Opinião

Salário mínimo no Brasil é inconstitucional por afrontar dignidade humana

Autores

  • Gilkarla de Souza Damasceno Ribeiro

    é bacharela em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce (Univale).

  • Max Emiliano da Silva Sena

    é mestrando em Direito pela Universidade FUMEC procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE) especialista e Direitos Humanos e Trabalho pela Escola Superior do Ministério Público do União (ESMPU) e professor Universitário.

19 de janeiro de 2018, 6h00

O princípio da dignidade da pessoa humana é o principal fundamento previsto constitucionalmente, uma vez que ele dá sustentação e confere unidade e coesão a todo sistema normativo. Atualmente, tem relevância social e principalmente jurídica, haja vista constar entre os fundamentos da República Federativa do Brasil.

Partindo dessa perspectiva, indaga-se: O valor do salário mínimo no Brasil é constitucional ou inconstitucional sob a perspectiva do princípio da dignidade da pessoa humana?

Os direitos fundamentais podem ser conceituados como o conjunto de direitos e garantias intimamente relacionados com as condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade do indivíduo.

Explicitamente no art.1°, inciso III, a Constituição Federal de 1988 estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.[3]

Luís Roberto Barroso afirma que a dignidade humana serve, tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para os direitos fundamentais. No entendimento do ilustre jurista, a dignidade humana é um valor fundamental que foi convertido em princípio de estatura constitucional, uma vez que se encontra positivado de forma expressa como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.[4]

A Constituição Federal de 1988 elenca no artigo 1°, IV, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado democrático de direito. De forma clara e objetiva Max Emiliano da Silva Sena, a respeito do tema leciona:

Ao erigir a dignidade da pessoa humana à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal de 1988 diz de forma firme, segura e eloquente que no Estado brasileiro a pessoa humana desfruta de especial destaque, sendo o centro de todo o sistema, de molde que todo o ordenamento jurídico, todos os órgãos de governo, todas as ações políticas e todas as condutas particulares devem respeito à pessoa humana (SENA, 2017, p. 66).

Em decorrência de a Constituição da República de 1988 ter assegurado o princípio da dignidade da pessoa humana como sendo um dos fundamentos do Estado democrático, as condições mínimas de existência da pessoa humana devem ser proporcionadas pelo próprio poder público, o que deve ser observado pela ordem econômica, na medida em que esta é fundada na valorização do trabalho e tem por fim assegurar a todos uma vida digna. Neste sentido, busca-se com isso afastar as extremas desigualdades sociais, na medida em que a Constituição da República de 1988 repudia a não observância da dignidade humana.[5]

A ideia de controle de constitucionalidade pressupõe a previsão de um escalonamento normativo, ocupando a Constituição o grau máximo na aludida relação hierárquica, caracterizando-se como norma de validade para os demais atos normativos. Nesse sentido, controle de constitucionalidade está relacionado com o princípio da supremacia da Constituição.

Quanto às espécies de inconstitucionalidade, têm-se a inconstitucionalidade por ação, na qual há uma incompatibilidade vertical dos atos infraconstitucionais com a Constituição, e a inconstitucionalidade por omissão, que, segundo Pedro Lenza, “pressupõe a violação da lei constitucional pelo silêncio legislativo” (CANOTILHO apud LENZA, 2013, p. 268).

A inconstitucionalidade por ação pode ocorrer do ponto de vista formal ou do ponto de vista material. A inconstitucionalidade formal verifica-se quando a lei ou ato normativo infraconstitucional contém algum vício em sua forma, ou seja, ocorrido durante o processamento de formação. Analisa-se, por exemplo, se foi observada a competência legislativa para elaboração do ato ou a observância do devido processo legislativo (o quórum de aprovação).

Com relação ao controle material, é feita uma análise material do conteúdo do ato normativo, sendo que aqui não é observado o procedimento de elaboração da espécie normativa, mas, de fato, o seu conteúdo.

Em síntese, uma lei pode ser inconstitucional apenas no sentido formal, somente no sentido material, ou ser duplamente inconstitucional por apresentar tanto o vício formal quanto o material.

