Opinião

Ação de investigação judicial eleitoral contribui para a democracia

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7 de junho de 2018, 10h15

“A democracia é o governo do povo,
pelo povo,
para o povo”
Abraham Lincoln

O Estado Democrático funda-se na premissa de que os cidadãos participam da tomada de decisões e da criação de políticas públicas, sendo o governo formado pelos próprios cidadãos, eleitos de forma livre e consciente pelos demais[1]. Daí porque o poder, no Estado Democrático, “se assenta na autoridade que lhe empresta o consentimento dos governados”[2].

Dessa forma é que nosso regime político democrático pressupõe que todo o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes eleitos, sendo que a escolha dos representantes deve ocorrer por meio de procedimento legal que respeite os valores constitucionais, bem como através de disputa eleitoral com ampla liberdade para a divulgação de ideias e ideologias realizada com transparência e lisura. Por isso a importância do respeito ao procedimento eleitoral a fim de permitir a legitimidade das eleições e dos eleitos em consonância com a vontade popular[3].

É o cidadão, em última análise, quem escolhe o destino do Estado que integra por meio da eleição de mandatários do poder que originalmente lhe pertence.

Preocupa-se nossa Constituição com o modo como tal poder será exercido e a forma como o processo de escolha dos representantes se efetiva. Por isso, estabeleceu-se o sufrágio universal como cláusula pétrea (art. 14, caput) e primou-se pelo princípio da legitimidade das eleições (art. 14, p. 9º), o qual estabelece que a eleição dos representantes deve refletir a soberania popular, outorgando mandatos efetivamente consentidos ou aceitos como justos pelos cidadãos[4].

Não por outra razão pode-se dizer que os pilares da democracia são formados pelos direitos políticos, os quais garantem ao cidadão o direito fundamental de participar da vida política do Estado através das diversas modalidades de sufrágio universal. Tamanha a relevância e fundamentalidade dos direitos políticos que, no plano internacional, são previstos e protegidos pela Declaração dos Direitos do Homem[5].

Nesse viés, a Constituição Federal brasileira confere especial proteção aos direitos políticos, elencando-os entre os direitos fundamentais. Mais que isso, a Constituição estabelece como objetivo da República Federativa do Brasil a cidadania (art. 1º, II), em claríssima defesa da manutenção do status de cidadão ao indivíduo, garantindo aos participantes da vida do Estado a titularidade de seus direitos políticos.

Por essa razão, qualquer limitação aos atributos característicos da cidadania é vista com grandes ressalvas por nossa lei fundamental. Nesse sentido, precisa a lição de José Afonso da Silva que, no tocante aos direitos políticos negativos, alerta que:

O princípio que prevalece é o da plenitude do gozo dos direitos políticos positivos, de votar e ser votado. A pertinência desses direitos ao indivíduo, como vimos, é que o erige em cidadão. Sua privação ou a restrição do seu exercício configura exceção àquele princípio. Por conseguinte, a interpretação das normas constitucionais ou complementares relativas aos direitos políticos deve tender à maior compreensão do princípio, deve dirigir-se ao favorecimento do direito de votar e de ser votado, enquanto as regras de privação e restrição hão de entender-se nos limites mais estreitos de sua expressão verbal, segundo as boas regras de hermenêutica.[6]

Por isso, imperiosa a valorização máxima da qualidade de cidadão, reservando à excepcionalidade toda e qualquer restrição a tal condição. Daí porque o processo eleitoral deve ser utilizado como última ratio, objetivando o regulamento da disputa eleitoral sem deixar de assegurar ampla liberdade ao exercício dos direitos políticos. Tem-se, assim, que a regra deve ser a liberdade das eleições.

Com efeito, mostra-se necessária a compatibilização entre a legitimidade das eleições (aí incluída a necessidade de lisura no pleito e o máximo respeito ao sufrágio) e a plenitude do gozo dos direitos políticos.

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral, conhecida como Aije, passou por diversas mudanças legislativas e, atualmente, tem como objetivo tutelar a lisura e a normalidade das eleições, a legitimidade dos resultados, as condições de igualdade no pleito (tanto quanto possível) e a correta representatividade dos candidatos eleitos.

O parágrafo único do artigo 19 da Lei Complementar 64/1990 (Lei das Inelegibilidades) ressalta que a apuração e a punição dos ilícitos referidos “terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Fato é que a responsabilização ensejada pela Aije pressupõe a fiscalização necessária das eleições, de modo que o voto seja autêntico e a representatividade verdadeira[7].

A Aije, é verdade, representa importante instrumento processual eleitoral, que visa garantir a normalidade e a legitimidade do pleito contra o abuso de poder. Contudo, é fundamental que haja prudência no seu manejo e ressalvas quanto à frequente interferência judicial, devendo ser estudada à luz dos valores e normas constitucionais, de modo que a banalização das cassações de mandatos seja rechaçada e a vontade popular prestigiada, tanto quanto possível.

* Resumo de artigo do livro Tópicos Avançados de Direito Processual Eleitoral (Editora Arraes), que será lançado nesta quinta-feira (7/6).

 


[1] GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 11ª ed. São Paulo : Atlas, 2015, p. 43/44.

[2]SALVETTI NETTO, Pedro. Curso de Teoria Geral do Estado. 5ª ed. São Paulo : Saraiva, 1982, p. 222.

[3]GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 11ª ed. São Paulo : Atlas, 2015, p. 56.

[4] GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 11ª ed. São Paulo : Atlas, 2015, p. 47.

[5] Art. 21.1. “Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos”, Declaração dos Direitos do Homem.

[6] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo : Malheiros, 2005, p. 382.

[7] GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 11ª ed. São Paulo : Atlas, 2015, p. 265.

Autores

  • é sócia do Lobão Torres & Campos Machado Advogados Associados e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP. é advogada, mestre em Direito Civil pela USP e MBA em Business Administration pela FGV-SP. Membro fundador da Abradep.

  • é advogada. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Mestranda pela Universidade Nacional de Rosário – Argentina. Membro fundador da ABRADEP. Membro do IBDPub. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP.

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