às autoridades julgadoras de primeira instância o aprimoramento do lançamento realizado. In casu, a 1ª instância administrativa considerou errada a premissa que motivou a autuação, no entanto, manteve a cobrança por outros fundamentos. Nesse plano, a Turma, corretamente, acolheu a nulidade tendo em vista a violação ao art. 146 do Código Tributário Nacional.
Em 22 de Agosto, a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção, em caso inédito, definiu que o contribuinte que presta serviços relacionados à área de marketing e publicidade, inclusive o desenvolvimento de marcas e de mercado, utiliza serviços de marketing como insumo essencial à sua própria prestação de serviços, gerando, portanto, o direito ao crédito de PIS e Confins no regime da não cumulatividade (PAF 19515.721360/2017-23).
No caso em tela, os conselheiros consideraram que os serviços de publicidade e propaganda eram essenciais e relevantes para a atividade da empresa, equiparando-os, portanto, a insumo. A nosso ver, a brilhante decisão proferida pela Conselheira Tatiana, acompanhada pela Turma, foi correta tendo em vista que se adequa ao julgamento do Superior Tribunal de Justiça de 2018. O precedente foi muito importante para o mercado e demonstrou o amadurecimento do assunto pelo Carf.
Em 16 de outubro, a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção do Carf reconheceu a possibilidade de amortização fiscal do ágio com fundamento na expectativa de rentabilidade futura (PAF 16327.720307/2017-34). No presente caso, o cerne da questão era o laudo utilizado pelo contribuinte para justificar o valor pago a título de ágio, tendo em vista que houve discrepância entre os valores atestados no laudo e o valor da operação. Nesse sentido, os conselheiros destacaram que, ressalvadas as hipóteses de simulação, é desnecessária a comprovação da expectativa de rentabilidade futura para dedutibilidade fiscal do ágio. Assim, no entendimento do relator, conselheiro Allan Marcel Warmar Teixeira, não cabe à fiscalização questionar o fundamento econômico utilizado, de modo que o laudo só poderia ser questionado se fosse fruto de simulação.
Por fim, em 22 de outubro, ao julgar caso sobre arrendamento mercantil, a 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção entendeu que o contribuinte contabilizou o contrato de leasing de forma irregular (PAF 16327.720004/2018-01). Segundo os conselheiros, a empresa realizou uma manobra contábil, com vistas a evitar a tributação pelo PIS e pela COFINS. Em nosso entendimento, a referida decisão, que diverge do que foi estabelecido no PAF 16327.720411/2017-29, foi equivocada. Conforme mencionado, os ajustes na base de cálculo do PIS e da Cofins foram estabelecidos pelo Banco Central, órgão responsável pela fiscalização dos contratos de leasing, de modo que não nenhuma ilegalidade na conduta do contribuinte.
O ano de 2019 foi de discussão de grandes temas pelo Carf, que mais uma vez demonstrou ser um órgão forte, imparcial e que discute com muita qualidade e profundidade todos os temas que chegam para sua análise.
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