Retrospectiva 2019

O importante papel exercido pelo Carf para pacificação do contencioso administrativo

Autor

  • Tiago Conde Teixeira

    é procurador-adjunto de Direito Tributário do CFOAB. Presidente da comissão de advocacia nos tribunais superiores da OAB-DF. Doutorando em Direito. Mestre em Direito Público pela Universidade de Coimbra (Portugal). Professor de Direito Tributário em cursos de graduação. Diretor da Abradt (Associação Brasileira de Direito Tributário). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Consultor e advogado.

28 de dezembro de 2019, 7h00

ConJur
O ano de 2019 foi marcado pelo julgamento de questões tributárias de extrema relevância pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Destarte, no presente artigo, abordaremos, os principais temas apreciados pelo Tribunal Administrativo.

Logo em janeiro de 2019, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 2ª Seção do Carf entendeu ser lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante (Processo nº 10983.720180/2013-18). Esse entendimento está em conformidade com a decisão do STF na ADPF 324 e no RE 9585252, submetido à sistemática de Repercussão Geral (Tema 725) e o Carf, mais uma vez, teve um importante papel na consolidação da segurança jurídica e na diminuição da litigiosidade administrativa.

Em 26 de fevereiro, a 2ª Turma da Câmara Superior do Carf afastou a incidência de contribuições previdenciárias sobre o bônus de contratação (PAF 19515.001052/2009-78). Na visão da relatora, conselheira Maria Helena Cotta Cardozo, há casos em que o bônus configura remuneração e deve, portanto ser tributado. No entanto, no caso em tela, o pagamento foi feito antes de qualquer efetividade com relação ao serviço, de modo que a verba tem caráter de indenização, e não de remuneração. Entendemos que a referida decisão foi correta, é dizer, o bônus de contratação só deve ser tributado quando possuir natureza salarial. Sendo a natureza indenizatória, não há que se falar em tributação da parcela paga e mais uma vez o Carf demonstrou seu compromisso com a análise minuciosa dos casos analisados.

Em 14 de março, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 2ª Seção do Carf julgou casos relevantes acerca da tributação do ganho de capital. Nesse diapasão, a Turma assentou que o planejamento fiscal, além de ser lícito, necessita ter propósito negocial (PAF 10380.725189/2017-20, PAF 10380.725185/2017-41, PAF 10380.725186/2017-96 e PAF 10380.725184/2017-05). Os casos versavam sobre a mesma operação, a venda de sociedade mediante a participação de fundo de investimento, diferindo apenas quanto aos contribuintes autuados.

No entendimento da Turma, a criação de Fundo de Investimento em Participações desprovido de finalidade negocial, ou seja, com o único intuito de reduzir a carga tributária incidente sobre a operação, configura planejamento tributário abusivo. Nessas hipóteses, o fundo deve ser desconsiderado e o imposto cobrado como se a venda tivesse sido realizada pelas pessoas físicas. Além disso, comprovado o dolo do agente de beneficiar-se de isenção de imposto de renda sobre o ganho de capital na mencionada venda, deve-se qualificar a multa de ofício. Nesse ponto, entendemos que a decisão proferida pela turma foi equivocada, tendo em vista que inexiste dispositivo legal que autorize esta desconsideração e o fisco não conseguiu comprovar a artificialidade da operação.

Na mesma data, a 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção do Carf decidiu caso envolvendo a tributação pelo PIS e pela COFINS de contratos de leasing. Nessa linha, a Turma assentou que os ajustes de superveniência de depreciação realizados pelas sociedades de arrendamento mercantil são meramente escriturais e temporais e têm como objetivo único e exclusivo o de aperfeiçoar a informação contábil prestada pelas demonstrações financeiras aos usuários. Sendo assim, eles não podem aumentar ou diminuir o efetivo resultado econômico-financeiro do contrato, base de cálculo das contribuições para o PIS e para a COFINS (PAF 16327.720411/2017-29).

Na visão da Receita Federal, os contribuintes têm se utilizado de artifícios contábeis para evitar a tributação desses valores. Entretanto, o Carf, de forma acertada, tem decidido de forma favorável aos contribuintes tendo em vista que o procedimento foi estabelecido pelo Banco Central, através da Circular nº 1.273, de 1987, que instituiu o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (COSIF). Desse modo, as empresas de leasing devem contabilizar, mensalmente, a diferença entre o valor presente de cada contrato e o seu valor contábil, o que reduz as bases tributáveis do PIS e da COFINS.

Em 20 de março, a 3ª Turma do CSRF decidiu, por maioria, pela artificialidade da divisão de contratos de “afretamento” de plataforma, que não é tributado, e de prestação de serviços de exploração de petróleo (PAF 16682.721545/2013-94). Segundo os Conselheiros, o fornecimento de equipamentos é parte integrante aos serviços contratado, de modo que se trata de um único contrato de prestação de serviços. Sendo assim, foi mantida a autuação feita pela Receita Federal. Todavia, entendemos que a decisão da Turma foi incorreta e concordamos com a posição adotada pela relatora, conselheira Vanessa Marini Cecconello, que votou pelo cancelamento do auto de infração. No seu entendimento, a Lei nº 9.481/1997 reconheceu a possibilidade de contratação simultânea, de modo que a conduta de celebração de contratos diversos estava amparada pela legalidade e pela validade do planejamento. Ademais, a opção negocial do contribuinte no desempenho de suas atividades é possível, desde que não configure ato ilícito.

