Processo terapêutico

Judiciário não respeita procedimentos da Lei Brasileira de Inclusão para curatela

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26 de abril de 2019, 19h42

A Justiça brasileira não respeita todos os procedimentos estabelecidos pela Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2016) para a concessão de curatela para quem é civilmente incapaz – ou seja, a quem só pode praticar determinados atos da vida civil mediante assistência de outra pessoa (no caso, o curador).

Em levantamento sobre o assunto feito com base em 41 ações ajuizadas até outubro de 2018, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro verificou que poucas sentenças têm como base todas as providências previstas na legislação com o objetivo de individualizar os casos e traçar um processo terapêutico para a pessoa considerada incapaz.

Sancionada em agosto de 2015 e em vigor no país desde janeiro de 2016, a LBI põe fim à incapacidade absoluta para todos os atos da vida civil de pessoas que, na maioria das vezes, encontram limitações para isso por motivos de deficiência, doença ou pelo uso de drogas. Ou seja, a legislação impõe limites e tempo de duração para a curatela do mesmo modo que estabelece um projeto terapêutico individual com o objetivo de preservar a capacidade civil de quem encontra-se nessa situação e assim promover a inclusão social dessas pessoas. Com a assistência do curador, portanto, as pessoas que hoje encontram-se sob curatela podem gerir a própria vida e bens, por meio da prática de atos da vida civil simples ou mais complexos, como comprar e vender imóveis e abrir crediário, por exemplo, o que antes não era possível.

Das 41 ações analisadas pela instituição já com sentença de fixação da curatela, em nenhuma delas foram determinadas todas as três providências necessárias à concessão da medida a partir de uma avaliação multidisciplinar, embora elas estejam previstas na lei como requisito para isso. As medidas são: execução de estudo social (com profissionais multidisciplinares, como psicólogos e assistentes sociais); de audiência de impressão pessoal (quando a pessoa passa por uma entrevista minuciosa com o juiz para avaliar a sua capacidade de praticar os atos da vida civil) e de perícia médica (que hoje precisa ser detalhada e deve informar os atos que a pessoa pode praticar).

Segundo o estudo, apenas algumas dessas medidas são aplicadas nas ações judiciais. Em 29 processos, por exemplo, foram registrados a ocorrência da audiência de impressão pessoal e da perícia médica. Em outras sete o juiz determinou somente a audiência de impressão pessoal. Em quatro foi realizada a audiência de impressão pessoal e a entrevista social. Já em um caso foi determinada só a perícia médica.

“Sem passar por essas etapas, a pessoa deixa de ter uma avaliação completa e multidisciplinar, necessária à individualização do caso. Antes as decisões limitavam a pessoa a praticar qualquer ato da vida civil e agora isso não é mais possível porque a lei exige a criação de um plano individualizado para cada caso, prevendo o que a pessoa pode fazer ou não sozinha. Às vezes, ela não tem condições de realizar a compra de um bem valioso, como um carro ou um imóvel, mas pode perfeitamente pagar a conta de luz e a do telefone”, destaca o coordenador do Núcleo de Atendimento à Pessoa com Deficiência da Defensoria (Nuped), Pedro González.

Segundo González, se a autonomia da pessoa é um dos marcos da Lei Brasileira de Inclusão, ela deve ser observada pelo Judiciário. “Há vários graus de capacidade de discernimento e o objetivo da LBI é respeitar a autonomia das pessoas, tratando cada caso como único. Para isso, o estudo social do caso, além da perícia médica, é fundamental”.

A pesquisa observou ainda que em quatro casos o estudo social foi feito por um assistente social na casa da pessoa curatelada e que 46,6% das perícias médicas (ou seja, 14 delas) aconteceram na audiência de impressão pessoal. Outras nove foram realizadas nas dependências do fórum; seis em casa; e uma no consultório médico.

Médicos não respondem
O estudo também mostra o problema da falta de respostas dos médicos para as perguntas formuladas pelas instituições do sistema de Justiça com o objetivo de detalhar ainda mais o caso em análise e auxiliar na elaboração do programa terapêutico individualizado. Dos quesitos apresentados aos peritos nas 41 ações de curatela ajuizadas pela Defensoria Pública, nenhum foi respondido. Situação parecida aconteceu com o Ministério Público, que formulou 16 quesitos e obteve apenas três respostas.

“Logo que a lei entrou em vigor, o Nuped elaborou uma lista de 21 quesitos para serem respondidos nos processos de curatela pelos peritos médicos e assistentes sociais. Portanto, ficar sem resposta é um dado alarmante e mostra que a nova curatela desenhada pela Lei Brasileira de Inclusão não tem sido efetivamente aplicada na prática. As sentenças e as perícias parecem seguir modelos antigos e com isso não traçam o plano individual previsto em lei”, ressalta Pedro González.

Além disso, o levantamento mostra que as perícias apresentam o diagnóstico do caso e conclusões não muito detalhadas em vez de um estudo mais aprofundado com o objetivo de traçar o plano individual. Das 41 sentenças, duas ainda afirmam que a pessoa é totalmente incapaz; 11 foram proferidas na audiência de impressão pessoal; só oito mencionam expressamente a LBI; 31 não especificam qual será a atuação do curador; a maioria delas informa brevemente os atos que a pessoa pode ou não praticar, sem grande preocupação com a individualização; e há ainda as que usam termos já ultrapassados, como a palavra interdição em vez de curatela. Com informações da Assessoria de Imprensa da DP-RJ.

Clique aqui para ler a íntegra da pesquisa.

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