Opinião

Dissolução parcial na S.A. é constitucional, mas precisa de critérios

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13 de outubro de 2017, 7h29

A jurisprudência tem admito o exercício do direito de retirada previsto no Código Civil, também no âmbito das sociedades anônimas, prestigiando o direito constitucional de não associação.

Diante da disposição do artigo 5º, XX, da Constituição Federal, que estabelece que ninguém será obrigado a manter-se associado, essa jurisprudência viabiliza a retirada do acionista desinteressado no negócio, tal qual lhe seria assegurado se sociedade limitada por prazo indeterminado fosse o modelo societário contratado.

Nas sociedades limitadas contratados por prazo indeterminado, caso não tenham os sócios disposto de forma diferente, se aplica o artigo 1.029 do CC, que dá ao sócio o direito de retirar-se imotivadamente mediante notificação com aviso prévio de 60 dias.

São várias as decisões neste sentido, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Algumas dessas decisões levam em consideração o fato da sociedade anônima não gerar lucros e não pagar dividendos por vários exercícios seguidos, de modo que não teriam condições de satisfazer a finalidade lucrativa expressamente prevista no artigo 2º da Lei 6.404/74, a Lei das sociedades por ações (LSA)[1].

Mas também existe um número relevante de decisões expressas no sentido de que bastaria a quebra do affectio societatis, uma desinteligência entre os sócios ou mesmo o simples desinteresse[2].

Apesar de alguns julgados destoantes[3], a posição atual do STJ é clara e veemente, basta que o acionista não tenha mais interesse e poderá se retirar sem qualquer motivo de uma sociedade anônima de capital fechado, mediante ação judicial própria. Recentemente a jurisprudência chegou a admitir até mesmo a dissolução parcial de Cia. aberta[4] e de instituição financeira[5].

Todavia, essa jurisprudência foge da melhor aplicação do direito, devendo ser objeto de ajustes.

Isso porque, a LSA prevê hipóteses específicas em que o acionista pode retirar-se, caso reste vencido em determinadas deliberações. Prevê ainda que a sociedade pode voltar atrás em tais decisões, caso o acionista, como consequência, decida deixar o quadro de sócios, de modo que a deliberação objeto da dissidência seja desfeita e a companhia não seja descapitalizada para pagamento ao dissidente.

No caso de S.A. aberta com liquidez das ações em bolsa a LSA expressamente afasta essa proteção, posto que o acionista pode simplesmente vender suas ações no mercado, não sendo plausível que possa escolher a retirada, por valor patrimonial (que certamente será diferente da cotação, para mais ou para menos).

Portanto, o transplante do regime jurídico das limitadas para a S.A. sem qualquer critério representa completa negativa de vigência dos dispositivos da LSA que regram o recesso do dissidente. Os julgados afastam inclusive a própria vontade das partes quando da fundação da S.A. ou da posterior aquisição de ações, momento em que resolveram aderir ao tipo societário em questão.

O direito constitucional de não se manter associado não deve ser visto como incompatível com as restrições de retirada da LSA. A LSA deve, isso sim, ser interpretada em conformidade com CF, de modo que seja relativizada em sua aplicação apenas quando estritamente necessário.

Para tanto, em primeiro lugar, é necessário que as partes tenham um conflito concreto entre si, não bastando um mero desinteresse de um dos acionistas, sendo necessário que esse conflito seja qualificado como real, plausível e grave, conceito abertos que podem ser preenchidos em cada caso pela jurisprudência.

Em segundo lugar, é pertinente averiguar a existência de um mercado para colocação, pública ou privada, das ações. Existindo interesse de acionistas ou de terceiros na aquisição das ações não faz sentido algum atribuir ao acionista o direito de pedir a retirada imotivada judicialmente. A interpretação da LSA em conformidade com a CF não pode ser feita com a mera negativa de vigência, deve ser feita com o alcance da eficácia máxima de disposição interpretada.

