Opinião

Prazo de tutela cautelar ainda é tema sem consenso jurisprudencial

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13 de agosto de 2019, 9h22

Em virtude da vigência do Código de Processo Civil de 2015, um relevante questionamento que vem sendo analisado pela jurisprudência é se o prazo de apresentação do pedido principal em caso de deferimento da tutela cautelar deve ser contado em dias úteis ou corridos, inexistindo atualmente consenso na jurisprudência sobre a questão.

A despeito de o diploma processual vigente ter trazido relevantes inovações na mecânica das tutelas provisórias, alguns pontos do Código de Processo Civil de 1973 foram essencialmente mantidos, tais como as condições para manutenção de eficácia da tutela cautelar requerida em caráter antecedente.

Dispunha o artigo 806 do Código de Processo Civil de 1973 que, concedida a medida cautelar, deveria a parte propor a ação principal no prazo de 30 dias de sua efetivação, quando ela fosse concedida em procedimento preparatório. O artigo 808, por sua vez, dispunha em seu inciso I que a eficácia da medida cautelar cessaria se a ação não fosse apresentada no referido prazo.

Adotando o mesmo raciocínio, mas substituindo a propositura de ação por apresentação de pedido principal, o artigo 308 do Código de Processo Civil de 2015 estabelece que, efetivada a tutela cautelar, o pedido principal deverá ser formulado pelo autor no prazo de 30 dias. O artigo 309 dispõe em seu inciso I que a eficácia da tutela cautelar cessará caso o autor não deduza o pedido principal dentro do prazo legal, ou seja, aquele estabelecido no artigo 308.

Uma das principais inovações do Código de Processo Civil de 2015, prevista em seu artigo 219, foi justamente a possibilidade da contagem de prazos em dias úteis, aplicável em prazos de natureza processual. Por sua vez, permanecem sendo contados em dias corridos os de natureza material.

Diante desse cenário é que surgiram questionamentos sobre o prazo para apresentação do pedido principal ser computado em dias corridos — dada a natureza material — ou em dias úteis, em razão da nova sistemática de prazos adotada como regra pelo Código de Processo Civil de 2015.

E a respeito dessa discussão não há entendimento consolidado na jurisprudência, existindo decisões em ambos os sentidos.

Um dos principais julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo que defendem a contagem de referido prazo em dias corridos é o Agravo de Instrumento 2150988-43.2016.8.26.0000[1], da 16ª Câmara de Direito Privado, de relatoria do desembargador Coutinho de Arruda, julgado em 3 de novembro de 2016, interposto contra decisão que declarou a perda de eficácia de tutela cautelar antecedente de sustação de protesto, por apresentação do pedido principal em prazo superior a 30 dias corridos.

Em síntese, o entendimento da turma julgadora foi que o prazo para apresentação do pedido principal é decadencial, pois a perda da eficácia da tutela cautelar concedida enseja a proibição da parte renovar o pedido sob o mesmo fundamento, extinguindo o direito à proteção cautelar, a teor do disposto no parágrafo único do artigo 309 do Código de Processo Civil, colacionado doutrina a esse respeito. Ao final, ressalta que é precisamente a possibilidade da coisa julgada que justifica o teor do parágrafo único do artigo 309 e o que denota o caráter decadencial do prazo e, consequentemente, sua natureza material.

Entendimento semelhante figurou no Agravo de Instrumento 2127703-50.2018.8.26.0000, da 7ª Câmara de Direito Privado, de relatoria do desembargador Rômolo Rosso, julgado em 20 de agosto de 2018. A turma partiu do pressuposto de que o prazo para apresentar o pedido principal deve ser contado em dias corridos por ser decadencial, sem maiores discussões.

Por outro lado, foi encontrada no repositório jurisprudencial do tribunal paulista uma quantidade um pouco maior de julgados que entenderam que o prazo do artigo 308 é de natureza processual, destacando-se o Agravo de Instrumento 2164648-70.2017.8.26.0000, da 25ª Câmara de Direito Privado, de relatoria do desembargador Azuma Nishi, interposto contra decisão que negou declarar a perda de eficácia de tutela cautelar em razão do pedido principal ter sido deduzido em prazo superior a 30 dias corridos.

Na fundamentação do acórdão, o desembargador relator expressamente afastou a natureza decadencial do prazo para apresentar o pedido principal, apontando, em síntese, que “o prazo é decadencial quando se referir a direitos potestativos e prescricional em se tratando de pretensões deduzíveis em juízo”, colacionando excertos doutrinários para justificar seu posicionamento. Ao final, destaca que a apresentação de pedido principal na sistemática do Código de Processo Civil de 2015 não se equivale a um direito potestativo, tratando-se de ônus processual da parte que postula a tutela cautelar em caráter antecedente, de modo que o prazo deve ser contado em dias úteis, em razão de sua natureza processual.