Analisando-se a lei que atualmente dispõe sobre a valorização do salário mínimo vigente no Brasil (Lei 13.152/15)[6], pode-se concluir que ela é constitucional em seu aspecto formal, uma vez que foi observada a iniciativa, que para tratar da matéria em apreço, é da União, e o quórum de aprovação. Sendo assim, a referida lei entrou no ordenamento jurídico sem conter nenhum vício quanto à sua formação, sendo, com isso, constitucional no sentido formal.

Isso porque foi editada a Medida Provisória 672/2015 pela presidente Dilma Rousseff, posteriormente convertida na Lei 13.152/2015, e regulamentada pelo Decreto n° 8. 948, de 29 de dezembro de 2016[7]. Por se tratar de lei ordinária, ocorreu a aprovação pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em um turno em cada casa, por maioria simples.

De igual forma, o Decreto 9.255/2017, que fixou o valor do salário mínimo em R$ 954, a partir de 1º de janeiro de 2018, foi editado pela autoridade competente, ou seja, o Presidente da República, possui assento constitucional e legal, revestindo-se, assim, dos aspectos formais aplicáveis à espécie (BRASIL, 2017).

Portanto, formalmente, o valor do salário mínimo não se encontra viciado de inconstitucionalidade. Observa-se que, no aspecto material, o que é analisado não é o procedimento de formação, mas sim o conteúdo do ato normativo, sua substância, ou seja, se ele está de acordo com os preceitos e princípios previstos na Constituição Federal.

No art. 7º, inciso IV, a Constituição assegura que o salário mínimo, visando a uma melhor condição social, deve cobrir todas as necessidades vitais básicas do trabalhador e as de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, devendo ser unificado nacionalmente e reajustado periodicamente de modo que garanta seu poder aquisitivo, vedando-se a sua vinculação para qualquer fim.

Tratando do assunto em tela, o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) publicou uma tabela com a estimativa do salário mínimo necessário para atender às referidas necessidades básicas previstas na Constituição Federal de 1988 para que o trabalhador juntamente com sua família possa gozar de uma vida digna.

Período

Salário mínimo nominal

Salário mínimo necessário

Março

R$ 937,00

R$ 3.673,09

Fevereiro

R$ 937,00

R$ 3.658,72

Janeiro

R$ 937,00

R$ 3.811,29

Fonte: DIEESE, 2017 [8]

De acordo com os dados apresentados na pesquisa, o DIEESE começou a determinar também o salário mínimo necessário, ou quanto deveria ser o valor do salário mínimo – com base na definição legal – para fazer frente aos gastos de uma família trabalhadora de quatro pessoas (dois adultos e duas crianças). [9]

Em março de 2017, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 3.673,09, ou 3,92 vezes o mínimo de R$ 937. Em janeiro de 2017, o salário mínimo necessário foi de R$ 3.811,29. De acordo com o Decreto 9.255/2017, publicado no Diário Oficial da União de 29 de dezembro de 2017, em edição extra, o valor do salário, a partir de 1º de janeiro de 2018, foi fixado em R$ 954 (BRASIL, 2017).

Partindo do pressuposto que a exigência constitucional de satisfação do mínimo existencial aos trabalhadores não é atendida, tem-se um caso de inconstitucionalidade, pois o Poder Público adota medidas (fixa um salário mínimo), mas que são insuficientes. Em outras palavras, a norma infraconstitucional que determina o valor do salário mínimo não confere efetividade à norma constitucional.[10]

Uma vez que o salário mínimo não tem sido capaz de atender à soma das necessidades básicas do trabalhador e de sua família, é possível concluir que o seu valor, de fato, não atende à previsão expressa no art. 7º, inciso IV da Constituição Federal de 1988, e com isso pode ser considerado materialmente inconstitucional diante da inobservância do preceito constitucional acima citado. [11]

Partindo do estudo do tema proposto, este trabalho levantou como problema a seguinte indagação: o valor do salário mínimo no Brasil é constitucional ou inconstitucional sob a perspectiva do princípio da dignidade da pessoa humana?

Tendo como análise o aspecto formal, constata-se que o valor do salário mínimo no Brasil reveste-se de constitucionalidade, uma vez que a aprovação normativa cumpriu todas as formalidades de validade exigidas.

