Tática questionável

Juíza se recusa a bloquear anúncios direcionados para influenciar jurados nos EUA

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16 de abril de 2019, 14h13

Uma nova tática para influenciar jurados sobreviveu a um pedido de liminar para bloqueá-la, por decisão de uma juíza de um fórum civil do Condado de Alameda, na Califórnia: o uso de geofencing na área do tribunal. Geofencing é uma ferramenta de marketing digital que permite a empresas enviar anúncios pop-up a celulares, em uma área específica.

A liminar foi pedida pelos advogados dos autores de uma ação civil contra a Monsanto Co., fabricante do herbicida Roundup. Os autores, Alva Pilliod e Alberta Pilliod, alegam na ação que contraíram câncer com o uso seguido do herbicida – e pedem indenização por danos.

Desde o processo de seleção do júri, a Monsanto teria disparado uma campanha de anúncios pop-up, dirigidos a quem estivesse na área do fórum, incluindo os jurados. Os anúncios veiculados pelo sistema de geofencing se referiam, por exemplo, a estudos que demonstraram a segurança do Roundup para a saúde dos usuários.

De uma maneira geral, os anúncios respondiam a perguntas que os jurados teriam de responder ao se reunir para o veredicto, segundo o jornal Recorder. Os advogados dos autores da ação pediram à juíza para bloquear o geofencing em uma área de um quarto de milha ao redor do fórum (o equivalente a cerca de 400m).

Ao negar o pedido, a juíza Winifred Smith disse reconhecer que o geofencing (geomarketing ou geolocalização) "levanta uma série de questões", mas não estava convencida de que deveria bloqueá-lo.

"A corte não foi persuadida de que o alegado geomarketing é substancialmente diferente de se carregar cartazes ou placas do lado de fora do tribunal ou usar broches [promocionais ou publicitários] dentro da sala de julgamento ou que isso requer uma resposta judicial diferente", escreveu a juíza em sua decisão.

Ela acrescentou: "Os autores não cumpriram o ônus de provar que a [liberdade de] expressão da Monsanto apresenta uma ameaça real de dano ao direito dos autores a um julgamento justo, nem demonstraram que existem alternativas viáveis ao impedimento prévio da expressão da Monsanto".

Os advogados da Monsanto alegaram que tinham o direito de divulgar informações corretas sobre o produto, especialmente porque os autores da ação veicularam anúncios contra o Roundup em TV a cabo locais. A Bayer AG, controladora da Monsanto, disse ao Recorder que os anúncios da empresa são nacionais e não locais.

Esse é o terceiro julgamento de ações envolvendo o Roundup da Monsanto. No primeiro caso, um júri em São Francisco concedeu indenização por danos a um homem, no valor de US$ 289 milhões, posteriormente reduzido para cerca de US$ 78 milhões. No segundo caso, a indenização foi de cerca de US$ 80 milhões. Mais de 11 mil ações contra o Roundup estão pendentes em todo o país, segundo o Recorder e o Jornal da ABA (American Bar Association).

Órgãos regulamentadores de diversas partes do mundo declararam que o glifosato, ingrediente ativo do Roundup, é seguro. Mas, em 2015, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, da Organização Mundial de Saúde, classificou esse produto químico como um provável carcinógeno humano, o que disparou uma enxurrada de ações contra a Monsanto nos Estados Unidos.

Novidade perigosa
Desde que surgiu, a ferramenta de marketing geofencing foi adotada por setores da advocacia nos EUA, especialmente por escritórios que se dedicam a mover ações por indenização, relativas a acidentes e problemas médicos. Eles começaram a usar geofencing direcionado a celulares de pacientes em hospitais e clínicas.

Em 2017, a procuradora-geral do estado de Massachusetts, Maura Healey, fechou um acordo para encerrar um processo contra uma firma de publicidade digital, que visava mulheres que se dirigiam a clínicas de aborto.

"Mas visar jurados é uma novidade perigosa", disse ao Recorder o advogado John Browning, autor de diversos livros sobre a mídia social e a lei. "Visar a população dentro de um tribunal, o que pode incluir todo o corpo de jurados durante um julgamento, levanta questões de ética".

O professor da Faculdade de Direito da Universidade Loyola de Nova Orleans, Dane Ciolino, disse aos jornais que é preciso estabelecer uma distinção no debate sobre geofencing – isto é, se ele é utilizado por advogados ou por empresas.

"Se advogados estão visando jurados propositadamente com informações extrajudiciais, aí há um problema de ética. Os jurados só podem receber informações na sala de julgamento, não extrajudicialmente. Se advogados estiverem envolvidos nessa prática, temos um problema", ele afirmou.

A American Bar Associações (ABA, a ordem dos advogados dos EUA) já se manifestou desfavoravelmente, como um problema de ética, à prática de advogados de comentar casos em que estão atuando na Internet, como em blogs. E o código de ética da ABA proíbe os advogados de influenciar o júri extrajudicialmente.

No caso de empresas, porém, o juiz terá de levantar em conta o direito à liberdade de expressão, disse o professor. "Se a Monsanto quiser veicular anúncios dirigidos à área do fórum, provavelmente tem o direito constitucional de fazê-lo. Mas, se eles forem capazes de impedir a realização de um julgamento justo, o juiz poderá colocar restrições no direito à liberdade de expressão".

A juíza Winifred Smith, que presidia o julgamento, preferiu assegurar o direito de expressão da Monsanto, mas advertiu os jurados, várias vezes durante o julgamento, que não deveriam ler ou ouvir quaisquer notícias sobre o caso, até que o júri fosse dispensado.

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