Opinião

Perspectivas para a conferência sobre diversidade biológica

Autores

  • Leonardo Munhoz

    é pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas doutorando e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw) especialista em Contratos Típicos e Atípicos pela mesma instituição e bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

  • Rodrigo C.A. Lima

    é advogado sócio-diretor da Agroicone doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais e especializado em barreiras não tarifárias e desenvolvimento sustentável.

15 de novembro de 2018, 5h39

Entre os dias 17 e 27 de novembro, em Sharm El-Sheik, no Egito, ocorrerá a 14ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e de seus Protocolos de Cartagena e Nagoya – COP14/MOP9 e MOP3.

A CDB é um tratado multilateral devidamente internalizado pela legislação pátria por meio do Decreto Legislativo 2 de 1994. Assim, as decisões adotadas pelas partes têm força vinculante, sendo hard law[1]. Porém, diferentemente do senso comum, que nos leva a crer que as partes negociam e discutem os temas exclusivamente na COP, no caso da CDB, os mesmos são debatidos de forma permanente em processos que ocorrem durante as reuniões de partes.

Estabelecidos por uma estrutura complexa, a qual é gerenciada pelo secretariado, esse regime é formado pelas reuniões do Subsidiary Body on Scientific, Technical and Technological Advice (SBSTTAs), dos Ad Hoc Technical Expert Groups (AHTEGs) e pelo auxílio dos fóruns on-line. A COP se caracteriza como o encontro mais importante dessa organização e o momento em que as partes podem adotar as decisões, formalizando e/ou conduzindo as negociações dos assuntos da agenda.

Nas COPs, as partes definem trabalhar em certo tema — o que pode se dar com base na criação de um AHTEG e/ou fórum on-line. As principais conclusões do AHTEG são endereçadas para as reuniões do SBSTTA, onde os conteúdos são colocados pelas partes com vistas a criar decisões preliminares que são direcionadas às reuniões das partes.

No tocante à COP14, vale salientar os seguintes temas negociados seguindo o enfoque os ATHEGs, fórum on-line e SBSTTA: biologia sintética (SynBio), informações de sequências digitais (Digital Sequence Information – DSI) e considerações socioeconômicas de impactos de organismos vivos modificados (Socio Economic Considerations – SEC). São assuntos essenciais associados ao desenvolvimento da biotecnologia e de novas tecnologias de edição gênica, utilizadas globalmente para inovação em inúmeras áreas de conhecimento.

A agenda de informações de sequências digitais surgiu no contexto das transações sobre biologia sintética. Partindo da premissa de que as novas tecnologias podem utilizar informações de origem genética, encontradas em diversas fontes e transcritas de múltiplas formas, especialmente in silico, é preciso compreender como essa questão se conecta e impacta as formas de acesso e repartição de recursos genéticos no escopo do Protocolo de Nagoya.

Tal ponto enseja dúvidas correlacionadas ao conceito das informações, que se estende desde como tratar do acesso e do desconhecimento sobre os países de origem do recurso genético, que deu origem à informação, até como tratar de informações criadas por meio de inteligência artificial e machine learning, além da incerteza na forma repartir benefícios, de regular o tema e não criar obstáculos para pesquisa e inovação.

Nesse sentido, em função da alta complexidade e da falta de experiências práticas, as partes não conseguiram avançar no SBSTTA22, em junho de 2018, permanecendo com posições completamente diversas: para parte dos países, os recursos genéticos não podem ser Informação digital, enquanto para outras os recursos podem ser informações e, portanto, podem ensejar repartição de proventos oriundos desses acessos.

A despeito de o Brasil não ter ratificado o Protocolo de Nagoya, o país ainda conta, desde 2001, com a legislação de acesso ao patrimônio genético, proteção e acesso ao conhecimento tradicional associado e de repartição de benefícios, instituída por meio da Medida Provisória 2.186-16 e posteriormente revogada pela atual Lei Federal 13.123/2015. Adicionalmente, é o único país no mundo que já explora a possibilidade do recurso genético do patrimônio nacional também ser “informação”, conforme redação do artigo 2º, I da lei:

Art. 2º Além dos conceitos e das definições constantes da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB, promulgada pelo Decreto n 2.519, de 16 de março de 1998, consideram-se para os fins desta Lei: I – patrimônio genético – informação de origem genética de espécies vegetais, animais, microbianas ou espécies de outra natureza, incluindo substâncias oriundas do metabolismo destes seres vivos.