Se a LSA veda o recesso ao dissidente em companhia aberta com liquidez, cabe também verificar se há liquidez para alienação das ações, mesmo que se trate de companhia fechada, como requisito da dissolução parcial não prevista em Lei. Aquele que pretende se retirar deve comprovadamente ter buscado os demais acionistas para alienação das ações, assim como terceiros, de preferência contratando assessoria especializada, caso a situação comporte.

Comprovando o acionista que realmente há um conflito qualificado e que não existe mercado para alienação de sua participação em preço razoável, deve lhe ser garantida a retirada, posto que do contrário o direito de não se manter associado, previsto na CF, será desrespeitado.

Mas não existindo um conflito qualificado e/ou existindo mercado para alienação das ações, o regime jurídico da LSA é totalmente compatível com a CF, sendo certo que a entrada do acionista tinha tais restrições como pressuposto[6].

Texto atualizado às 20h37 do dia 13/10/2017.


[1] CIVIL.  RECURSO  ESPECIAL.  AÇÃO CONDENATÓRIA. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE  ANÔNIMA COM APURAÇÃO DE HAVERES. (1) RECURSO MANEJADO SOB A  ÉGIDE  DO  CPC/73.  (2)  DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE ANÔNIMA. POSSIBILIDADE.   INEXISTÊNCIA   DE  LUCROS  E  NÃO  DISTRIBUIÇÃO  DE DIVIDENDOS  HÁ VÁRIOS ANOS. (3) PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. APLICABILIDADE.  (4)  CERCEAMENTO  DE  DEFESA.  FALTA  DE  INSTRUÇÃO PROBATÓRIA.  SÚMULA Nº 83 DO STJ. (5) AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO SOBRE DOCUMENTO NOVO. SÚMULA Nº 83 DO STJ. (6) OCORRÊNCIA DE COISA JULGADA QUANTO  AO  PERCENTUAL  DE  JUROS  DE MORA. SÚMULA Nº 83 DO STJ. (7) NULIDADE   DE   CITAÇÃO   POR  EDITAL  DE  EMPRESA  ESTRANGEIRA  NÃO CONFIGURADA.  DEVER DE MANTER REPRESENTANTE COM PODERES PARA RECEBER CITAÇÃO  NO  PAÍS.  INTELIGÊNCIA DO ART. 119 DA LEI Nº 6.406/76. (8) JUROS  DE  MORA.  TERMO  A  QUO.  PRAZO  NONAGESIMAL PARA PAGAMENTO. PROCEDÊNCIA  NA  EXTENSÃO  DO  PEDIDO  PARA EVITAR JULGAMENTO "ULTRA PETITA". (9) RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Inaplicabilidade do NCPC ao caso ante os termos do Enunciado nº 2 aprovado  pelo  Plenário  do STJ na Sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos   com  fundamento  no  CPC/1973  (relativos  a  decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de  admissibilidade  na  forma  nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2.  A  impossibilidade  de preenchimento do fim da sociedade anônima caracteriza-se  nos  casos  em  que  a companhia apresenta prejuízos constantes e não distribui dividendos, possibilitando aos acionistas detentores  de  5% ou mais do capital social o pedido de dissolução, com  fundamento  no  art. 206, II, b da Lei nº 6.404/76. Hipótese em que no período de 12 (doze) anos a companhia somente gerou lucros em três exercícios e só distribuiu os dividendos em um deles. 3.  Caso  em  que  configurada a possibilidade de dissolução parcial diante  da  viabilidade da continuação dos negócios da companhia, em contrapartida  ao  direito  dos  sócios  de  se retirarem dela sob o fundamento  que eles não podem ser penalizados com a imobilização de seu capital por longo período sem obter nenhum retorno financeiro. Aplicação   do   princípio   da  preservação  da  empresa,  previsto implicitamente  na Lei nº 6.404/76 ao adotar em seus arts. 116 e 117 a  ideia da prevalência da função social e comunitária da companhia, caracterizando  como  abuso  de poder do controlador a liquidação de companhia próspera…. (REsp 1321263/PR, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 15/12/2016)

