Opinião

Averbação pré-executória da Lei 13.606/2018 é inconstitucional

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16 de janeiro de 2018, 5h16

Em 10 de janeiro de 2018, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 13.606, que introduziu o artigo 20-B, na Lei 10.522/2002, segundo o qual, após a inscrição do crédito em dívida, o devedor será notificado para pagá-lo em cinco dias e, não o fazendo, a Fazenda Pública poderá “averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis”.

Como se observa, não se trata de previsão de simples averbação da CDA para noticiar a terceiros acerca da existência de débitos do sujeito passivo, como ocorre com o protesto da CDA, já admitido como legítimo pelo Judiciário (v. g. AgRg no REsp 1109579/PR). Essa medida, que vem sendo chamada de “averbação pré-executória”, viabiliza a indisponibilidade de bens do sujeito passivo antes da execução fiscal e à míngua de decisão judicial, violando, como se verá, diversos preceitos constitucionais e legais.

Primeiramente, esse dispositivo é dotado flagrante inconstitucionalidade formal, vez que trata de uma garantia do crédito tributário, matéria essa reservada à Lei Complementar pela Constituição Federal em seu artigo 146, III, “b” em razão da necessidade tratamento uniforme dos créditos tributários de todos os entes da Federação, não havendo espaço para a União (por lei federal) ou para qualquer outro ente (por legislação local) dotar seu crédito de maiores prerrogativas em relação aos dos demais.

Em segundo lugar, a Lei 13.606/2018 colide frontalmente com o artigo 185-A do CTN, que somente autoriza a indisponibilidade de bens do devedor mediante decisão judicial no curso de execução fiscal e somente se ele, devidamente citado, “não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis”. A Lei 13.606/2018 abrevia ilegitimamente esse rito, antecipando a indisponibilidade para uma fase pré-judicial e usurpando do Judiciário essa função que lhe foi reservada pela Constituição (artigo 5º, LIV), contrariando, ademais, entendimento firmado pelo STJ no REsp repetitivo 1.377.507/SP (Tema 714) e na Súmula 560.

E não é só! A despeito do afirmado pela PGFN em algumas manifestações, esse dispositivo não complementa o artigo 185 do CTN. Ao contrário, extrapola-o e infirma-o sob diversos enfoques.

De logo, tem-se que a presunção de fraude decorrente de alienações ou onerações de bens realizadas após a inscrição do crédito em dívida ativa, prevista no CTN, tem como efeito tornar ineficaz esses negócios perante a Fazenda Pública, mas não impede suas realizações, vez que interferência dessa monta na propriedade privada somente é admissível após o devido processo legal, conforme disposto no artigo 5º, LIV, da CF! Por isso, a Lei 13.606/2018, quando permite a indisponibilidade “pré-executória” de bens, inova no ordenamento jurídico, contrariando a Constituição e o CTN.

Anote-se, também, que se o objetivo da norma é assegurar um bem para satisfação do crédito tributário após sua inscrição – e não servir como meio indireto e inidôneo de cobrança de tributos! –, isso já é alcançado pelo próprio artigo 185 do CTN, que, segundo o STJ, encerra uma presunção absoluta de fraude e ineficácia das alienações posteriores à inscrição (v. Tema 290 dos recursos repetitivos – REsp 1.141.990/PR), podendo a Fazenda “perseguir” o bem com quem quer que ele esteja.

Ademais, o parágrafo único do próprio artigo 185 do CTN, expressamente prevê o afastamento da presunção de fraude se o devedor tiver patrimônio disponível para saldar o débito. A Lei n. 13.606/2018, que não detém qualquer ressalva similar, viabiliza a própria restrição patrimonial de bem eleito unilateralmente pela Fazenda (em flagrante subversão pré-processual da faculdade de indicação prevista no artigo 9º, da LEF) e sem necessidade de qualquer indício de alienação fraudulenta ou de prévia análise de suficiência patrimonial do devedor, em medida de total irrazoabilidade e desproporcionalidade.

Não bastasse isso, a indisponibilidade, da forma como prevista, não está sujeita a qualquer prazo ou marco de desfazimento! Como a sua finalidade seria sua futura convolação em penhora em execução fiscal, que pode ser proposta ao talante da Fazenda dentro do prazo prescricional, ocorrerá que, em termos práticos, o bem ficará indisponível até que sobrevenha decisão judicial – preponderantemente em mandado de segurança – determinando sua liberação.

Por fim, essas irregularidades serão potencializadas quando se pretender aplicar a Lei 13.606/2018 em conjunto com o PARR, criado pela Portaria PGFN 948/2017 para viabilizar a imputação de responsabilidade tributária a terceiros em decorrência de dissolução irregular de pessoa jurídica “devedora de créditos inscritos em dívida ativa administrados pela PGFN”, cujos vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade já tivemos oportunidade de apontar em texto anterior!

Ao cabo desse procedimento, a pessoa natural, que muitas vezes nem terá participado do procedimento de lançamento, sairá com responsabilidade tributária configurada e já com seus bens bloqueados, sem que haja uma decisão judicial amparando essas medidas!

Diante de tantos vícios, inquina-se de total invalidade a alteração aqui analisada, promovida pela Lei 13.606/2018.

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