Opinião

Súmulas do STJ podem servir como base para concessão de tutela de evidência

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25 de maio de 2018, 10h42

O presente artigo visa demonstrar que as súmulas do Superior Tribunal de Justiça podem ser utilizadas para concessão de tutela de evidência, nos termos do artigo 311, inciso II do CPC.

A discussão traz importante relevância, visto que a concessão da referida tutela, baseada em súmula do STJ, afasta a necessidade de demonstração do perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo em inúmeras situações, o que é uma exigência das demais tutelas provisórias do CPC.

O artigo 311, do CPC, diz que:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

Ocorre que, ao restringir a utilização de tese firmada em súmula vinculante, o legislador, aparentemente, restringiu a concessão da referida tutela no âmbito do direito infraconstitucional, baseado em súmula editada pelo STJ, tendo em vista que as súmulas vinculantes estão restritas à edição do STF, em matérias constitucionais, nos termos do artigo 103-A da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional 45/2004.

Cumpre, portanto, analisar se somente as matérias constitucionais poderão ser alegadas para concessão da tutela prevista no artigo 311, inciso II, com base em tese firmada em súmula, ou se tal instituto poderia ser estendido às matérias infraconstitucionais.

Inicialmente, ressaltamos que não parece ser a vontade do legislador restringir à matéria constitucional a previsão do artigo 311, inciso II, quando permite a concessão baseada em tese firmada em julgamento de casos repetitivos, o que ocorre também no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Tal restrição foi imposta, por exemplo, em relação à reclamação, quando no artigo 988, inciso III traz que esta caberá para garantir observância de súmula vinculante ou decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade.

Isto posto, cabe discorrer quanto ao efeito vinculante das súmulas do STJ, diante das alterações legislativas propostas pelo CPC, e os princípios que norteiam o processo civil brasileiro, notadamente os princípios da segurança jurídica, da isonomia e da celeridade processual.

Cabe salientar que, por se tratar de matéria constitucional, não poderia o Código de Processo Civil atribuir efeito vinculante às súmulas do STF, devendo, pois, serem feitas, de fato, por emenda constitucional, tal qual ocorrido.

Porém, em matéria infraconstitucional, de competência do STJ, o CPC pode atribuir efeito vinculante às súmulas, o que, em detida análise, parece ter ocorrido.

O novo Código de Processo Civil foi elaborado buscando a uniformização e estabilização das decisões de nossos tribunais, o que traz maior segurança jurídica ao nosso ordenamento, em detrimento de decisões divergentes e esparsas que possivelmente podem ser emitidas nos tribunais do país, definindo como deverá ser feita essa uniformização. O que pode ser constatado nos artigos 926 e 927 do CPC:

Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II – os enunciados de súmula vinculante;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

O artigo 926 traz a diretriz que deve ser seguida pelos tribunais do país, dizendo que, para uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes à sua jurisprudência dominante, nos termos do seu regimento interno.

Já o caput do artigo 927 do CPC é simples, claro e direto ao dizer que os juízes e tribunais observarão os enunciados de súmulas, ou seja, ao que parece, estão os tribunais vinculados. Não é uma faculdade, mas, sim, um dever observar os enunciados de súmulas do STJ em matéria infraconstitucional, nos termos do inciso IV do artigo 927.

Ou seja: as súmulas do STJ foram equiparadas às súmulas vinculantes (que constam no inciso II do artigo 927) pelo novo Código de Processo Civil. Não obstante, foram também equiparadas aos acórdãos proferidos em resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, conforme dispõe o inciso III do artigo 927.

Não por acaso, também, é o artigo 121-A do regimento interno do STJ:

Art. 121-A. Os acórdãos proferidos em julgamento de incidente de assunção de competência e de recursos especiais repetitivos bem como os enunciados de súmulas do Superior Tribunal de Justiça constituem, segundo o artigo 927 do Código de Processo Civil, precedentes qualificados de estrita observância pelos Juízes e Tribunais.

Vejam que o regimento do STJ determina que os enunciados de súmulas constituem precedentes qualificados de estrita observância pelos juízes e tribunais.

Assim, parece-nos correto afirmar que, muito embora o legislador tenha usado o termo vinculante no inciso II do artigo 311, os enunciados de súmulas do STJ devem servir para concessão da tutela de evidência, se preenchidos os demais requisitos.

Isto porque não se pode analisar a literalidade da lei isoladamente dos demais preceitos legais, acima expostos, e, ainda, dos princípios que norteiam o instituto.

Temos que o princípio da celeridade processual é um dos princípios que norteiam a concessão da tutela de evidência. Aqui, deve-se entender o princípio não somente relacionado à razoável duração do processo, do seu início até o final, mas, sim, como uma resposta mais célere possível aos anseios daquele que precisou buscar ajuda do Judiciário para obter o seu direito, que, no caso do presente artigo, é tão palpável que já teria sido objeto de inúmeras análises do STJ, e obteve tamanha relevância que se decidiu, com base no artigo 926 do CPC, editar uma súmula para manter a coerência das decisões e estabilizar o direito, com obrigatória observância das instâncias inferiores, nos termos do artigo 927 do mesmo diploma.

O princípio da segurança jurídica está intimamente ligado à confiança. As súmulas no novo ordenamento jurídico trazido pelo Código de Processo Civil servem exatamente para trazer a confiança ao postulante de que, em um Judiciário com decisões esparsas, determinado tema, reiteradamente debatido e decidido pelo tribunal superior, será decidido pelas instâncias inferiores na forma como a tese foi fixada na súmula.

Já o princípio da isonomia traz o dever de o Judiciário aplicar solução idêntica para casos idênticos, o que é também um dos princípios norteadores das edições de súmulas pelos tribunais superiores.

Portanto, em uma melhor interpretação dos dispositivos legais constantes nos artigos 311, inciso II, 926 e 927 do CPC, em conjunto com o disposto no artigo 121-A do Regimento Interno do STJ, e ainda baseado nos princípios da celeridade processual, da segurança jurídica e da isonomia, temos que as súmulas editadas pelo STJ podem servir como base para concessão de tutela de evidência, desde que as alegações de fato tenham sido comprovadas documentalmente.

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