Opinião

Direito não pode ser o único responsável pela solução dos problemas sociais

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14 de abril de 2019, 6h26

Em tempos em que imperam os ditames do capitalismo, do investimento no eu, do individualismo, da busca pelo sucesso a qualquer custo e da pressão social de que tudo tem que ser extraordinário na vida e na profissão, de que temos que vigiar tudo e a todos, falar de ética, moral, regras de trato social, fortalecimento de instituições e religião parece démodé. E qual o motivo?

A resposta a essa pergunta perpassa pelo que Zygmunt Bauman chama de modernidade líquida. A era digital transformou o homem e as relações sociais, o que quebrantou a solidez das relações humanas e sociais. Não há vínculos sociais fortes, como outrora, gerando a perda da efetividade dos demais instrumentos de controle social.

O próprio Bauman diz: “Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar”. Por falar em instrumentos de controle social, vale lembrar que, além do Direito, temos a ética, a moral, as regras de trato social e a religião como formas efetivas de controle social e, por óbvio, há uma interpenetração e influência de um sobre o outro, apesar de serem independentes.

O problema é que na modernidade líquida surge a ânsia pelo excesso de controle, pois, em virtude do esvaziamento das relações humanas e sociais, há uma insegurança nata que promove uma busca incessante por segurança e vigilância do eu e do outro. Queremos controlar tudo e todos e, com efeito, apostamos todas as fichas no único destes instrumentos que é cogente e obrigatório, qual seja, o Direito.

Daí advém uma sensação saudosista, tão difundida por nossos avós de que antigamente as coisas funcionavam bem, não havia violência, as pessoas se respeitavam, as instituições eram fortes etc. Todavia, na verdade, o Direito nunca foi perfeito, nem mesmo as normas jurídicas são a tábua de salvação social.

O que se tinha outrora era o sentimento de pertencimento, o qual gera a observância das regras sociais e fortalece o sentido de comunidade, fazendo com que o Direito fosse muito pouco utilizado.

Na realidade, os outros instrumentos de controle social é que eram fortes e funcionavam, em virtude da solidez das relações humanas. Acabar uma amizade era difícil, as más condutas eram socialmente rechaçadas e não toleradas, a palavra tinha muito peso e valor e “sair da linha” era moralmente errado e coibido. Na era digital, tudo se esfacelou e para acabar com uma amizade, por exemplo, basta um clique. Os diversos “cliques” em um ambiente de liquidez social romperam com o senso de pertencimento, promovendo a fratura da ideia de comunidade.

Hoje, ao contrário, há uma inflação legislativa que se pretende controlar toda a vida privada e pública, com uma ingerência estatal cada vez mais expansiva, mas sem qualquer efetividade. E por quê? Não adianta ter norma jurídica se não reflete os ditames e comportamentos sociais.

O excesso de normas jurídicas e a sua impossibilidade de aplicação pelos órgãos estatais geram uma banalização do Direito, com a inobservância de seus ditames pela sociedade, culminando com impunidade, falta de fiscalização e o senso comum de sua ineficácia e inefetividade, ou seja, estamos diante de um (des)controle social gerado pela paranoia do excesso de controle.

E como mudar isso? O primeiro passo é retirar do Direito a responsabilidade única como solução para todos os problemas sociais. Aliás, o Direito é o menos efetivo de todos os instrumentos de controle social em termos de eficácia e efetividade, mesmo sendo cogente e obrigatório.

Isso porque, além de não conseguir abarcar toda a criatividade social, não deixa de ser uma forma de violência, já que seu principal fundamento é a aplicação de uma sanção. O segundo passo seria uma redução drástica das normas jurídicas, para regular apenas aqueles fatos realmente necessários ao convívio social, ou seja, quebrar a ideia de banalização das normas jurídicas, evitando a burocracia burra e diminuindo a corrupção (lembre-se: a corrupção surge pela venda da facilidade, a fim de contornar a burocracia).

E, por fim, e como terceiro passo, resgatar os demais instrumentos de controle social como incentivo ao cumprimento das normas de convívio social, fortalecendo as instituições através do fomento e multiplicação das condutas éticas, transparentes, morais, a fim de que se solidifiquem as relações humanas, pois só assim vamos diminuir os efeitos da liquidez da modernidade e resgatar o Direito das profundezas do seu (des)controle, ou seja, é preciso que se retome o constante diálogo entre as diversas fontes sociais, mesmo que seja através de uma silenciosa alteração da teia social pelos “novos e sólidos” vínculos sociais e humanos que aqui se propõe. Como diria Carlos Drummond de Andrade: “Escolhe teu diálogo e tua melhor palavra ou teu melhor silêncio. Mesmo no silêncio e com o silêncio dialogamos”.

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