Com isso, o Brasil tem a oportunidade de liderar as discussões de DSI na COP, se valendo dos instrumentos da lei nacional. Entretanto, deve levar em consideração que o conflito sobre definição de sequenciamento digital e as situações de acesso acima descritas, não esclarecidas na lei vigente, não são triviais e devem ser solucionados antes do início de conversas a respeito de possíveis repetições de benefícios.

Já o tema de SEC é derivado do artigo 26 do Protocolo de Cartagena, como medidas que podem ser aplicadas por um país importador, de maneira voluntária (não vinculante), ao decidir importar OVMs, ou seja, pode exigir que o país exportador leve em consideração os possíveis impactos socioeconômicos na aprovação de eventos OVMs:

The Parties, in reaching a decision on import under this Protocol or under its domestic measures implementing the Protocol, may take into account, consistent with their international obligations, socio-economic considerations arising from the impact of living modified organisms on the conservation and sustainable use of biological diversity, especially with regard to the value of biological diversity to indigenous and local communities[2].

De forma semelhante ao tema de DSI, SEC ainda não possui definição operacional específica. Apesar de as partes ainda não terem aprovado formalmente um conceito do que são as considerações socioeconômicas, o ATHEG propôs um guia de avaliação que oriente as partes a avaliar as considerações que contemplem questões sociais, culturais, religiosas e éticas na aprovação desses eventos, sem que decorram de danos concretos à biodiversidade.

Apesar de o artigo 26 mencionar que as considerações seriam voluntárias, a partir do momento em que um país decidisse adotá-las quanto à importação de algum produto, a exigência recairá ao país exportador, que deverá cumpri-la sob pena de não ter a permissão de vender seus produtos. Deste racional, conclui-se que as medidas seriam voluntárias para quem as aplicasse, e mandatórias para os países exportadores.

Além disso, o artigo 26 deixa claro que os argumentos devem seguir acordos internacionais. Levando em conta o conceito não aprovado, mas adotado pelos coordenadores do ATHEG, é razoável imaginar que as medidas poderiam facilmente criar barreiras não tarifárias ao comércio, descumprindo o Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Acordo SPS) e o Acordo de Barreiras Técnicas (Acordo TBT), bem como o artigo XX (b) do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio da Organização Mundial do Comércio, que permitem a adoção de medidas que tenham como objetivo proteger a saúde humana, animal e ambiental quando haja justificativas científicas para tanto. Entretanto, a falta de nexo causal entre uma consideração socioeconômica e impactos efetivos à biodiversidade sugere que não é qualquer consideração que pode ser acolhida no âmbito do artigo 26.

Vale considerar que as deliberações sobre esses temas serão consideráveis para o futuro das regulamentações internacionais diretamente ligadas à pesquisa e à inovação no setor agropecuário, de medicamentos humanos e veterinários, de energias renováveis, cosméticos, entre outros.

Por fim, cabe dizer que é na COP14 que as partes começarão a debater o futuro das metas de biodiversidade, as quais têm data limite para aprovação em 2020 e propõem a criação de novas intenções, alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Tenho em vista a crescente importância desses assuntos e desse evento, a participação do setor privado nas COPs se torna cada vez mais expressiva, seja porque os setores serão fundamentais para ajudar a alcançar as metas e objetivos da CDB, seja porque é nesse foro que se definem as regras multilaterais ligadas ao uso sustentável da diversidade biológica.


[1] Ver Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm
[2] Protocolo de Cartagena, artigo 26. Disponível em http://bch.cbd.int/protocol/text

Autores

  • é advogado, pesquisador da Agroicone, mestre em Direito Ambiental Internacional e mestrando em Direito dos Negócios.

  • é advogado, sócio-diretor da Agroicone, doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais e especializado em barreiras não tarifárias e desenvolvimento sustentável.

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