Opinião

A inconstitucionalidade da incidência do IPI na revenda de produtos importados

Autor

  • Gerd Willi Rothmann

    é advogado professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e colaborador da Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo (CNC).

29 de outubro de 2018, 6h59

Justo quando o país se dedica à análise dos programas de governo dos candidatos à Presidência da República e uma reforma tributária, com menos custos e burocracia, fortalecimento da economia nacional, nos deparamos com flagrante violação a diversos princípios constitucionais que deveriam nortear o sistema tributário nacional. Em decisão proferida nos Embargos de Divergência em Recurso Especial 1.403.532/SC, o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na simples revenda de produtos importados — o que nada mais é senão a dupla incidência do mesmo tributo.

No caso dos produtos importados, o próprio entendimento do Supremo Tribunal Federal é que o ciclo de industrialização termina com o desembaraço aduaneiro do produto importado, a não ser que seja revendido a industrial para continuar num processo de industrialização (RE 753.651/PR). Portanto, é completamente descabido deduzir que isso possa abranger, também, o comerciante que realize operações relativas à circulação de mercadorias, sejam elas nacionais ou importadas/nacionalizadas, industrializadas ou não. Exigir o pagamento do IPI em operações de comercialização, fora do ciclo de industrialização, constitui flagrante violação da discriminação constitucional das rendas tributárias e invasão inconstitucional de competência de estados e Distrito Federal de sujeitá-las ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias).

A decisão do STJ também fere os princípios constitucionais da isonomia, neutralidade tributária e da livre concorrência, tendo em vista que a carga fiscal que onera o produto importado é muito maior que a incidente no produto nacional. Além do próprio IPI e do ICMS, comuns a ambos, o produto importado ainda é alcançado pelo Imposto de Importação, pelas contribuições do PIS e Cofins-importação, Cide-importação, Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) e pela Taxa de utilização do Siscomex.

A carga excessiva da dupla incidência do IPI prejudica a neutralidade concorrencial do IPI, obrigando os importadores a praticar preços muito superiores aos de seus concorrentes nacionais. Cabe à própria indústria brasileira tomar as medidas necessárias para garantir a competitividade de seus produtos e não repassar ao consumidor final do produto importado, que é o contribuinte de fato, o ônus da proteção do mercado de produtos nacionais.

A dupla incidência do IPI atinge, seriamente, a segurança jurídica em matéria tributária, tanto na esfera doméstica, em que fere o princípio da legalidade, afrontando dispositivo expresso do Código Tributário Nacional (artigo 51, III), como no âmbito internacional. O General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) estabelece que o produto oriundo de países membros da OMC, signatários do GATT, como o Brasil, deve receber tratamento igualitário em face do similar nacional. Como este não sofre a incidência do IPI na fase de comercialização, o GATT proíbe essa tributação sobre a simples revenda de produtos importados.

Estudo técnico, elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a pedido da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), constata que a eliminação da “dupla incidência do IPI” não acarreta diminuição de arrecadação/receita, ao contrário, pode promover seu aumento pelo maior acesso de produtos importados pelas empresas e consumidores. Por outro lado, o estudo aponta uma série de consequências nefastas da dupla incidência do IPI, ilegal e inconstitucional: inexistência ou escassez do produto importado, ocasionando uma reserva de mercado, falta de concorrência, aumento de preço do produto nacional, redução de emprego em toda a cadeia de valor e falta ou atraso de inovação tecnológica.

O consumidor brasileiro, já tão impactado pelo desemprego e endividamento, bem como os comerciantes, cujas possibilidades de investimento estão cada vez menores, ainda têm esperança de que o STF, nesta quarta-feira (31/10), reconheça a inconstitucionalidade da dupla incidência do IPI, no desembaraço aduaneiro e na simples revenda do produto importado. Seus ministros, certamente, saberão desempenhar a responsável função de guardiões da Constituição Federal e de seus princípios, restabelecendo a segurança jurídica e protegendo o consumidor brasileiro contra a tributação ilegal e inconstitucional.

Autores

  • é advogado, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e colaborador da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

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