Opinião

Falta de proteção ao mecanismo pode dar fim a colaborações

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16 de outubro de 2017, 8h05

O itinerário das leis passa por fases parecidas à da infância, juventude e maturidade, como acontece com as pessoas. Os próprios países têm trajetórias semelhantes. Como as normas e as pessoas, há aqueles que enfrentam problemas de desenvolvimento ou grande dificuldade de amadurecer — ou que demoram mais para isso.

O Direito de Família é pródigo em analogias. Houve o tempo dos filhos adulterinos, por exemplo. Aqueles que, havidos fora do casamento, sequer teriam direito a herança, não podiam conviver com o pai nem ter acesso aos irmãos (meio irmãos como se dizia). Até mesmo a tortura e a palmada já foram juridicamente legitimados. A partir de um determinado tempo, especialmente a partir da Constituição de 88, os filhos passaram a ser apenas filhos. Aboliram-se os adjetivos e passaram ter direito a herança, a família prestigiou o "ninho" e não o "nó jurídico".

As relações jurídicas passaram a ser tratados de forma segura com o surgimento da teoria do "negócio jurídico". Tortura e castigos físicos não só passaram a ser crimes hediondos como toda espécie de pressão moral ou psíquica passaram a ser tratadas como crime e punidos com severas indenizações em todos os campos do Direito.

No campo do Direito Penal houve profunda evolução legislativa, especialmente entre 2010 e 2014 (mudança da prescrição penal, mudança da lei de lavagem de dinheiro, lei de combate à corrupção e a grande virada da Lei da Delação Premiada).

Superamos vários momentos importantes onde se revela que o Direito é o retrato da história de um país. Dependendo como é produzida a norma "em concreto" podemos interpretá-las como fruto de um movimento democrático ou de um movimento esquizofrênico. O Direito de Família e o Direito Civil, evoluíram ao ponto do respeito absoluto à realidade da vida. Dos filhos adulterinos chegamos aos núcleos multifamiliares, como ensina o hoje ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin.

No Direito Penal, o instituto da Delação Premiada saiu do zero ao infinito sem passar por um processo de "adaptação" e ajustes. Quando há mudança no processo e no sistema, um mecanismo de adaptação é fundamental, porque a delação — por exemplo — não é um jogo de aposta, é um processo de conversão mental, é uma quebra de paradigmas mentais e sociais. É como mudar de religião, de time, de família, é como romper com o mundo. É como os quarenta dias no deserto, é como o caminho do Gólgota. É uma transição mental e social profunda. Assim como no processo religioso da conversão existe o pecado e a remissão do pecado — assim como a penitência — a nova legislação deu valor jurídico ao arrependimento.

Não foi por acaso que nos Estados Unidos, país com mais tradição no uso dos mecanismos de colaboração com a justiça, a perseguição ao colaborador é crime punível com até dez anos de detenção. É porque os prejudicados reagem sempre. E se tiverem cargos públicos podem retaliar com a força do Estado.

Conquanto, o que se vê no atual estágio brasileiro é a demonização de quem coopera com o esforço de combate ao crime organizado. O "ex-criminoso" passou a ser o filho adulterino de antigamente. O próprio Estado que se vale do colaborador no primeiro momento, em seguida passa a persegui-lo. Como se o preço da sua decisão não existisse. Festeja-se no início, amaldiçoa-se em seguida.

A mudança de paradigma exige que o Direito assegure o mecanismo como "negócio jurídico", com garantias penais, pessoais e psicológicas, sob pena de se asfixiar a fórmula. A transição passa por um processo de conciliação com o quadro judicial e jurídico. Porque não basta que a colaboração seja premiada. É necessário também que ela seja protegida.

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