Opinião

As mudanças no Código de Trânsito Brasileiro com o advento da Lei 13.546

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16 de maio de 2018, 6h33

O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997), ao longo de toda a sua existência, já passou por inúmeras modificações no intuito de conter o alto índice de mortes causadas em decorrência de acidentes nas vias brasileiras; nesse contexto, utilizamos o presente artigo para tratar a respeito das recentes inovações trazidas com o advento da Lei 13.546/2017.

Assim, visando o enrijecimento das punições atinentes aos crimes culposos cometidos na direção de veículo automotor, a novel legislação trouxe importantes alterações às redações dos artigos 291, 302, 303 e 308 do CTB, consoante trataremos a seguir.

Preliminarmente, o que se observa nas mudanças são os acréscimos das penas, de tal modo que retira do delegado de polícia o poder de arbitrar a fiança. Pois é cediço que a autoridade policial somente poderá arbitrar fiança nos crimes cujas penas sejam de detenção e de reclusão desde que, in casu, a pena máxima não seja superior a 4 anos; isso, conforme as disposições estabelecidas pela Lei 12.403/2011.

Todavia, outras inovações também restaram identificadas, tais como a previsão de regramentos a serem seguidos para a fixação da pena-base, além da inserção de algumas condutas típicas.

Nesses termos, e diante do cenário por ora exposto, passaremos à análise de todas as preditas alterações.

Artigo 291 da Lei 9.503/97
Passou a vigorar acrescido dos parágrafos 3º (vetado) e 4º:

Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.

(…)

§3º. (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.546, de 2017) (Vigência)

§4º. O juiz fixará a pena-base segundo as diretrizes previstas no art. 59 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), dando especial atenção à culpabilidade do agente e às circunstâncias e consequências do crime (Incluído pela Lei 13.546, de 2017) (Vigência).

Depreende-se, a partir da análise geral do CTB, que referida compilação tipifica uma série de condutas praticadas na direção de veículos automotores, no entanto, determina em seu artigo 291, caput, que: “Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber”.

Nesses termos, percebe-se que o CTB não traz regras detalhadas a respeito da dosimetria da pena, ao passo que devem ser aplicadas as normas contempladas no Código Penal.

Ocorre que a Lei 13.546/2017 acrescentou o parágrafo 4º ao artigo 291, do CTB, estabelecendo que: “§ 4º. O juiz fixará a pena-base segundo as diretrizes previstas no art. 59 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), dando especial atenção à culpabilidade do agente e às circunstâncias e consequências do crime”. Assim, tem-se basicamente que, nos casos envolvendo crimes de trânsito, o juiz, ao fixar a pena-base, deverá dar maior relevância à culpabilidade do agente, às circunstâncias e às consequências do crime.

Ou seja, ele continuará a examinar todas as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal e, apenas atribuirá maior magnitude àquelas expressamente previstas no já reiteradamente mencionado parágrafo 4º, do CTB.

Artigo 302 da Lei 9.503/97
Passou a vigorar acrescido do parágrafo 3º:

Art.302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

§3º. Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas – reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Situação essa através da qual o legislador criou a figura do homicídio culposo no trânsito qualificado pela embriaguez ao volante, cuja pena prevista é de reclusão — de 5 a 8 anos — e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor; portanto, cabendo a autuação em flagrante e vetando o arbitramento de fiança pelo delegado de polícia.

Por oportuno, frise-se que as disposições acrescidas pelo parágrafo 3º ao artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro não punem o simples fato de o indivíduo dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, mas, sim, o fato de praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor e sob o efeito de uma dessas referidas substâncias.

Logo, o crime de embriaguez ao volante permanece inalterado consoante os termos do artigo 306, do CTB.

Artigo 303 da Lei 9.503/97
Passou a vigorar acrescido do parágrafo 2º, numerando-se o atual parágrafo único como parágrafo 1º:

Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:

§ 1º. (…)

§ 2º. A pena privativa de liberdade é de reclusão de dois a cinco anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo, se o agente conduz o veículo com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima.

Na oportunidade, observa-se que a Lei 13.546/17 estabeleceu uma qualificadora ao crime de lesão corporal culposa praticada na direção de veículo automotor, desde que: “(…) O agente pratique o tipo previsto no artigo 303 do CTB com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, e se do crime resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima”. E, assim como no tipo previsto pelo artigo 302, parágrafo 3º, do CTB, cabe a respectiva autuação em flagrante, no entanto, retira do delegado de polícia o poder de arbitrar a fiança.

