Opinião

O corte etário e o ano letivo de 2019: qual regra seguir?

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17 de novembro de 2018, 5h39

Gabriela reside em um dos oito estados brasileiros que não segue o corte etário definido em 2010 pelo Ministério da Educação. Essa regra, que foi alvo de uma intensa batalha judicial, exige que a criança tenha 6 e 4 anos completos até o dia 31 de março do ano de sua matrícula no 1º ano do ensino fundamental e na pré-escola, respectivamente. A decisão do Supremo Tribunal Federal que julgou sua constitucionalidade ainda não foi publicada. Como Gabriela completará 6 anos em junho de 2019, a escola privada onde estuda decidiu que ela ficará retida na pré-escola e não poderá cursar o 1º ano do ensino fundamental no próximo ano.

O STF e o corte etário
Com placar apertado, o STF concluiu, em 1º de agosto deste ano, por 6 a 5, o julgamento de duas ações relativas ao chamado corte etário: a Ação Declaratória de Constitucionalidade 17, que foi ajuizada, em 2007, pelo governador de Mato Grosso do Sul e pleiteava a declaração de constitucionalidade da norma da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) que prevê a idade de 6 anos completos para o início do ensino fundamental; e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 292, proposta em 2013, pela Procuradoria-Geral da República, que questionava a constitucionalidade das resoluções 1/2010 e 6/2010 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE/CEB), devidamente homologadas pelo MEC, que exigem que a criança tenha 6 e 4 anos completos até o dia 31 de março do ano de sua matrícula no 1º ano educação fundamental e pré-escola, sob o argumento de que esse critério violaria o princípio da igualdade e da acessibilidade à educação básica obrigatória.

O voto de minerva da então presidente da corte, Cármen Lúcia, encerrou o imbróglio jurídico que perdurou anos ao decidir que é constitucional a exigência de 6 anos de idade para ingresso no ensino fundamental e que cabe ao MEC a definição do momento em que a criança deverá preencher o critério etário. Não há mais dúvidas, após esse julgamento, de que o critério etário definido pelo MEC nas resoluções 1/2010 e 6/2010 do CEB/CNE deve ser seguido nacionalmente, por todos estados e municípios, e aplica-se indistintamente à rede pública e privada.

A decisão do STF deixa claro que o corte etário é uma norma geral de educação, cuja competência é da União. Aliás, não poderia ser diferente, pois a LDB atribui à União a coordenação da política nacional de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas de ensino, com função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais. Por se tratar de matéria de competência legislativa concorrente, cabe à União estabelecer normas gerais de educação, e aos estados, suplementá-las. Na prática, essa atribuição é exercida pelo MEC, assessorado pelo CNE. Com 26 estados, um Distrito Federal e 5.570 municípios, se não houver uma data unificada em todo o território nacional, a coordenação da política nacional de educação fica prejudicada, gerando insegurança jurídica até mesmo em casos corriqueiros como o de transferência de alunos.

A diversidade de limites etários que coexistem
Embora vigentes desde 2010, as resoluções do CNE não eram observadas de modo uniforme em todo o território nacional. Muitos entes da federação não adotavam essa regra, amparando-se em leis próprias, resoluções de conselhos estaduais ou municipais ou mesmo decisões judiciais.

As resoluções já estiveram suspensas por decisão judicial em 12 estados e, até o julgamento do STF, continuavam em sete (MG, BA, TO, MA, RN, PA e RO). Apenas para se ter um exemplo da diversidade de regras existentes e que coexistiam, na cidade de São Paulo, o sistema de ensino municipal observava o corte etário previsto pelo CNE, e o sistema de ensino estadual, o limite etário fixado em 30 de junho pelo Conselho Estadual de Educação.

Em função dessa situação, as escolas não sabem ao certo o que fazer no próximo ano letivo, especialmente se não observavam o critério etário do MEC/CNE. Na dúvida, muitas escolas estão impedindo que crianças tenham assegurada a progressão na sua trajetória educacional, separando-as do seu grupo original.

Ocorre que essas dúvidas e incertezas são decorrentes de uma desinformação generalizada, pois já existe uma regra de transição a ser observada.

A regra de transição do MEC
Para eliminar dúvidas e incertezas, o MEC editou a Portaria 1.035/2018, publicada no dia 8 de outubro, que homologou o Parecer CNE/CEB 2/2018, aprovado em 13 de setembro, e orientou todos os sistemas de ensino.

O MEC reafirmou que a data de corte a ser observada em todo território nacional é a definida nas resoluções 1/2010 e 6/2010 e que todas as novas matrículas de crianças, tanto na pré-escola quanto no ensino fundamental, a partir do ano letivo de 2019, serão realizadas considerando a data de corte de 31 de março. Frisou que as normatizações vigentes produzidas pelos sistemas de ensino estaduais e municipais que estejam em dissonância precisarão ser revisadas e alinhadas ao critério etário nacional.

Para nortear os sistemas de ensino que não observavam o corte etário nacional até o julgamento do STF, o MEC previu uma regra de transição. Garantiu o direito das crianças que, até a data da publicação da portaria, já se encontravam matriculadas e frequentando instituições educacionais de educação infantil, tanto na etapa da creche quanto na pré-escola, à progressão para as etapas subsequentes, sem interrupção, mesmo que sua data de nascimento seja posterior ao dia 31 de março. A norma do MEC enfatizou que o direito à continuidade do percurso educacional é da criança, independentemente de mudança/transferência de escola ou de sua mobilidade no território nacional.

É importante observar — relembrando o que já decidiu o Pleno do STF, na Reclamação 2.576-4/SC (2004) e nos Embargos de Declaração na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.756-1/DF (2007) — que as decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a exemplo das ações ADC e ADPF, produzem efeitos a partir da publicação da ata de julgamento. No caso relativo ao corte etário, esse momento ocorreu precisamente no dia 8 de agosto (uma semana após o julgamento).

Como não há dúvidas, portanto, de que cabe ao MEC fixar o limite etário para ingresso na pré-escola e no ensino fundamental, é importante que os conselhos estaduais e municipais de educação orientem seus respectivos sistemas quanto à regra de transição em vigor. Não é necessário aguardar a publicação da decisão do STF para se ter um horizonte do que deve ser feito. A regra está posta e, segundo ela, Gabriela poderá seguir sua trajetória acadêmica e cursar o 1º ano do ensino fundamental em 2019.

Autores

  • é sócia do Hesketh Advogados, doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP, presidente-executiva do Instituto Articule e sócia efetiva do movimento Todos pela Educação. Foi consultora da Unesco e da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação.

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