[2] EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.  DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE ANÔNIMA DE CARÁTER FAMILIAR E FECHADO. REQUISITO DA QUEBRA DA AFFECTIO SOCIETATIS AFIRMADO SUFICIENTE PELOS ACÓRDÃOS EXPOSTOS COMO PARADIGMAS. ACÓRDÃO EMBARGADO QUE JULGOU NO MESMO SENTIDO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 168/STJ. 1.- O Acórdão ora embargado, firmando, como único requisito à dissolução parcial da sociedade anônima familiar fechada a quebra da affectio societatis, julgou exatamente no mesmo sentido dos Acórdão invocados como paradigmas pretensamente divergentes, de modo que não cabem Embargos de Divergência, nos termos da Súmula 168/STJ. 2.- Subsistência da orientação constante do Acórdão embargado: "A 2ª Seção, quando do julgamento do EResp n. 111.294/PR (Rel. Min. Castro Filho, por maioria, DJU de 10.09.2007), adotou o entendimento de que é possível a dissolução de sociedade anônima familiar quando houver quebra da affectio societatis (EResp 419.174/SP, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, DJ 04.08.2008)". 3.- Embargos de divergência não conhecidos. (EREsp 1079763/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/04/2012, DJe 06/09/2012).

[3] RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. AÇÃO DE SOBREPARTILHA. BLOQUEIO DE CRÉDITO DE TERCEIROS. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. SÚMULA N. 202/STJ. SEPARAÇÃO JUDICIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. AÇÕES SONEGADAS POR UM DOS CÔNJUGES. CONSTRIÇÃO DE CRÉDITOS DA COMPANHIA. DESCABIMENTO. … 5. Reconhecer a condição de acionista do ex-cônjuge, com direito a parcela das ações da companhia, e, a um só tempo, determinar que o patrimônio da própria pessoa jurídica suporte o pagamento dos valores equivalentes ao que a esposa teria direito como acionista, em boa verdade, consubstanciaria reconhecimento de um direito de recesso – ou de retirada – não previsto em lei, mediante uma espécie de dissolução parcial da sociedade, no tocante às ações sonegadas, o que contraria a própria essência das sociedades anônimas. 6. A pretensão deduzida no recurso negligencia uma diferença marcante entre as sociedades anônimas (geralmente de capital) e as sociedades limitadas (geralmente de pessoas, nas quais predomina a affectio societatis): nas sociedades anônimas, a lei dificulta o reembolso das ações ao acionista dissidente, incentivando a alienação das ações para que terceiros ingressem em seus quadros; em contraste, nas sociedades limitadas, a lógica é inversa, pois a lei tem predileção pela dissolução parcial – com apuração dos haveres – e dificulta o ingresso de terceiros nos quadros societários, haja vista que sua essência reside exatamente no vínculo pessoal entre os consorciados. 7. Recurso especial não provido. (REsp 1179342/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 01/08/2014)

[4] APELAÇÃO CÍVEL. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. COMPANHIA DE SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL ABERTO, QUE ATUA NO MERCADO, ENTRETANTO, COMO SE FOSSE DE CAPITAL FECHADO. Há a possibilidade de dissolução parcial da Companhia ré, pois ela não se caracteriza de fato como uma sociedade anônima aberta, pois embora esteja apta a negociar ações no balcão de mercado não organizado, tal não ocorreu, tirando assim a liquidez das ações, tal como uma sociedade anônima fechada. Na verdade se trata de sociedade formada em caráter familiar e pessoal, na qual o intuito personae prevalece sobre o intuito pecuniae, sendo possível a sua dissolução parcial e a apuração de haveres com base no seu balanço especial, como determina o art. 1.031 do CC e a súmula 265 do STF. Por isso correta a sentença ao permitir a dissolução parcial da sociedade, pois, na verdade, ela opera como se de capital fechado fosse, uma vez que suas ações se mantém eternamente ilíquidas e, na saída de sócio, congeladas quanto ao seu valor. REJEITADAS AS PRELIMINARES, NEGARAM PROVIMENTO (Nº 70071296446 (Nº CNJ: 0339838-08.2016.8.21.7000, TJRS, SEXTA CÂMARA CÍVEL, REL DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA)

