Retrospectiva 2017

Último ano trouxe aumento de IPOs e avanço em governança corporativa

Autores

  • Alessandra Zequi

    é advogada especialista em companhias abertas do Stocche Forbes Advogados.

  • Diego Vieira

    é advogado especialista em companhias abertas do Stocche Forbes Advogados.

  • Pedro Miranda

    é advogado criminalista pós-graduado em Direito Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes (Ucam-RJ) presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Nós a Nova Advocacia professor convidado de Direito Penal dos quadros da Escola Superior da Magistratura e professor de Direito Penal no Centro Universitário UniCambury.

21 de janeiro de 2018, 13h20

A chegada de 2017 veio acompanhada de certa expectativa por grande parte dos agentes do mercado de capitais brasileiro.

Afinal, depois de (mais) um ano marcado por muitas turbulências políticas e econômicas no Brasil, uma aparente melhora nesse cenário ao final de 2016 antecipava perspectivas de que 2017 seria o ano da retomada dos IPOs (ofertas públicas iniciais de ações).

Entre 2014 e 2016, a porta de entrada do mercado de capitais brasileiro não se mostrou muito convidativa. O ambiente de incerteza e insegurança fez com que, nesse período, apenas três empresas abrissem o seu capital, enquanto 25 (vinte e cinco) companhias abertas saíram do mercado.

Já no início de 2017, era inegável a ao menos aparente melhora desse cenário. Definições um pouco mais claras em Brasília, ao menos quanto ao rumo da agenda política, menor volatilidade e indícios de aquecimento da economia, somadas à redução do papel do BNDES e às restrições de acesso ao crédito bancário, pareciam sugerir que os vetores do ambiente macro enfim favoreciam a busca do mercado de capitais como alternativa de financiamento.

Em perspectiva, ainda que os acontecimentos e as estatísticas não tenham confirmado as previsões mais otimistas, é possível notar que, no mínimo, 2017 marcou uma brusca guinada na direção do mercado de capitais brasileira.

Desde 2009, o volume das ofertas de ações não atingia um patamar tão alto. Além disso, foram 10 (dez) IPOs, número bastante expressivo se comparado ao histórico recente de nosso mercado bursátil, e há forte expectativa de que o início de 2018 consolide essa retomada, pelo número de IPOs na fila.

Em que pese essa inegável mudança de rumos, que permite esperar um 2018 ainda melhor, fato é que em 2017 o mercado não passou incólume pelas turbulências políticas (basta lembrar-se da assustadora e vertiginosa queda da bolsa em 18 de maio, a maior nos últimos nove anos).

Essa percepção certamente ainda impacta de forma negativa nosso mercado, trazendo reticência a investidores, o que não permitiu a concretização das perspectivas e estimativas mais otimistas e faz com que ainda paire sobre o mercado ansiedade e dúvidas sobre o que esperar do contexto político e econômico a curto e médio prazos – especialmente considerando que entramos em um ano eleitoral com prognóstico absolutamente em aberto.

O ponto é que, na balança, encerramos o ano em um chão sensivelmente mais firme que ao fim de 2016. E essa conclusão não decorre apenas de fatores externos ao mercado de capitais.

Os agentes de mercado deram importantes passos para trazer sustentabilidade a esse movimento de retomada e expansão, contribuindo para que esse crescimento seja duradouro e amparado em bases mais seguras. Nesse contexto, é possível apontar alguns elementos e eventos que conduzem a essa visão.

O primeiro aspecto a ser realçado são os avanços no campo da governança corporativa.

Em 2017, foi aprovado o novo Regulamento do Novo Mercado, segmento especial de listagem da B3 que reúne o mais elevado padrão de requisitos de governança para as companhias abertas brasileiras. As normas do segmento não eram atualizadas desde 2011 e havia uma percepção de que era preciso avançar para manter a essência que moveu a criação do Novo Mercado, ligada à vanguarda da governança corporativa no país.

Após amplo debate, iniciado em 2016, as companhias listadas e a CVM aprovaram a nova versão do Regulamento, respectivamente em junho e em setembro de 2017, trazendo importantes avanços em matéria de governança.

Dentre as alterações, destaca-se, por exemplo, o aprimoramento dos requisitos de composição dos conselhos de administração (exige-se agora um mínimo de dois membros independentes), e de caracterização e qualificação dos conselheiros independentes, além do estabelecimento de regras mandatórias mínimas com foco nos controles internos das companhias, passando a se requerer a implementação de comitês de auditoria, e de áreas de auditoria interna e compliance.

