Opinião

Eleições no IBCCrim: o que está em jogo na disputa eleitoral

Autores

  • Eleonora Rangel Nacif

    é advogada criminalista ex-presidenta do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais professora coordenadora do curso prático de Tribunal do Júri da Escola Superior de Advocacia (ESA/OAB) pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura (EPM) e em Direitos Fundamentais pelo Instituto Ius Gentium Conimbrigae (IGC) — Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

  • Bruno Shimizu

    é candidato à 1ª vice-presidência do IBCCrim pela chapa 1. É Mestre e Doutor em Direito Penal e Criminologia pela Universidade de São Paulo. Atua como Defensor Público de São Paulo.

  • Helios Nogués Moyano

    é advogado criminalista co-fundador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra em parceria com o IBCCrim e sócio do escritório Nogués Moyano Advogados.

6 de dezembro de 2018, 17h57

Pela primeira vez em seus 26 anos de existência, duas chapas disputarão o voto das associadas e dos associados do IBCCrim para definir a composição da diretoria executiva, do conselho consultivo e da ouvidoria. De um lado, a chapa 1, a qual temos a alegria de compor, é constituída por membros da atual gestão e por diversas pessoas que vêm participando ativamente da administração do Instituto há pelo menos três biênios.

De outro lado, a chapa 2 representa a oposição, composta por pessoas que igualmente muito contribuem e contribuíram com o órgão, ainda que muitas delas tenham se afastado ao longo do tempo. A oposição, nesse cenário, avoca-se ser detentora da "missão" de promover um suposto regresso do IBCCrim à tradição de seus fundadores, um alegado "retorno aos trilhos" do Instituto. Ainda que diversos fundadores e ex-presidentes componham e apoiem a chapa 1, a demonstrar que o que está em jogo não é tanto um embate entre o “velho” e o “novo” Instituto, mas, principalmente, entre duas formas distintas de pensar o papel do estudo das ciências criminais e sua incidência na trágica realidade do sistema penal brasileiro.

Em um país que abriga a polícia que mais mata e mais morre no mundo e cuja população carcerária já superou 700 mil pessoas, sendo os cárceres lugares onde a morte se faz cotidiana, nos parece impensável fazer ciência criminal descolada dos efeitos sociais produzidos pelas agências penais.

Em um contexto nacional em que o "mantra" do combate à corrupção vem chancelando agressões frontais à Constituição Federal, como a odiosa execução antecipada da pena, que já arrastou milhares às prisões, não nos parece plausível insistir na crença de que o Direito seja uma ciência "sem lado".

Diante desse contexto, tem-se travado um debate acerca de uma suposta “partidarização” do Instituto, sendo que o discurso da oposição vem se construindo sobre o argumento de que o grande diferencial da chapa 2 seria o enfoque “apartidário”. Tal ideia-força de campanha, contudo, é desorientadora aos associados, já que – isso é inegável – o IBCCrim nunca teve qualquer vinculação partidária, bem como nunca se manifestou a favor ou contra qualquer partido político. A acusação de “partidarismo”, aliás, está muito em voga entre setores mais conservadores, que vêm promovendo uma perseguição sistemática ao raciocínio crítico posicionado nas mais diversas instituições.

O IBCCrim não é e nem deve ser partidário, mas nunca poderá deixar de ser uma instituição essencialmente política. A atuação política é inerente à própria existência do IBCCrim, tendo-se em vista que foi criado como reação ao sanguinário massacre do Carandiru. É essa indignação política que nós, da chapa 1, não queremos deixar morrer.

Neste momento de campanha eleitoral no Instituto, a fim de que se compreenda o contexto que envolve a atual disputa, é importante fazer um resgate histórico a respeito de como foram realizados os processos sucessórios no IBCCrim. A composição dos cargos de diretoria executiva era definida a portas fechadas, por um grupo seleto de fundadores do Instituto. Nesse sentido, as reuniões de diretoria também eram fechadas aos associados. Havia um divórcio entre o discurso em favor da democracia (externa) e a prática autoritária (interna), distorção que foi reconhecida e vem sendo corrigida ao longo das três últimas gestões.

De largada, é preciso dizer que o IBCCrim está hoje mais aberto do que nunca. As reuniões de diretoria são abertas à participação de qualquer associada ou associado, inclusive remotamente. Pela primeira vez, temos membros da diretoria de fora de São Paulo, sendo a preocupação com a nacionalização do Instituto evidente na composição da chapa 1.

Ainda, por meio de uma bem sucedida política de bolsas e ações afirmativas  em cursos, e uma política interna de equidade racial e de gênero, premiada com o Selo Municipal Direitos Humanos e Diversidade da Cidade de São Paulo, o IBCCrim deixou de ser um Instituto monocromático, onde a população negra colocava-se como objeto de estudo, mas não como sujeito que faz ciência.

Sabemos, contudo, que nenhuma mudança institucional ocorre sem alguma resistência. Especialmente no meio jurídico, em que há a naturalização inegável das  relações hierarquizadas e do lugar de mando, é comum a existência de atores que não se dignam ao debate público e horizontal. A vocalização de críticas pouco objetivas, com recurso a boatos e acusações vazias, sem a disposição para a participação em um debate público, provoca danos à imagem do IBCCrim.