[5] RECURSOS ESPECIAIS – MEDIDA CAUTELAR INCIDENTAL EM AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL FECHADO CUMULADA COM APURAÇÃO DE HAVERES – JULGAMENTO SIMULTÂNEO À APRECIAÇÃO DA APELAÇÃO INTERPOSTA NOS AUTOS DA AÇÃO PRINCIPAL – DETERMINAÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA CORRETORA E DISSOLUÇÃO TOTAL DA HOLDING COM APURAÇÃO DOS HAVERES DO ACIONISTA DISSIDENTE EM LIQUIDAÇÃO – CAUTELAR QUE, A DESPEITO DO PRONUNCIAMENTO EXARADO NA DEMANDA PRINCIPAL, AUTORIZA O LEVANTAMENTO DE VALORES DEPOSITADOS EM JUÍZO, SEM A PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO IDÔNEA E SEM A NECESSIDADE DE LIQUIDAÇÃO DO JULGADO – INSURGÊNCIA DOS RÉUS – RECURSOS ESPECIAIS PARCIALMENTE ACOLHIDOS. Hipótese em que o sócio dissidente propõe medida cautelar, distribuída por dependência às apelações interpostas nos autos de ação de dissolução de sociedade anônima de capital fechado (Corretora Souza Barros) cumulada com apuração de haveres, objetivando, em síntese, impedir a venda de 9.879.625 ações da Bolsa de Mercadorias & Futuros – BM&F, originárias de títulos que a corretora possuía naquela instituição antes do processo de desmutualização (transformação de associação civil sem fins lucrativos em sociedade anônima) e a suspensão da eficácia da alienação procedida pela corretora das 8.891.662 ações de titularidade do corréu (sócio majoritário) Marcos de Souza Barros. Liminar parcialmente concedida para proibir a alienação de quaisquer ações originadas no processo de desmutualização da BM&F, incluindo outras porventura existentes e as 8.891.662 ações oferecidas à venda no IPO (Oferta Pública de Ações) da BM&F pelo co-réu Marcos de Souza Barros. Tribunal local que, em julgamento simultâneo à análise das apelações interpostas na ação dissolutória, contrariamente ao seu próprio pronunciamento exarado no concomitante julgamento da demanda principal, no que afirmou a necessidade de liquidação do julgado (ativo e passivo) para fins de apuração de haveres, determina o levantamento de quantia depositada em juízo (30% reservado em favor do sócio dissidente). 1. Existência de pronunciamentos judiciais contraditórios entre os julgados proferidos na demanda principal e na ação cautelar incidental. 2. Ocorrência de julgamento extra petita. Inexistência no petitório da cautelar incidental originária (fls. 03-18) de pedido para o levantamento de quantias depositadas, tampouco para a modificação dos critérios de apuração dos haveres. 3. Desrespeito ao princípio da hierarquia das decisões judiciais. Tribunal de origem que mantém entendimento em franca desobediência ao pronunciamento exarado por esta Corte Superior em liminar concedida na MC nº 19.104/SP. 4. Recursos especiais parcialmente providos para reconhecer a configuração de julgamento extra petita quanto à determinação de levantamento das quantias depositadas, anulando o acórdão nessa parte. (REsp 1368515/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 05/02/2015)

[6] Dentro desse cenário o novo Código de Processo Civil dispôs, em seu artigo 599, §2º, que: “A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter também por objeto a sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim.” A disposição parece completamente aleatória, criando mais problemas que soluções. O percentual mínimo para dissolução parcial nos parece, claramente, inconstitucional. Já a permissão expressa para a dissolução parcial de sociedade anônima, que anteriormente não estava prevista em Lei, não nos parece modificar em nada os critérios técnicos de admissão do evento.

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