MTE, TST e as ações revisionais sobre adicional de periculosidade
23 de agosto de 2019, 6h17
No dia 01/08/2019, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou o tema n. 10 da tabela de Incidentes de Recursos Repetitivos para firmar o entendimento expresso nos seguintes termos:
DIREITO AO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE DECORRENTE DA EXPOSIÇÃO DO EMPREGADO À RADIAÇÃO IONIZANTE ORIUNDA DE EQUIPAMENTO DE RAIO-X MÓVEL: I – A Portaria MTE nº 595/2015 e sua nota explicativa não padecem de inconstitucionalidade ou ilegalidade; II – Não é devido o adicional de periculosidade a trabalhador que, sem operar o equipamento móvel de raios X, permaneça, habitual, intermitente ou eventualmente, nas áreas de seu uso; III – Os efeitos da Portaria nº 595/2015 do Ministério do Trabalho alcançam as situações anteriores à data de sua publicação.
A discussão envolvia o art. 193 da CLT, a Portaria 518/2003 do hoje extinto Ministério do Trabalho e, especialmente, a Portaria 595/2015 também do então Ministério do Trabalho.
A tese vencedora no julgamento, frisa-se, indica que “Os efeitos da Portaria nº 595/2015 do Ministério do Trabalho alcançam situações anteriores à data de sua publicação”.
Muito embora o tema a respeito de ser devido ou não o adicional de periculosidade seja interessante por si só, o que se destaca do julgamento acima referido é o trecho sobre a, digamos, “vigência retroativa” da Portaria 595/2015.
É das primeiras lições no estudo do Direito aquela que ensina que a lei não retroage (a não ser em circunstâncias especialíssimas, como para beneficiar o réu em ação penal). A lei é, por natureza, prospectiva. Ela busca regular e disciplinar atos futuros, e não os passados. É regra tão elementar que consta, de forma expressa, no rol do art. 5º da Constituição da República, no seu inciso XL.
Dito isso, a conclusão a que se chega é a de o TST concluiu que a Portaria 595/2015 não retroage por si como fonte normativa, mas que veicula interpretação de normas já vigentes à época de sua edição – e interpretações, sim, poderiam retroagir.
Posto de outra forma, é possível dizer que o TST compreendeu que a Portaria 595/2015 não seria “direito novo”, mas, sim, explicação de “direito antigo”. Aliás, é essa a autoproclamada vocação da portaria em questão, que enuncia, já em seu art. 1º, que tem por objeto “Incluir Nota Explicativa” relativa à Portaria 518/2003. A Portaria 595/2015 não revogaria nem alteraria a Portaria 518/2003, mas somente a explicaria – foi o que parece ter entendido o TST.
Nessa linha de raciocínio, de que a Portaria 595/2015 não seria “direito novo”, faria sentido que a explicação que traz consigo retroagisse – afinal, o que o TST estaria decidindo, na prática, seria a aplicação para a futuro (e não retroativa) da Portaria 518/2003 combinada com a adoção da linha interpretativa oferecida pela Portaria 595/2015, ainda que para casos anteriores à edição desta.
Em suma, então: o TST teria entendido que a Portaria 595/2015 não introduziu alteração nas normas jurídica, não teria trazido consigo alteração no corpo normativo a respeito do tema do adicional de periculosidade. Em bom português: a Portaria 595/2015 não seria “direito novo”, repito.
Tal conclusão traz uma repercussão importante no âmbito da possibilidade de ações revisionais que, na forma do art. 505, I, do CPC, possam veicular pretensão dos empregadores de rever, justamente com base na Portaria 595/2015, condenações transitadas em julgado a respeito do adicional de periculosidade em tais condições.
Afinal, diz o citado art.:
Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:
I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;
Como se vê, é pressuposto da ação revisional do art. 505 do CPC que tenha havido “modificação no estado de fato ou de direito”.
Deixa-se de lado a discussão sobre alterações no estado de fato, pois o assunto é outro.
Se, como concluiu o TST, a Portaria 595/2015 não trouxe “direito novo”, então é obrigatório que se conclua que não houve “modificação no estado de direito” – o que implicaria na improcedência de tais revisionais, em prestígio à também constitucional garantia de observância da coisa julgada já formada.
A Portaria 595/2015 não pode ser, às vezes, “direito novo” (para justificar a ação do art. 505 do CPC) e, outras vezes, “interpretação de direito antigo” (para justificar sua retroação).
Resumidamente:
- O TST entendeu que a Portaria 595/2015 “retroage”;
- se ela retroage, não é “direito novo” (pois, do contrário, não retroagiria, por força do art. 5º, LV, da Constituição da República);
- se não é direito novo, não cabe, logo, a ação de revisão do art. 505 do CPC com base na sua edição.
Entender o contrário (ou seja, acolher as ações revisionais reconhecendo alteração no estado de direito), diante do decidido pelo TST em sede de recurso repetitivo, implica ofensa ao art. 5º, LV, da Constituição da República.
Assim, com a recente decisão do TST em sede de recursos repetitivos, torna-se tecnicamente impossível a revisão de decisões transitadas em julgado a respeito das condições de periculosidade envolvendo aparelhos móveis de raios X.
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