Em sentido semelhante é o acórdão do Agravo de Instrumento 1048429-19.2016.8.26.0002, da 38ª Câmara de Direito Privado, de relatoria do desembargador Flávio Cunha da Silva, julgado em 19 de abril de 2017. Em referido julgado, o relator defendeu a natureza processual do prazo do artigo 308 do Código de Processo Civil com base em doutrina e acórdão do próprio tribunal[2]. Ressalta-se que o julgado colacionado na fundamentação não se aprofundou sobre os motivos que levariam à conclusão de que o prazo do artigo 308 do Código de Processo Civil deve ser contado em dias úteis, somente indicando que se aplica o artigo 219 do Código de Processo Civil. É de se notar, ainda, que ambos acórdãos trataram do prazo em comento como decadencial, mas sem vincular essa característica a uma natureza material, decidindo pela contagem em dias úteis, expediente também usado em julgados de outros tribunais[3].

Nessa toada, há também outros julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo em que se decidiu pela contagem em dias úteis, porém sem maiores justificativas a respeito[4].

Em relação a outras cortes, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro possui ao menos dois julgados aplicando a contagem em dias corridos, o que reforça a abrangência e relevância da discussão[5]. Há, ainda, decisões de outros tribunais que mencionam que o prazo do artigo 308 do Código de Processo Civil é de natureza decadencial, porém não afirmam se sua contagem se dá em dias úteis ou corridos, não restando claro se o termo decadencial foi utilizado para vincular a natureza do prazo como material[6].

O presente tema ainda não foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça sob a égide do Código de Processo Civil de 2015. No entanto, na vigência do diploma processual anterior, já foi esposado o entendimento que o prazo do antigo artigo 806 possui natureza decadencial, não estando sujeito a suspensão ou interrupção[7].

Diante da falta de consenso jurisprudencial sobre tão relevante tema, recomenda-se, por cautela, quando da efetivação da tutela cautelar, que o pedido principal seja apresentado no prazo de 30 dias corridos, ao menos até que o Superior Tribunal de Justiça pacifique a discussão.

Em virtude dessa atual circunstância, se o termo desse prazo cair em dia não útil, recomenda-se, ainda, que o protocolo do pedido principal seja feito no dia útil anterior ao prazo fatal, uma vez que, dada a possível natureza decadencial, não seria possível a sua prorrogação para o dia útil subsequente.


[1] TJ-SP, Agravo de Instrumento 2150988-43.2016.8.26.0000, 16ª Câmara de Direito Privado, rel. des. Coutinho de Arruda, julgado em 3/11/2016. A ementa deste julgado foi transcrita no acórdão da Apelação 1042364-05.2016.8.26.0100, mas com o propósito de fundamentar que o pedido de tutela satisfativa deve ser apresentado nos mesmos autos da tutela cautelar. A natureza do prazo do artigo 308 do Código de Processo Civil não foi tratada em referido recurso.
[2] Apelação Cível 1015061-19.2016.8.26.0002, 38ª Câmara de Direito Privado, rel. des. César Peixoto, julgado em 31/8/2016.
[3] Menciona-se, a título exemplificativo: TJ-SP, Apelação 1015061-19.2016.8.26.0002, 38ª Câmara de Direito Privado, rel. des. César Peixoto, julgado em 31/8/2016; TJ-PR, Agravo de Instrumento 1704799-3, 16ª Câmara Cível, rel. des. Maria Mércis Gomes Aniceto, julgado em 29/11/2017.
[4] TJ-SP, Apelação Cível 1130471-59.2015.8.26.0100, 14ª Câmara de Direito Privado, rel. des. Melo Colombi, julgado em 11/4/2018; TJ-SP, Apelação Cível 1002027-79.2018.8.26.0010, 2ª Câmara de Direito Privado, rel. des. Marcia Dalla Déa Barone, julgado em 22/1/2019; TJ-SP, Agravo de Instrumento 2234234-34.2016.8.26.0000, 20ª Câmara de Direito Privado, rel. des. Luis Carlos de Barros, julgado em 6/3/2017.

[5] TJ-RJ, Agravo de Instrumento 0035168-34.2018.8.19.0000, 3ª Câmara Cível, rel. des. Renata Machado Cotta, julgado em 11/10/2018; TJ-RJ, Apelação Cível 0007636-19.2017.8.19.0001, 3ª Câmara Cível, rel. des. Peterson Barroso Simão, julgado em 25/9/2017.
[6] Nesse sentido: TJ-RS, Apelação Cível 70074412081, 20ª Câmara Cível, rel. des. Glênio José Wasserstein Hekman, julgado em 30/1/2019; TJ-MG, Apelação Cível 1.0000.18.078035-5/001, 5ª Câmara Cível, rel. des. Wander Marotta, julgado em 31/10/2018.
[7] STJ, Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 898.521/SP, 3ª Turma, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/12/2016; STJ, Agravo Interno no Recurso Especial 1.444.419/MG, 3ª Turma, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/10/2016.

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