Opinião

A necessária valorização da magistratura federal

Autor

  • Fernando Mendes

    é advogado administrador de empresas mestre em Direito Administrativo (PUC-SP) e sócio no escritório Warde Advogados. Foi juiz federal procurador do Estado de São Paulo e presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

23 de dezembro de 2018, 16h17

Nos últimos meses, um assunto tem dominado a pauta da mídia brasileira: o auxílio-moradia e a revisão do valor dos subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Grandes especialistas criticaram o fato de o STF se autoconceder aumento, matérias trouxeram o impacto dessa revisão nas contas públicas ( R$ 1,4 ou R$ 6 bilhões?? – teve chute para todos os lados ), comparações com os salários e vantagens dos juízes da Suécia!!!, tudo para demonstrar que o Poder Judiciário teria um custo elevado e seria composto por uma casta de privilegiados sem a menor preocupação com a realidade social.

Há uma grande hipocrisia nesse discurso e algumas coisas precisam ser colocadas no seu devido lugar.

O STF não se autoconcedeu aumento e a revisão não vai gerar reflexos nos demais Poderes de maneira obrigatória. Quem fala isso tem completo desconhecimento do nosso sistema constitucional e de regras básicas de matéria orçamentária, dado que o impacto gerado estará dentro dos limites do orçamento do Poder Judiciário da União, fixados pela EC 95/16.

O valor do subsídio líquido do ministro do STF será, a partir de janeiro de 2019, de R$ 26.223,41, considerando-se o pagamento de R$ 8.747,69 de Imposto de Renda e R$ 4.322,27 de contribuição previdenciária.

No caso dos juízes federais, que não recebem auxílio-alimentação, auxílio-transporte e auxílio-saúde em patamares de 10% ou mais dos subsídios, como ocorre em alguns tribunais de Justiça, Ministério Público e Defensorias Públicas estaduais, a revisão dos subsídios e o fim da ajuda de custo para moradia provocará uma redução salarial de aproximadamente R$ 1,3 mil mensais. É exatamente isso. Um juiz federal terá seus rendimentos reduzidos em R$ 1,3 mil em relação ao que vem ganhando desde setembro de 2014, quando o STF reconheceu o direito ao pagamento da ajuda de custo para a moradia, com base no que prevê o artigo 65, II da Loman.

É muito bonito falar que um juiz na Suécia ganha o equivalente a R$ 25 mil e vai trabalhar de bicicleta. Mas o juiz da Suécia tem à sua disposição serviços públicos de saúde e transporte eficientes e não precisa viver nas regiões de fronteira ou nos grandes centros de um país continental como o Brasil julgando casos de tráfico internacional de entorpecentes, contrabando de armas e cigarros, lavagem de dinheiro e corrupção praticadas por organizações criminosas.

Mais. Quando se faz essa comparação com juízes de outros países, não se dá o destaque de vantagens que eles têm em relação aos juízes brasileiros. Por exemplo, um juiz federal nos Estados Unidos ganha cerca de R$ 65 mil[1], mais que o juiz federal brasileiro, portanto, e tem a garantia da aposentadoria integral. No Brasil, depois de inúmeras reformas na previdência, há poucos juízes com essa garantia, sendo que alguns se aposentarão apenas com a média das contribuições, e os que ingressaram na carreira depois de outubro de 2013 se aposentarão com o teto do Regime Geral da Previdência Social, cerca de R$ 5,5 mil.

Na eleição deste ano, a sociedade brasileira deu um sinal muito claro de que não aceitará mais o modelo viciado de um Estado dominado por uma corrupção sistêmica. E os juízes federais tiveram papel fundamental para que essa mudança de paradigma fosse alcançada.

A partir de 1988, a Justiça Federal foi estruturada e interiorizada, juízes foram selecionados por meio de concurso público rigoroso e uma nova geração passou a exercer o seu papel constitucional, imunes a pressões políticas em razão das garantias de seu cargo, como o da vitaliciedade e o da inamovibilidade. Mas uma garantia fundamental para a existência de um Judiciário Federal independente e valorizado é uma remuneração justa.

A proteção da carreira da magistratura como pressuposto para um Estado de Direito não é preocupação apenas no Brasil. Em dezembro de 2016, o Pleno do Conselho Geral do Poder Judiciário Espanhol declarou que “el juez y la jueza tienen el deber de reclamar de los poderes públicos unas condiciones objetivas de trabajo adecuadas para el ejercicio independiente y eficaz de sus funciones y el consiguiente suministro de medios personales y materiales”, bem como “tienen el deber de demandar aquellas mejoras legales que redunden em benefício de la indepencia judicial como garantía de los ciudadanos” [2]

Se a sociedade entender que a remuneração de um juiz deve ficar próxima ao patamar do rendimento médio do trabalhador brasileiro, cerca de R$ 2.155,00 — segundos dados do IBGE — também deve ter a clareza de que a carreira deixará de ser atrativa e que os melhores profissionais deixarão de ter a magistratura como seu objetivo. Hoje já existem mais de 350 cargos de juiz federal vagos pela falta de profissionais qualificados para preenche-los. Se a magistratura federal não for valorizada, esse quadro tende a se agravar cada vez mais.


[2] La Protección Social de la Carrera Judicial. MOYA, Juan Martìnez e RODRÍGUEZ, María Concepción. Coodinardores. Agencia Estsal Boletín Oficial Del Estado. Madri, 2018.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!