Em 26 de março, a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção do Carf se manifestou sobre caso que envolvia exportação e ocultação do real comprador. No caso concreto, a empresa brasileira exportava grãos para filial no exterior que, posteriormente, os revendia para outra empresa. Contudo, segundo a Receita Federal, a filial não possuía estabelecimento no exterior, ocultando, assim, o real adquirente da mercadoria. Nessa seara, os conselheiros estabeleceram que, não constatada a ocultação do real adquirente, mediante fraude ou simulação, no comércio exterior, a pessoa jurídica indicada como interposta e os indicados como beneficiários dessa interposição não respondem pela conversão da pena de perdimento em multa, tendo em vista que os fatos não se subsumem à interposição fraudulenta prevista no inciso V, § 1º, Art. 23 do Decreto 1.455/76 (PAF 16561.720129/2017-79).

Em 16 de abril, a 3ª Turma do Conselho Superior de Recursos Fiscais assentou que o conceito de insumos, para efeitos do art. 3º, inciso II, da Lei nº 10.637/2002 e da Lei nº 10.833/2003, deve ser interpretado conforme a essencialidade ou relevância, devendo ser levada em conta a imprescindibilidade ou importância de determinado bem ou serviço para a atividade econômica realizada pelo contribuinte (PAF 11065.725121/2013-52). O caso envolvia contribuinte cuja atividade principal é a prestação de serviços de transportes de cargas, de modo que os Conselheiros decidiram que devem ser consideras como insumos as despesas com pedágio, bem como as despesas com uniforma EPI e material de proteção, por serem essenciais à prestação do serviço. Correta a decisão tomada pela Turma, haja vista que está em conformidade com o conceito de insumos consolidado pelo STJ no REsp nº 1.221.170, julgado na sistemática dos recursos repetitivos.

Em 13 de agosto, a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção decidiu que é nulo o acórdão que apresenta como razão de decidir fundamento ainda não trazido ao processo, diferente do que embasou o lançamento (PAF 16561.720104/2014-22). Na visão dos conselheiros, não compete às autoridades julgadoras de primeira instância o aprimoramento do lançamento realizado. In casu, a 1ª instância administrativa considerou errada a premissa que motivou a autuação, no entanto, manteve a cobrança por outros fundamentos. Nesse plano, a Turma, corretamente, acolheu a nulidade tendo em vista a violação ao art. 146 do Código Tributário Nacional.

Em 22 de Agosto, a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção, em caso inédito, definiu que o contribuinte que presta serviços relacionados à área de marketing e publicidade, inclusive o desenvolvimento de marcas e de mercado, utiliza serviços de marketing como insumo essencial à sua própria prestação de serviços, gerando, portanto, o direito ao crédito de PIS e Confins no regime da não cumulatividade (PAF 19515.721360/2017-23).

No caso em tela, os conselheiros consideraram que os serviços de publicidade e propaganda eram essenciais e relevantes para a atividade da empresa, equiparando-os, portanto, a insumo. A nosso ver, a brilhante decisão proferida pela Conselheira Tatiana, acompanhada pela Turma, foi correta tendo em vista que se adequa ao julgamento do Superior Tribunal de Justiça de 2018. O precedente foi muito importante para o mercado e demonstrou o amadurecimento do assunto pelo Carf.

Em 16 de outubro, a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção do Carf reconheceu a possibilidade de amortização fiscal do ágio com fundamento na expectativa de rentabilidade futura (PAF 16327.720307/2017-34). No presente caso, o cerne da questão era o laudo utilizado pelo contribuinte para justificar o valor pago a título de ágio, tendo em vista que houve discrepância entre os valores atestados no laudo e o valor da operação. Nesse sentido, os conselheiros destacaram que, ressalvadas as hipóteses de simulação, é desnecessária a comprovação da expectativa de rentabilidade futura para dedutibilidade fiscal do ágio. Assim, no entendimento do relator, conselheiro Allan Marcel Warmar Teixeira, não cabe à fiscalização questionar o fundamento econômico utilizado, de modo que o laudo só poderia ser questionado se fosse fruto de simulação.

Por fim, em 22 de outubro, ao julgar caso sobre arrendamento mercantil, a 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção entendeu que o contribuinte contabilizou o contrato de leasing de forma irregular (PAF 16327.720004/2018-01). Segundo os conselheiros, a empresa realizou uma manobra contábil, com vistas a evitar a tributação pelo PIS e pela COFINS. Em nosso entendimento, a referida decisão, que diverge do que foi estabelecido no PAF 16327.720411/2017-29, foi equivocada. Conforme mencionado, os ajustes na base de cálculo do PIS e da Cofins foram estabelecidos pelo Banco Central, órgão responsável pela fiscalização dos contratos de leasing, de modo que não nenhuma ilegalidade na conduta do contribuinte.

O ano de 2019 foi de discussão de grandes temas pelo Carf, que mais uma vez demonstrou ser um órgão forte, imparcial e que discute com muita qualidade e profundidade todos os temas que chegam para sua análise.

Autores

  • é sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados; professor universitário; Mestre em Direito Público pela Universidade de Coimbra – Portugal; membro do Grupo de Pesquisa Estado, Constituição e Tributação da Faculdade de Direito da UnB; membro da Comissão Especial de Reforma Tributária da Ordem dos Advogados do Brasil/DF; diretor da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT; e presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/DF

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