Também em 2017 a CVM concluiu o processo de incorporação do Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas (lançado em novembro de 2016) à sua regulação. Por meio da Instrução CVM 586, a CVM alterou a Instrução CVM 480/2009, exigindo das companhias registradas como “categoria A” a divulgação de um Informe, no modelo “pratique ou explique”, sobre a sua aderência às práticas recomendadas por referido Código.

A implementação dessa exigência será gradual, e nesse ano apenas parte das companhias abertas (cujas ações integrem o Índice Brasil 100 – IbrX-100 ou o Índice Bovespa – Ibovespa na data da publicação da Instrução CVM 586/17, em junho último) estará sujeita a essa obrigação de informar. Em 2019, a exigência será estendida também às companhias registradas como “categoria A”.

Embora ainda haja algumas ressalvas por parte dos participantes de mercado, especialmente relacionadas aos custos naturalmente inerentes a um novo documento periódico exigido pela CVM em um momento conjectural ainda adverso à captação de recursos via mercado, o Código tende a ser, já no curto prazo, bem recebido pela comunidade de investidores e, a longo prazo, um relevante indutor de boas práticas no âmbito das companhias.

Por seu conteúdo, o Código toca em questões sensíveis a qualquer estrutura de governança que se pretenda eficiente, como a adoção de perfis adequados e complementares para a composição da administração, e a atenção ao gerenciamento de riscos a que a companhia está exposta.

O Código tem o modelo denominado “pratique ou explique”, que não impõe de forma prescritiva um conjunto de práticas que deve ser necessariamente observado pelos emissores, mas o que se exige é a transparência a respeito dessas práticas.

Além disso, especialmente considerando o peso das sociedades de economia mista para o mercado de capitais brasileiro, e os diversos acontecimentos envolvendo algumas dessas entidades, que prejudicaram severamente a avaliação e a confiança de investidores em nosso mercado, também cabe uma menção ao fato de que, em 2017, começaram a se sentir os efeitos das normas do Estatuto das Estatais (Lei 13.303/2016 – cujo decreto regulamentador (8.945) foi publicado no apagar das luzes daquele ano).

O Estatuto, e seu decreto regulamentador, embora objeto de críticas em algumas de suas disposições, representou marcos de governança das sociedades de economia mista, o que tende a impactar positivamente a sustentabilidade dos investimentos em tais entidades, e a leitura dos investidores, especialmente estrangeiros, sobre o mercado brasileiro em geral.

O ano de 2017 também marcou o início da implementação, na prática e em maior escala, do sistema de votação à distância, por meio do boletim instituído pela Instrução CVM 561, de 2015 (que alterou a Instrução CVM 481, de 2009).

Embora ainda sujeita a uma curva natural de aprendizado, tanto das companhias e dos acionistas, e mesmo passível de aprimoramentos, como o fez a CVM por meio da Instrução CVM 594, editada em dezembro, o sistema já impactou positivamente a temporada de assembleias gerais ordinárias de 2017.

O voto a distância, cabe ressaltar, trata-se de uma importante evolução, favorecendo a maior participação de acionistas nas assembleias. A expectativa é a de que, nos próximos exercícios, com a continuidade da implantação gradual do sistema, o modelo seja aprimorado, amadurecido e cada vez mais utilizado, aumentando a sua efetividade.

Um segundo aspecto que merece destaque em relação à normatização do mercado de capitais brasileiro foi o advento da Lei 13.506, publicada em novembro.

A nova lei trouxe profundas alterações no regramento da atividade sancionadora desenvolvida pela CVM com relação aos participantes de mercado. Em especial, merece atenção a autorização à celebração dos acordos administrativos de supervisão — delineados a feição dos acordos de leniência previstos na Lei Anticorrupção de 2013 —, e o substancial aumento no teto das multas aplicáveis diante de infrações administrativas no mercado (podendo alcançar até R$ 50 milhões, sem prejuízo da adoção dos critérios alternativos).

A tipificação criminal do insider trading (art. 27-D da Lei 6.385, de 1976) também sofreu relevante ampliação, abarcando, agora, insiders primários, secundários e também os responsáveis pelo vazamento de informações privilegiadas. Considerando o mercado de capitais como um sistema, a tendência é a de que a prática, extremamente nociva ao funcionamento regular e eficiente do mercado, seja ainda desencorajada com maior vigor – o que deverá contribuir para a segurança dos investidores e equidade do mercado.