Diante da referida alteração, há de se esclarecer que, na hipótese de o agente, sob a influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência, causar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima a alguém no trânsito, ele não responderá pelos delitos previstos nos artigos 303 e 306 em concurso de crimes, mas apenas pelo tipo estabelecido no artigo 303, parágrafo 2º, do CTB.

Contudo, havendo a prática do tipo previsto no caput do artigo 303 (lesão corporal culposa) e artigo 306, tem-se que não é cabível o princípio da consunção entre os crimes de embriaguez ao volante e lesão corporal culposa, de acordo com o entendimento exarado pela 5ª Turma do STJ:

STJ – Recurso Especial: REsp 1688517 MS 2017/0200105-9
(…) não cabe o princípio de consunção entre os crimes de embriaguez ao volante e lesão corporal culposa na direção de um automóvel, porque os dois delitos tutelam bens jurídicos distintos. Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou um pedido de absorção de um crime. (Processo REsp 1688517 MS 2017/0200105-9. Publicação DJ 27/11/2017. Relator Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA)

STJ – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL: AgRg no REsp 1582511 TO 2016/0045829-2
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. DELITO DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICAÇÃO. INVIABILIDADE. CRIMES AUTÔNOMOS. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Inviável a aplicação do princípio da consunção ao caso, porquanto o crime de embriaguez na direção de veículo automotor não foi praticado como meio necessário para a execução do crime de lesão corporal. Precedentes.

2. Agravo regimental desprovido. (Processo AgRg no REsp 1582511 TO 2016/0045829-2. Órgão julgador T5 – QUINTA TURMA. Publicação DJe 14/03/2018. Julgamento em 1 de março de 2018. Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK)

Artigo 308 da Lei 9.503/97
Passou a vigorar com alteração no seu caput:

Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente, gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada:

§1º. (…)

§2º. (…)

Tem-se, portanto, que a redação da Lei 13.546/2017 acrescentou ao artigo 308 do CTB a seguinte expressão: “Ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor”; com isso, a mera execução de manobras arriscadas na direção de veículo automotor passou a ser tipificada também como crime, mesmo diante da inexistência de corrida, disputa ou qualquer outro tipo de competição automobilística.

Importante ressaltar que a pena prevista para o caput desse artigo permanece a mesma anteriormente prevista pela Lei 12.971/2014, de modo a permitir o arbitramento de fiança pelo delegado de polícia:

Penas – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. (Redação dada pela Lei 12.971, de 2014) (Vigência).

No entanto, se da prática do crime previsto no caput do artigo 308 resultar lesão corporal grave ou morte, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, incidirá, respectivamente, as qualificadoras dos parágrafos 1º e 2º, retirando a possibilidade de o delegado arbitrar a fiança.

Imperioso explicitar, ainda, que as demais disposições contidas no CTB permanecem inalteradas; logo, conclui-se que, nos casos de acidentes de trânsito onde resulte vítima, continua vigente a regra de que não se imporá a prisão em flagrante nem se exigirá fiança, quando o condutor prestar pronto e integral socorro àquela.

No crime de embriaguez ao volante somado a lesão grave, gravíssima ou morte, o motorista que socorre a vítima não será preso pelo crime único de lesão corporal qualificada, como também não o será pelo homicídio qualificado.

Com relação ao crime de embriaguez com lesão leve, o motorista que socorre a vítima não será preso em flagrante pela lesão corporal culposa, mas poderá ser preso por outro delito. Exemplo, a embriaguez ao volante.

Não podemos olvidar que o rigor da novel lei restou configurado no aumento das penas. Já quanto ao fator da liberdade do autor dos fatos, apenas retirou da autoridade policial o direito de arbitrar a fiança; pois, quando o procedimento chegar ao Poder Judiciário, tratando-se de crimes culposos, a liberdade do autor deverá ser restabelecida pelo fundamento de que não existe no rol dos requisitos para a decretação de prisão preventiva, o tipo culposo. Senão vejamos:

Art. 313 do CPP, com redação dada pela Lei 12.403/2011:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

I – Nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

II – Se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

IV – (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).

Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Por fim, mas não menos importante, esclarece que as alterações trazidas pelo advento da Lei 13.546/2017 somente entraram em vigor após 120 dias de sua publicação oficial, a qual se efetivou no Diário Oficial da União em 20 de dezembro de 2017; e, por força do princípio da irretroatividade da norma penal maléfica, não retroagirá aos casos anteriores.

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