Pedidos de um guri e de um jurista ao Papai Noel - 2019
19 de dezembro de 2019, 8h00
![Caricatura Lenio Luiz Streck (nova) [Spacca]](https://www.conjur.com.br/img/b/caricatura-lenio-luiz-streck.png)
Sempre gostei de futebol. Tenho diploma de comentarista de futebol. Não por menos, quando criança, na minha Agudo, pedia ao Weihnachtsmann, o bom velhinho (ou não), que me trouxesse uma bola e uma camiseta de goleiro. Um cético daria de ombros: Papai Noel não existe; não para uma criança que, de tão pobre, odiava férias (férias significa ficar em casa; ficar em casa significa trabalhar). É óbvio que ele não vem (nota: até hoje fazemos a árvore de Natal).
Ou será que vem? Não sei. Fato é que eu fui goleiro. Com a bola, a camisa, e até as luvas, que nem imaginava à época. Abaixo, duas fotos: a primeira, de 1974, jogando no Avenida; a segunda, de 2017, no Prerrogativas F.C, time de advogados no jogo contra o Politeama, do Chico Buarque.


Pois é. Será que foi o velho Santa quem me deu as luvas e camiseta? Coincidência ou espírito de Natal?
Não sei. O que sei é que sou um incorrigível otimista metodológico. Ajo sempre “como se”. Pudera: estou já há três décadas lutando contra os predadores do Direito. Já perdi muitas, e continuo aqui. Stoic mujic. Eis o meu lema. Mesmo que os haters critiquem até mensagem natalina. Sim, incrível: tem gente que critica até mensagem de solidariedade. Tudo o que escrevo o “hater padrão” diz: não li e odiei. Primeiro pedido ao Papai Noel: faça-o ajoelhar no milho!
Continuo. E hoje, como já se tornou tradição aos finais de ano, divulgo, aqui na Senso Incomum, minha carta para o Weihnachtsmann, que era como chamamos o Papai Noel em terras de colonização alemã. Eu tinha de recitar a seguinte “oração”: “Ich bin Klein, mein Herz ist rein, Darf niemand drin wohnen als Jesus allein” (“sou pequeno, meu coração é puro, nele não deve morar ninguém, a não ser Jesus”). Sem pieguice, mas, repetindo isso agora, uma lágrima me pega desprevenido. Isso é como ler O Grande Inquisidor: quando chega na hora em que Jesus beija seu algoz, é impossível chegar ao final sem me emocionar. Meus alunos, e quem me viu em palestras tentando contar, sabem do que falo.
Celebrando o Natal que se aproxima. Pois é… muito embora alguns pensem que eu seja rabugento, por estar aqui na ConJur brigando toda quinta-feira contra o subjetivismo e o emotivismo, não sou nenhum Scrooge — falo do personagem de Dickens que odiava o Natal. Eis, pois, minha carta ao Velho Noel.
Papai Noel, você bem sabe, as coisas aqui no direito brasileiro não têm sido fáceis. É flexibilização de garantias para cá, instrumentalismo processual para lá, pamprincipiologismos, ponderações…. um horror. Ganhamos o julgamento das ADCs e agora querem nos vencer no tapetão. PN, varinha de marmelo neles!
PN, como tem tanta gente falando mal da Constituição e querendo destruir até cláusula pétrea, ajude-me na fundação do movimento salvacionista chamado Unfucking the Constitution (só posso dizer o nome em inglês porque me recuso a dizer palavrões). Ou em francês: Défornication de la Constitution. Antes que seja tarde demais. Sim, Pai Natal, ajude-me a fazer esse contramovimento. Alguns pedidos têm muito a ver com isso, meu caro Noel.
Nosso ensino jurídico não foi, até hoje, capaz de ensinar — direito — conceitos básicos de Teoria do Direito. Sinopses, esqueminhas, facilitações, quiz shows, Direito-simplificado-mastigado-resumido… Afinal, “seja f… em direito!” (como consta na capa de um livro!!) Faça essa gente ajoelhar no milho, PN. E lhes tire o smartphone. Sem ele, derretem.
Poderia pedir para que a comunidade jurídica aprendesse os conceitos básicos, tais como positivismo, princípios (que não são valores) e quejandos. Mas isso já pedi e você me deu o drible da vaca, Pai Natal. Sobre o que dizem de Dworkin, desisti, PN. Desconfio que nem você leu o cara.
Papai Noel, diga-me: por que tem tanta gente reacionária no Direito? Por que as faculdades formam tantos fascistas? Por que a comunidade jurídica é a que mais odeia direitos e garantias? Ajude, PN. Conceda-me esse pedido. Não mais permita que se forme tanta gente inculta e jusblasfema.
PN, por favor, não mais permita que embargos ou agravos sejam “decididos” em duas linhas como “mantenho a decisão pelos próprios fundamentos; encaminhem-se os autos ao Tribunal Superior competente, na forma do artigo 1042, parágrafo 4º. do CPC”, enfim, que a Constituição Federal seja cumprida de forma ortodoxa.
Assim, Santa Claus, meu outro pedido não deixa de ter relação com todos os anteriores; é uma espécie de salvaguarda de tudo que mais importa nos momentos difíceis como é este que vivemos. Que a Constituição seja cumprida. Papai Noel: que se respeite a força normativa da Constituição.
PN, sequestre todos os celulares cujos WhatsApp estejam fazendo fake news tipo “STF proibiu prisão em segunda instância.” Ah, que jornalistas e jornaleiros levem o Direito a sério e não espalhem mentiras como "o Supremo proibiu a prisão", "190 mil bandidos perigosos serão soltos" e quejandos.
Mais um pedido: que os alunos das faculdades leiam livros. E que não fiquem consultando a m… do WhatsApp enquanto o professor fala. Passe a vara de marmelo no lombo dessa escumalha, PN.
Que as pessoas voltem a ler. Livros. Textos sofisticados. Não fake news de whatsapp ou 240 caracteres de twitter.
Se alguém vier com essa coisa de bayesianismo, explanacionismo, algoritmos substituindo julgamentos, jogue pesado, PN: ponha de castigo e não dê presente.
Dê um basta nos quiz shows dos concursos públicos! Faça-os parar com as pegadinhas, PN. Prova de concurso não é para papagaios.
Que advogados não mais sejam desrespeitados. Que o exercício da advocacia não se torne um exercício de humilhação. E que não se criminalize a profissão de advogado. Que não se confunda o advogado com seu cliente.
Que os desembargadores e ministros, durante a sustentação oral das partes, não fiquem olhando os seus tablets; e que prestem atenção no esfalfelamento do causídico (ou finjam que estão prestando atenção).
Que se volte a respeitar a institucionalidade no país. Que não mais se faça protestos tipo Ku Klux Klan de ministros do Supremo por aí. Ou ajude a liberar os bingos… se me entende a ironia, PN.
Como viu, são poucos os pedidos, Papai Noel. Assim como eram poucos os meus pedidos de menino de Agudo, terra do Bagualossauro Agudensis, o mais antigo dinossauro do mundo, encontrado a 3 km de onde nasci. Queria apenas uma bola, luvas e uma camisa de goleiro. E quem sabe uma boina e alpargatas… Mas, enfim, homenageando um grande compositor do sul, Cesar Passarinho, sugiro que “oiçam” e vejam a música. Chama-se Guri! Vejam que maravilha de letra:
”- Hei de ter uma tabuada e meu livro ‘Queres Ler’… E se Deus não achar muito, tanto coisa que eu pedir…”!”
Feliz Natal, leitores da ConJur. Sem exclusões. Porque sou includente!
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