Por essa razão, deve-se ressaltar que o IBCCrim vem sendo gerido, nos seus mais diversos departamentos, da forma mais proba e responsável, sendo que a atual gestão promoveu um movimento de profissionalização e de investimento em nossos recursos humanos inédito na história do Instituto. A transparência na gestão financeira segue o mesmo padrão de sempre: as contas são auditadas interna e externamente e submetidas a exame da Assembleia Geral. Em termos de consolidação da política de integridade, o Instituto também obteve inovações significativas nos últimos anos: o regimento interno e o Código de Ética foram construídos por meio de processos participativos e já estão em pleno vigor. A despeito das adversidades econômicas vividas nos últimos tempos no país, o IBCCrim ostenta hoje vigorosa saúde financeira.

Graças ao exitoso trabalho coletivo realizado pelos colaboradores que ocupam a diretoria, o conselho, a ouvidoria e as dezenas de departamentos do Instituto, juntamente com a equipe de funcionários, obtivemos destacados e importantes financiamentos nacionais e internacionais para realizar pesquisas em direitos humanos. Para nós, o fato de o IBCCrim receber tão disputados recursos, de diversas organizações respeitáveis, representa o reconhecimento do bom trabalho desenvolvido e da credibilidade de que atualmente goza o Instituto.

Do ponto de vista da relevância científica, o IBCCrim nunca esteve em patamar superior. Na última gestão, a tradicional Revista Brasileira de Ciências Criminais atingiu o conceito Qualis/Capes A1. Os seminários internacionais dos últimos anos têm sido um sucesso, com aprovação (ótimo e excelente) de mais de 95% do público. O número de cursos de curta duração atingiu recorde de público, sendo disponibilizada transmissão online para todo o Brasil. A parceria com a Universidade de Coimbra aprofundou-se, com a realização não apenas dos já tradicionais cursos de Direito Penal Econômico e de Direitos Fundamentais, mas também com a criação dos cursos de Processo Penal e Compliance.

Por fim, apesar de críticas infundadas da campanha da chapa 2, o número de aquisições e doações de livros da biblioteca cresceu no último biênio, sendo ainda criados os projetos “Biblioteca Cidadã”, com a abertura do local a visitantes externos em horários marcados, e “Biblioteca Convida”, com lançamentos de livros e a presença de suas autoras e seus autores.

Se, do ponto de vista científico, o IBCCrim nunca gozou de tanto prestígio, no que toca à incidência política em defesa de seus princípios estatutários, a atuação do IBCCrim também nunca foi tão digna de orgulho. No início de 2017, foi apresentado, por ocasião da reforma do Código de Processo Penal, um caderno de propostas consolidando o acúmulo a respeito do tema ao longo de sua existência. Nesta mesma época, o Instituto encabeçou a apresentação das "16 medidas contra o encarceramento em massa", que se transformaram em 14 projetos de lei, apresentados por parlamentares dos mais variados espectros ideológicos, e vêm sendo debatidas em dezenas de eventos por todo o país.

O IBCCrim atua como amicus curiae em mais de 30 ações de relevância nacional que tramitam no Supremo Tribunal Federal, tendo participado de dezenas de sustentações orais e formulado diversas manifestações escritas nos últimos anos em discussões como: a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, os limites da condução coercitiva, o estado de coisas inconstitucional nos presídios brasileiros, a inconstitucionalidade da criminalização do aborto, o alcance do decreto presidencial de indulto etc.

Todo o trabalho que vem sendo realizado pela atual gestão – que não caberia nesse texto –, e que a chapa 1 pretende continuar e aprimorar, pode ser detalhadamente conferido nos relatórios de gestão publicados pelo Instituto, sendo que o último relatório anual pode ser acessado aqui.

No atual contexto político nacional, em que a defesa da liberdade afigura-se como uma árdua batalha frente à ascensão da ideologia autoritária, acreditamos que o IBCCrim deve permanecer firme em suas convicções, não tendo receio de dizer o que deve ser dito, de forma embasada e republicana, como vem fazendo nos últimos anos. Nesses momentos de ataque aos valores democráticos em escala global, o IBCCrim não pode relegar-se a um espaço de circulação de poderes e interesses entre elites.

Nós, da chapa 1, acreditamos que o IBCCrim tem a vocação de ser um Instituto sem dono, radicalmente democrático e onde se faça resistência aos discursos autoritários fáceis do senso comum por meio da excelência científica e acadêmica e da incidência política responsável, em nome da defesa intransigente dos direitos humanos.

* Também assinam esse texto outros membros da chapa: Alvino Augusto de Sá, Andréa D'Angelo, Carla Silene Gomes, Cristiano Maronna, Ela Wiecko, Fabiana Zanatta Viana, Gabriel Queiroz, Geraldo Prado, Luis Carlos Valois, Sérgio Salomão Shecaira e Yuri Felix.

Autores

  • é candidata à presidência do IBCCrim pela chapa 1. Advogada Criminal e Vice-Presidenta do IBCCrim na gestão 2017-2018. Professora da Escola Superior de Advocacia da OAB-SP, Eleonora Nacif também é Coordenadora e Professora do curso "O rito do Tribunal do Júri" da ESA/OAB.

  • é candidato à 2º vice-presidência do IBCCrim pela chapa 1. Pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra em parceria com IBCCrim e bacharel em Direito pela Faculdades Metropolitanas Unidas.

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