Opinião

A desigualdade jurisdicional e os reflexos na economia brasileira

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3 de agosto de 2018, 6h58

A igualdade é um dos fundamentos de nossa ordem jurídica, um direito fundamental previsto em vários dispositivos de nossa Constituição Federal e que, por sua natureza, é um dos pilares que sustenta o Estado Democrático de Direito.

A concretização do princípio da igualdade, em decorrência, informa, toda a atuação estatal, implicando a igualdade perante a lei bem como em sua aplicação.

A igualdade jurisdicional, por sua vez, manifesta-se de diversas maneiras, dentre elas: a) a garantia de acesso ao Judiciário; b) a inafastabilidade do controle jurisdicional; c) a interdição de tratamento desigual, pelos magistrados, de pessoas em situação igual; e c) a observância do devido processo legal.

Entretanto, a existência formal de tais direitos não garante sua concretização, e o princípio da igualdade jurisdicional no Brasil ainda tem muito a evoluir. Muito embora tenhamos testemunhado avanços, em particular no tocante ao aperfeiçoamento da legislação que permite efetividade de acesso à Justiça aos hipossuficientes, seja por meio de instrumentos processuais como a tutela coletiva ou a criação dos juizados especiais, o certo é que o Judiciário ainda é tido como caro, lento e ineficiente.

A situação, infelizmente, é tão perene que a cultura popular a reflete, com aforismos comumente utilizados pela população, como aquele que diz que o sistema prisional brasileiro é para pretos, pobres ou prostitutas, ou aquele que justifica o descumprimento da lei porque ela não “pegou”.

Em verdade, embora ciente dos recentes dissabores que o Judiciário, em particular em seus mais altos níveis, tem dado à sociedade brasileira, minando a pouca confiabilidade que ainda lhe é depositada, objetiva este texto discutir questões de índole institucional no tocante às dificuldades práticas encontradas no acesso ao Judiciário.

Nesse sentido, a efetiva igualdade jurisdicional demanda, para sua concretização, da observância de diversos aspectos que, na prática, podem obstaculizar o acesso ao Judiciário.

Normalmente, devido à sua maior premência, o debate acerca das questões que impedem o pleno acesso ao Judiciário tem tradicionalmente se referido aos hipossuficientes, entendido como aqueles que se encontram em situação de pobreza e que não podem arcar, via de regra, com os custos de uma demanda e o pagamento de advogados. Trata-se, com razão, de uma questão importantíssima e que demanda nossos melhores esforços para sua superação.

Entretanto, gostaríamos de acrescentar às discussões existentes uma situação mais complexa de desigualdade jurisdicional, que também envolve a existência de entraves muitas vezes insuperáveis para o acesso ao Judiciário, que é o tratamento dos investidores minoritários, em especial aqueles que aplicam suas economias no mercado de capitais e que, em igualdade de condições com todos os demais jurisdicionados, gozam da inviolabilidade de seu direito à igualdade, à segurança e à propriedade (artigo 5º da CF/88, caput).

A desigualdade de acesso à jurisdição dos acionistas minoritários decorre de uma série de circunstâncias de natureza diversa.

A primeira delas é relativa à natural assimetria de poder econômico existente entre os litigantes minoritários e os majoritários/controladores, que evidentemente dificulta o acesso ao Judiciário devido ao proibitivo custo de uma ação diante da complexidade inerente às causas societárias mais complexas.

A segunda circunstância, vinculada à primeira, é a ausência de instrumentos processuais que permita aos minoritários a discussão coletiva das questões que os afetam. Exemplificando, um investidor individual que aplicou suas economias em ações de uma companhia, no mercado de capitais, terá enorme dificuldade de acesso ao Judiciário sem a existência de instrumentos que permitam a discussão coletiva da questão, pois o custo de uma ação individual, diante de sua complexidade, como dito anteriormente, dificilmente compensaria o ajuizamento de uma ação.

A terceira questão que demanda melhoras e a necessidade de aperfeiçoamento da legislação aplicável ao mercado de capitais, a exemplo daquelas existentes em outros mercados mais desenvolvidos, de forma a oferecer maior segurança jurídica ao investidor.

Some-se às questões acima elencadas o grande despreparo do Judiciário nacional em resolver questões dessa natureza e temos uma situação em que todas essas circunstâncias negativas se reforçam mutuamente: se a legislação, processual e material, não fornece condições que propiciem a discussão judicial de tais questões, os processos continuam a ser escassos e a jurisprudência continua casuística, dificultando a existência de um volume que garanta a segurança jurídica necessária.

A premência da situação, que indica a necessidade de providências imediatas, se evidenciou em diversos casos recentes de grande repercussão, que evidenciaram as dificuldades enfrentadas pelos investidores nacionais. No mais notório deles, os investidores da Petrobras no exterior obtiveram indenização antes que os investidores locais, por meio de uma class action ajuizada nos Estados Unidos.

Nesse meio tempo, os investidores locais, que litigam dentro das limitações existentes no Brasil, acima referidas, continuam a esperar que a justiça seja feita.

É o quadro acabado da desigualdade jurisdicional, com profundos reflexos em toda a economia brasileira, o qual demanda coragem e disposição para combater as injustiças dele advindas.

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