Opinião

Obra de Rodrigo Mudrovitsch é estudo aprofundado sobre a democracia no Brasil

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17 de outubro de 2018, 14h08

Obra pode ser adquirida pela Livraria ConJur.

Se eu fosse dar um título a esta resenha, seria “A Constituição como condição de possibilidade para a preservação da democracia”. Há duas décadas que venho travando uma luta contra decisionismos, discricionariedades e contra o ativismo judicial. Não se pode esquecer que judicialização da política e ativismo judicial são fenômenos distintos. O primeiro é contingencial, fruto de um contexto caracterizado pela necessária implementação de direitos, por um déficit na atuação dos demais Poderes. O segundo, por sua vez, está relacionado a um problema hermenêutico, isto é, à pergunta sobre como se decide. O ativismo judicial consiste numa postura do Judiciário, extrapolando os limites constitucionais de sua atuação.

Quando não construímos as condições de possibilidade para a constitucionalização do próprio debate acerca do Direito em um país como o Brasil, é porque há um corpus de representações que obstaculiza esse objetivo. No momento em que o Poder Judiciário continua julgando de forma solipsista, como se não houvesse ocorrido o “acontecimento da Constituição”, pode-se dizer que estamos diante de uma crise de paradigmas.

A questão é que, embora a Constituição aponte para um novo Direito de perfil transformador, nossos juristas, inseridos em um senso comum teórico, continuam a “operar” (salas de aula, doutrina e práticas tribunalícias) como se o Direito fosse uma técnica, ou seja, uma mera racionalidade instrumental. Direito e democracia são inseparáveis.

Uma democracia se consolida quando todos os Poderes da República apreendem que a Constituição é a explicitação do contrato social e o estatuto jurídico do político. Estranhamente, no entremeio de uma crise política, alguns brasileiros — que se julgam mais virtuosos que os demais — querem fazer crer que a culpa da corrupção é da Constituição.

É como se democracia fizesse mal a um país. Não é possível defender a coerência e integridade do Direito em um sistema jurídico (re)construído ad hoc ou, se se quiser dizer de outro modo, a partir de estados de exceção.

Se ao Judiciário é vedado qualquer “estado de exceção hermenêutico” — através do ativismo judicial que deságua em arbitrariedades interpretativas —, muito menos se pode falar em quebra do próprio regime democrático. A profissão de fé dos juristas na democracia depende de um Estado Democrático de Direito. E isso já o temos. A sua quebra implicaria quebra de compromissos.

É nesse quadro que se faz tão importante o trabalho Democracia e Governo Representativo no Brasil, de Rodrigo Mudrovitsch. Trata-se de estudo aprofundado sobre essa temática urgente, através de uma adequada abordagem histórica que revisita as principais reformas eleitorais brasileiras.

Rodrigo Mudrovitsch demonstra que a garantia da imprevisibilidade dos resultados eleitorais ocupa posição fundamental nas democracias contemporâneas. Nessa linha, estabelece pressupostos para a consolidação da democracia enquanto arranjo institucional que assegure ao cidadão o direito de escolher livremente quem governará a sociedade, sem captura do jogo democrático por um determinado grupo político.

A obra parte da necessidade de refinamento do que se entende por democracia, remetendo à implantação e desenvolvimento dos regimes democráticos para que se possa refletir criticamente sobre as nuances que envolveram os períodos de governo representativo no Brasil. O autor constata, a partir disso, que o governo representativo sofreu diversas transformações até alcançar um patamar democrático.

O trabalho denuncia, ainda, o surgimento de uma elite governante lastreada na burocracia partidária, compondo um “regime dual” que agregaria componentes aristocráticos e democráticos. O autor constrói um elo entre a atuação do Judiciário e democracia, sob um duplo viés, tanto a partir de um contramajoritário quanto em sua harmonização (coalizão) de interesses com as demais instituições políticas, pontuando elementos críticos a ambas situações.

Outro ponto relevante da obra diz respeito à análise da legislação eleitoral pré-democrática, que evidencia os artifícios utilizados pelas elites e a conformação dada aos sistemas eleitorais que contribuíram para a derrocada do fator imprevisibilidade dos resultados nas eleições. Além disso, ressalta que com o advento da Constituição de 1988 foi necessário um processo de adequação das normas eleitorais que permitisse a transição de um regime autoritário para um regime democrático, tornando fundamental um esforço interpretativo direcionado à recepção da legislação eleitoral pré-constitucional.

A obra contribui, portanto — nestes tempos difíceis —, para evitar uma invocação ad hoc dos pressupostos democráticos de análise do Direito, argumentando que o estudo da jurisdição constitucional deve ser atravessado por uma análise aprofundada do que se entende por democracia, representação e contramajoritarismo, conceitos estes muito bem discutidos por Rodrigo. Particularmente, saúdo o autor por contribuir para a reflexão sobre o modo como esses conceitos têm sido invocados em nossa prática jurídica. Um excelente livro, pois!

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