Não obstante, a análise da constitucionalidade ou não pelo viés material permite concluir pela inconstitucionalidade do valor do salário mínimo, por não possuir compatibilidade com o princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista que não é capaz de suprir todas as necessidades vitais básicas do trabalhador, na forma prevista na Constituição Federal.


REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão provisória para debate público. Mimeografado, dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2010/12/Dignidade_texto-base_11dez2010.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2017.

BRASIL. Lei nº 13.152 de 29 de julho de 2015. Dispõe sobre a política de valorização do salário-mínimo e dos benefícios pagos pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) para o período de 2016 a 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13152.htm>. Acesso em 16 abr. 2017.

BRASIL. Decreto nº 8.948 de 29 de dezembro de 2016. Regulamenta a Lei nº 13.152, de 29 de julho de 2015, que dispões sobre o valor do salário mínimo e a sua política de valorização de longo prazo. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8948.htm>. Acesso em: 16 abr. 2017.

BRASIL. Decreto-Lei nº 5. 452 de 1° de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em: 16 abr. 2017.

BRASIL. Constituição Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 16 abr. 2017.

BRASIL. Emenda Constitucional n° 90 de 15 de setembro de 2015. Dá nova redação ao art. 6º da Constituição Federal, para introduzir o transporte como direito social. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc90.htm>. Acesso em 25 mar. 2017.

BRASIL. Decreto nº 9.255, de 29 de dezembro de 2017. Dispõe sobre o valor do salário mínimo e a sua política de valorização a longo prazo. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/D9255.htm>. Acesso em: 09 jan.2018.

DIEESE. Salário Mínimo: Instrumento de combate à desigualdade. São Paulo: DIEESE, 2010. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/livro/2010/SMinstrumentoCombateDesigualdade.pdf >. Acesso em 14 abr. 2017.

DIEESE. Pesquisa nacional da Cesta Básica de Alimentos: Salário mínimo nominal e necessário. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html>. Acesso em 14 abr. 2017.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral: comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil: doutrina e jurisprudência. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

MUNIZ, Mirella Karen de Carvalho Bífano. O direito fundamental ao salário mínimo digno: uma análise à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. 2009. 272 f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito, Belo Horizonte, 2009. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_MunizMK_1.pdf>. Acesso em 16 abr. 2017.

PORTAL BRASIL. Salário mínimo. Disponível em: <https://www.portalbrasil.net/salariominimo.htm>. Acesso em: 28 mar. 2017.

SANTILI, Admir Umberto Valentim Raga. ; OLIVEIRA, Larissa Yamazaki de. Salário mínimo brasileiro: uma análise constitucional. 2008. Artigo científico (Graduação em Direito)- Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, 2008. Disponível em: <http://www.ojs.fdsbc.servicos.ws/ojs/index.php/CIC/article/view/245/663>. Acesso em: 16 abr. 2017.

SENA, Max Emiliano da Silva. O trabalho digno como meio de inclusão social no ordenamento jurídico brasileiro. In: XXV CONGRESSO DO CONPEDI – CURITIBA, 25. 2016, Curitiba. Direito do trabalho e meio ambiente do trabalho I. Curitiba, CONPEDI, 2016. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/publicacoes/02q8agmu/zwub6y85/f8C4j78b9mY3cgvo.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2017.

 

SILVA, José Afonso da. Interpretação da Constituição. In: SEMINÁRIO DE DIREITO CONSTITUCIAONAL ADMINISTRATIVO – TCMSP, 1. 2005, São Paulo. Interpretação da constituição. São Paulo, 2005. Disponível em: <http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/30a03_06_05/jose_afonso1.htm>. Acesso em 07 abr. 2017.

SOLEIS. Histórico sobre o salário mínimo no Brasil. Disponível em: <http://www.soleis.com.br/salario_minimo_historia.htm>. Acesso em: 28 mar. 2017.

SOUZA, Gelson Amaro de. O salário como direito fundamental. 10 de abril de 2012. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/o-sal%C3%A1rio-como-direito-fundamental-%E2%80%93-revisita%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 25 mar. 2017.


[5] Disponível em: <http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_MunizMK_1.pdf>. Acesso em 16 abr. 2017.

[8] Disponível em: < https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html >. Acesso em 14 abr. 2017.

[11] Disponível em: <http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_MunizMK_1.pdf>. Acesso em 16 abr. 2017.

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