De uma maneira geral, aliás, o fortalecimento da atividade sancionadora da CVM, com a adoção proporcional e adequada das novas ferramentas de supervisão e sanção disponíveis, tem esse condão – desestimulando a prática de ilícitos e condutas irregulares. Os investidores tendem a valorizar esse aspecto, sentindo-se mais seguros em vir para o mercado, que se torna mais atrativo.

Do mesmo modo, com vistas a aumentar a atratividade do mercado, 2017 foi marcado por modificações nas normas da CVM aplicáveis às ofertas públicas de valores mobiliários – privilegiando a sua eficiência e amparando um esperado crescimento no número de ofertas para o futuro próximo.

A respeito, a CVM editou em março a Instrução CVM 584, que alterou a Instrução CVM 400, de 2003, criando o programa de distribuição de valores mobiliários (debêntures e notas promissórias), mecanismo que visa a facilitar e agilizar a realização de ofertas públicas por emissores frequentes.

A ideia do mecanismo, que pode se revelar uma alternativa interessante aos emissores mais “assíduos” do mercado, é evitar que tais emissores tenham que passar por um custoso e detalhado processo de registro na CVM a cada oferta.

Para estarem aptos a pedir registro de programa dessa natureza, os emissores deverão observar determinados critérios (basicamente, free float superior a R$ 2 bilhões ou um valor mínimo de ofertas nos últimos anos, registro como emissor há pelo menos dois anos, e cumprimento tempestivo das obrigações periódicas).

Uma vez registrado o programa na CVM, durante a sua duração (de até quatro anos), não será necessário pedir registro das ofertas em seu âmbito, desde que observadas as condições previstas nele previstas. O mecanismo, assim, pode ser determinante para o rápido aproveitamento de janelas de oportunidade, estimulando a realização de novas ofertas.

Ainda com relação ao regramento das ofertas públicas, a CVM submeteu a processo de audiência pública (5/17), no fim do ano passado, proposta de alteração da Instrução CVM 476, de 2009, visando a atender demandas recorrentes de players do mercado com relação à flexibilização das regras das ofertas públicas com esforços restritos.

Pela alteração proposta, passaria a ser possível, a partir da edição da norma, esperada para 2018: (i) realizar serviço de estabilização de preços, vinculado ao exercício de lote suplementar; e (ii) dispensar a restrição de negociação (lock up) para os títulos de dívida em decorrência do exercício do contrato de garantia firme.

Por fim, o quarto ponto de 2017 que pode ser realçado em relação ao mercado de capitais é na verdade uma semente que deve crescer nos próximos anos.

O ano marcou a criação de um grupo de trabalho envolvendo agentes de mercado, e a própria CVM, voltado ao aprimoramento das exigências informacionais, modernizando o regime informacional a que os emissores de valores mobiliários estão sujeitos.

Plenamente alinhada à tendência global de simplificação no assunto, com foco em objetividade e melhor aproveitamento dos recursos tecnológicos na prestação de informações ao mercado, a iniciativa deve estar no foco central dos debates envolvendo a regulamentação do mercado de valores mobiliários em 2018. Aliás, ao fim de 2017, a Instrução CVM 594, que modificou o sistema de voto a distância, também dispensou as companhias sem ações em circulação de cumprir as exigências da Instrução CVM 481/09 (como anúncios de convocação e propostas da administração)

Esse aprimoramento das normas, que deve se consolidar em 2018, tem o objetivo de evitar custos desnecessários dos emissores, excluindo do já extenso rol de informações por eles divulgadas aquelas que não trazem qualquer relação de benefício aos investidores e aos emissores quanto comparadas ao custo de tal divulgação. Tais custos, cabe sempre lembrar, podem ser um fator determinante para a decisão de ingressar ou se manter no mercado de capitais. Por outro lado, sob a ótica dos investidores, não haverá qualquer prejuízo, tendo em vista que a revisão deverá focar em informações pouco materiais ou repetidas – o que, diga-se, mais atrapalha do que o ajuda em seu processo decisório.

Logo, a reavaliação dos requisitos informacionais só tende a robustecer o mercado de capitais brasileiro, aumentando a sua atratividade.

Como se vê, em que pesem todos os desafios ainda presentes no dia-a-dia dos emissores e investidores, e os resquícios da crise que assolou o país nos últimos anos, é possível vislumbrar importantes avanços no mercado de capitais brasileiro.

Nesse sentido, a expectativa é a de que o ano encerrado fique marcado não apenas como o início da retomada do mercado brasileiro, mas como um período de pavimentação e consolidação de bases que irão assegurar a sustentabilidade desse crescimento.

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