Opinião

Os possíveis impactos da Resolução 30 do Coaf no mundo do futebol

Autor

  • Milton Jordão

    é advogado presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-BA e ex-membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.

14 de outubro de 2018, 6h32

Na sessão do dia 25 de abril, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), da Receita Federal, após seis anos da alteração legislativa na Lei 9.613/1998, regulamentou os procedimentos a serem observados pelas pessoas físicas e/ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas ou artistas.

Neste singelo espaço, tecerei algumas considerações sobre tal instrumento normativo no que tange às suas repercussões no mundo do futebol profissional.

Como fiz referência anteriormente, essa resolução nasceu de autorização expressa na Lei de Lavagem de Capitais, que, em face da Lei 12.683/2012, deu nova redação ao artigo 9º, transformando aqueles que atuam diretamente na transferência de atletas em sujeito submetido a obrigações contidas na referida legislação.

Ora, a Resolução 30/2018, portanto, não deveria ser uma novidade ou causa de espanto por parte de tais atores que atuam na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, afinal, a lei penal foi alterada em 2012 e somente agora o Coaf a regulamentou.

Todavia, segundo se infere, ela tem sido razão de alvoroço e assombro.

Primeiramente, porque muitos dos ditos atores nem sequer tinham ciência de que eram submetidos a tais obrigações. Aliás, a definição de quem deverá se submeter ao novel regramento é — ainda — desconhecida.

Vejamos bem, a normativa exige que será por ela alcançado quem promove, intermedeia, comercializa, agencia ou negocia direitos de transferência de atletas. Ao meu juízo, clubes e agentes surgem como sujeitos que devem obediência à regra. E, também, os próprios atletas, que são donos dos seus direitos econômicos e, por conseguinte, titulares do que se denominou na resolução de direitos de transferência.

Cediço que tais verbos-núcleo são vinculados àqueles que detêm os direitos econômicos dos atletas, ou que de alguma maneira possam neles influir diretamente. Quer dizer, passem a figura em algum contrato de transferência de atleta.

Penso que ainda não será de imediato que os clubes serão instados a cumprir tal regramento, sobretudo porque o Coaf, que poderia ter concebido uma normativa mais elaborada e exclusiva para a questão esportiva, praticamente repetiu a Lei de Lavagem de Capitais, o que, para mim, demonstra que faltou uma maior aproximação — inclusive, terminológica — do mundo desportivo. Certamente, até que se compreendam os seus reais alcances, padecerão de imediato os empresários, que numa primeira mirada seriam aqueles a que a resolução se destinaria. Mas, ao meu juízo, verbos como negociar e comercializar se enquadram perfeitamente em ações exclusivas dos clubes de futebol, portanto, lançando-os sob a mira do Coaf.

Uma outra questão curiosa surge: essa transferência seria apenas nacional ou internacional; ou, se aplica nos dois casos? Tanto a lei penal quanto a resolução não delimitam expressamente, devendo o ator envolvido no negócio jurídico supor ser de qualquer das naturezas. Portanto, a partir de agora (digo, desde 4 de maio), todas as transferências de atletas que envolvam valores superiores a R$ 30 mil são objeto do Coaf (artigo 5º, inciso I, da resolução).

No que constituiriam as tão mencionadas obrigações dos atores envolvidos numa transferência de atletas? A resolução determina que tais pessoas monitorem os negócios jurídicos que pretendem realizar, avaliando o risco de incorrer na celebração de contratos maculos de suspeição quanto à sua licitude, sobretudo se cuidar de lavagem de dinheiro. Exige-se que tais pessoas (os atores) tenham identificação dos seus clientes e os demais envolvidos na transação (representantes e/ou procuradores), mantendo-os cadastrados.

As operações devem ser registradas, constando, detalhadamente, identificação do cliente e do atleta; descrição da operação, inclusive do serviço que for prestado; valor da operação e dos serviços; data; forma e meio de pagamento (cf. artigo 4º da resolução).

Além disso, é dever dos que se enquadram nessa resolução a comunicação das operações que superem o valor de R$ 30 mil, como dito antes, e que outras sejam também designadas pelo presidente do Coaf. Há, ainda, uma hipótese curiosa, que impõe dever de comunicação de qualquer operação que paire suspeita sobre sua licitude.

Traz-se, também, a imputação de sanções de natureza administrativa previstas na Lei de Lavagem de Capitais na hipótese de omissão do cumprimento das aludidas obrigações advindas da resolução.

Verifica-se que essa normativa traz inúmeras exigências, com sérias repercussões de natureza administrativa e até criminal, que demanda uma maior organização para os que por ela são alcançados.

Há muito tempo se tem que clubes e empresários deveriam pensar na implementação de programas de compliance como forma de se preparar para esta realidade, onde uma mazela poderá ocasionar um dano efetivo à imagem da instituição/empresa, além de produzir imputações de natureza administrativa e criminal, que podem atingir dirigentes e/ou sócios.

Ainda é cedo para se mensurar os impactos efetivos no mundo da bola, contudo, há um evidente risco de ser mais sério e contundente do que muitos creem. O despreparo e desorganização são inimigos terríveis que os atores numa transferência de atletas poderão encontrar. 

Um negócio que antes era bem simples e não tinha tanta supervisão passou a exigir de quem dele vive maiores cautelas, sobretudo na avaliação a respeito da sua celebração.

A Resolução 30/2018 do Coaf imputa àquele por ela vinculado a responsabilidade de ser garantidor da higidez e licitude dos negócios celebrados, sob pena até mesmo de se responder por prática de crime de lavagem de dinheiro.

Naturalmente, esta normativa é um claro sinal de avanço e de que uma atividade tão rentável como futebol não mais será vigiada à distância; mas será preciso, em breve, ser atualizada e melhor ajustada às peculiaridades de tão complexas negociações, como no mundo do futebol.

Apesar disso, descortina-se uma novel realidade, que para muitos é algo do futuro: o mundo do compliance no futebol é um presente para aqueles que desejam dele sobreviver, e quem não se enquadrar em breve viverá somente do passado.

Autores

  • é advogado criminalista, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Conselho Estadual da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil, procurador e ex-defensor dativo do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol da Bahia, diretor presidente do Instituto de Direito Desportivo da Bahia (IDDBA), membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e professor de Direito Penal da Faculdade Ruy Barbosa.

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