Valores extraídos de uma experiência de mais de meio século de advocacia
10 de maio de 2018, 6h10
Conforme ponderei em recente entrevista ao Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), não me considero credenciado a ditar lições profissionais aos colegas mais jovens. O que no máximo consigo, e mesmo assim timidamente, é tentar repassar-lhes o legado da experiência do mais de meio século — para ser exato, 53 anos — consumido em patrocínios diversos.
Dessa vivência extraio os valores que reputo úteis a qualquer representação judicial. Formam eles um sexteto que, à míngua de melhor nome, chamei de “os seis Cs”, submetendo-os, aqui e agora, à douta crítica dos noviços, que a essas sugestões emprestarão a importância que entenderem. Sublinho: são referências abstratas e genéricas, várias delas amparadas no nosso estatuto ético, mas adaptáveis, sem prejuízo da imanente essência, às características pessoais de cada qual e às particularidades da liça enfrentada.
São eles:
1º C — Cordialidade, significando o respeito, a atenção e a polidez devidos a todo e qualquer companheiro de atividade, independentemente de sua idade, do seu prestígio e da eventual fama. Atitude essa por igual implementada relativamente aos demais atores da cena forense, magistrados das instâncias judicantes, representantes do Ministério Público, servidores do Judiciário e órgãos colaboradores. A nenhum deles, mesmo se reptado ou provocado, o advogado recusará tratamento sereno e urbano, o que jamais se confundirá, à luz do caso concreto, com adulação, subserviência ou poltronice de nenhum tipo.
2º C — Combatividade, traduzindo a insistência, nos limites da lei, quanto ao procuratório dos litígios de cuja razoabilidade jurídica haja consciente e firme convencimento. Os tropeços e malogros encontrados nas vias de impetração jurisdicional não devem resultar em desânimo ou abatimento, tampouco na sensação de que tudo está perdido e, por isso, a causa patrocinada mereça ser lançada às urtigas. O advogado deve lealdade a quem o constituiu — o seu cliente —, razão pela qual não lhe é permitido impressionar-se pelo poderio do adversário, ou pela antipatia ou impopularidade da lide apadrinhada. Doutro lado, o bom combate do advogado não envolve a interposição de um recurso pelo só e simples fato da existência de prazo para tanto aberto. Mais é necessário, principalmente a honesta crença do patrono-recorrente na consistência do direito pleiteado. Em suma, a sadia combatividade não há de trasmudar em instrumento de uma repulsiva chicanice, ou de uma não menos condenável forma de protelação executiva.
3º C — Curiosidade intelectual, no sentido de manter-se o advogado sintonizado com a evolução do Direito advinda das novas leis, das inovações doutrinárias e das (não raras) alterações nos humores e convicções dos pretórios. É dizer, o advogado não pode se contentar com as ensinanças recolhidas nos cursos de formação, por mais sólidas, respeitáveis e imutáveis que pareçam. Os ensinamentos acadêmicos não exaurem o conhecimento técnico ou humanístico contemporâneos. A frequente visita aos sites jurídicos, a apuração da jurisprudência atualizada, a leitura das obras jurídicas, das biografias dos juristas de escol, das criações literárias, inclusive dos romances e outras obras de ficção que ajudem a captar o sentimento coletivo e as mudanças nos padrões sociais, tudo isso é indispensável para o causídico que pretenda ser alguém do seu tempo, jamais um dinossauro fossilizado, um paleolítico experto, quiçá um ex-erudito…
4º C — Compostura. Advogado não é artista de novela, modelo de moda ou cirurgião plástico de celebridades. Muito menos cerveja, ou sabonete. A dignidade da advocacia dispensa que o militante da profissão seja publicamente reconhecido com vivas e olás, ou instado a distribuir autógrafos. Bem ao contrário, o advogado deve reverência à sobriedade que, tradicional e felizmente, envolve as suas nobilíssimas tarefas. Noutras palavras, não pode se render à sedutora “síndrome dos holofotes”. Ou, para lograr a comemoração festiva dos seus feitos forenses, estabelecer abusivas intimidades com a mídia, sugerindo, a troco de inconfidências eticamente vedadas, a divulgação da sua sorridente fotografia, ou de notas simpáticas nas colunas jornalísticas mundanas. Comportamento desse jaez projeta-se, ex longo e negativamente, no conceito popular sobre toda a classe, como se todos os advogados fossem exibicionistas e jactanciosos, ferrenhos admiradores de si mesmos que diuturnamente indagam aos escudetes: “Espelho meu, existirá algum advogado melhor do que eu?”.
5º C — Clareza expositiva, de que a concisão é requisito subjacente. A técnica do “corta e cola” vem transformando as petições em amazônicos arrazoados que, além de provocarem cansaço e sonolência, são contraproducentes aos fins por eles em tese visados. Porque maçantes, enjoativas e monocórdicas, as intermináveis laudas causam justa irritação àqueles que deveriam digeri-las. Parafraseando Nelson Rodrigues, neste meio século de tribuna convenci-me de que, acima de tudo, a prolixidade é visceralmente burra, asnática e idiota. O mesmo vale para as defesas orais, que não se destinam ao prazer da verborragia e ao deleite de ouvir-se a própria voz e, mercê disso, enfadar aos já irritados ouvintes. Nas peças advocatícias, escritas ou verbais, será indispensável resumir ao essencial a fundamentação do pedido e a pretensão deduzida, a tudo tornando claro e objetivo, em consequência omitindo saudações carregadas de servil capachice, as dissertações quilométricas, os arroubos oratórios, a grandiloquência ridícula, a pompa grotesca e os gestos peculiares aos tenores de óperas bufas.
6º C — Cooperação com as entidades de classe, oficiais e privadas, visto que unicamente a elas está reservada a representação da nossa categoria e, portanto, a sua defesa e a veiculação do ideário da advocacia, bem como daquilo que expressa as perenes prerrogativas inerentes à liberdade e à autonomia profissionais.
Perfilhar esses “seis Cs” não garantirá, a ninguém, vitórias processuais. Nem sequer alguma gratidão dos constituintes vitoriosos. Também não, e em nenhuma hipótese, honorários mais polpudos… Contudo, certamente servirá a que o advogado calouro, assim honrando e valorizando a profissão que resolveu exercer, se sinta orgulhoso e em paz consigo mesmo.
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