Opinião

TSE deve aceitar recurso contra eleito se causa surgir até data da diplomação

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4 de novembro de 2017, 6h30

Não é exagero afirmar que as eleições de 2016 representaram um verdadeiro “experimento institucional”, consoante admitido pelo próprio presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes.[1]

Dentre as novidades, a redução do período de campanha de 90 para 45 dias, que restaram inalterados nessa última reforma eleitoral advinda das Leis 13.487 e 13.488.

Com efeito, no bojo do Informativo TSE 7/2016, tomamos conhecimento das Súmulas emanadas pela corte superior que servem de norte para os processos judiciais eleitorais[2].

Entre elas, a Súmula 47, que cristaliza a remansosa jurisprudência do TSE acerca da inelegibilidade superveniente ao registro de candidatura[3], com base no artigo 262 do Código Eleitoral.

Da simples leitura do verbete, percebe-se que restou consagrada a antiga e pacífica jurisprudência acerca do cabimento de recurso contra expedição de diploma, isto é, caso incida inelegibilidade infraconstitucional em desfavor de candidato após a data do registro de candidatura, essa deve surgir até o dia da eleição.

Segundo esse entendimento, eventual incidência de inelegibilidade após o dia do pleito tem eficácia protraída para as próximas eleições, não repercutindo no atual mandato. Essa interpretação, além de prestigiar os princípios da preclusão e da segurança jurídica, é que melhor conjugava a exegese contida no Estatuto das Inelegibilidades com a vontade popular advinda das urnas.

Até que veio ao mundo a Lei 13.165/15, reduzindo o período de campanha pela metade. Além disso, o entendimento solidificado pela Súmula 47 foi ungido a partir de jurisprudência construída sobre outra premissa, qual seja, quando a eleição durava 90 dias.

Atenta ao fato, Silvana Batini, antes mesmo das eleições de 2016 já havia defendido a reformulação da tese: “Diante da redução dos prazos de registro e campanha, acreditamos que em eleições municipais será praticamente impossível que o TSE venha a ter a oportunidade de examinar causas supervenientes de inelegibilidade antes da eleição. Mas, se isso vier a ocorrer, cremos desejável que se insista na reformulação da tese”. [4]

Para aumentar ainda mais a polêmica, o TSE firmou entendimento de que o deadline para reconhecimento de causa inelegibilidade é um, mais curto, em outubro, dia da eleição. Todavia, prestigiando o direito fundamental a elegibilidade, ao interpretar a regra descrita no parágrafo 10 do artigo 11 da Lei das Eleições[5], o reconhecimento de situações que possam vir a afastar essa inelegibilidade é outro, mais extenso, em dezembro, no ato de diplomação.[6]

Não é uma diferença qualquer o que tem dado margem à inquietude perante a doutrina especializada.

Rodrigo López Zilio e Luiz Carlos dos Santos Gonçalves defendem que o TSE deve uniformizar esses prazos, de modo a admitir a interposição de recurso contra expedição de diploma nas hipóteses em que a inelegibilidade surja até a data da diplomação: “Vale dizer: a Justiça Eleitoral não pode adotar termos finais diversos para causas supervenientes que importem em benefício ou prejuízo à determinada candidatura.”.[7]

Por sua vez, o ministro Luiz Fux, próximo presidente do TSE, ao discorrer quanto ao termo final para o reconhecimento de inelegibilidades infraconstitucionais aptas a lastrear o cabimento de recurso contra expedição de diploma, aponta claramente para possibilidade de reformulação da tese que deu ensejo a Súmula 47: “[a] corte precisa evoluir quanto este entendimento, no afã de considerar as inelegibilidades ocorridas até a data da diplomação [..].”[8]

Daí porque, Marcos Carvalhedo indica para uma possível viragem jurisprudencial “[…] a jurisprudência do TSE caminha no sentido de modificar o termo final de acolhimento de inelegibilidades infraconstitucionais supervenientes por meio de RCED, estendendo-o até a diplomação dos eleitos”.[9]

Recentemente, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, por ocasião dos julgamentos dos recursos contra expedição de diploma 566, 5521 e 50850, todos referentes ás eleições de 2016, superou a Súmula 47, ao entender incabível essa distinção de prazos fixada pelo TSE.[10]

Ademais, importante relembrar que ao tratar de suspensão dos direitos políticos ocorrida antes do ato de diplomação, última etapa do processo eleitoral, há precedente do TSE nos autos do Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral 35.709, nesse mesmo sentido.[11]

Logo, a partir da eleição de 2018, ao que parece, há uma tendência de rever-se a jurisprudência que deu ensejo a Súmula 47, de modo a admitir o cabimento de recurso contra expedição de diploma nas hipóteses em que a inelegibilidade surge até a data da diplomação.

Todavia, ainda que esse prognóstico se confirme, tal circunstância não irá por fim ao debate no que se refere aos recursos contra expedição de diploma oriundos de eleições pretéritas.

De um lado é bem verdade que o STF no Recurso Extraordinário 637.485 em que foi reconhecida a repercussão geral da matéria, já decidiu que decisões do TSE que importem em viragem jurisprudencial só podem ter efeito em eleição futura[12].

Por outro, não é nenhum exagero afirmar que, diante da iminente mudança na composição do TSE, cujo próximo presidente é um dos defensores da reformulação da tese ensejadora da Súmula 47, somado ao recente julgamento do STF no Recurso Extraordinário 929.670, onde restou reconhecida a aplicação retroativa da Lei da Ficha Limpa, a discussão quanto ao termo final para reconhecimento de inelegibilidade infraconstitucional superveniente apta a ensejar o cabimento de recurso contra expedição de diploma, com certeza ainda será muito discutida.

[1]http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/07/1795155-eleicoes-de-2016-sera-um-experimento-institucional-diz-gilmar.shtml

[2] http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-informativo-tse-no-7-ano-xviii

[3]“A inelegibilidade superveniente que autoriza a interposição de recurso contra expedição de diploma, fundado no artigo 262 do Código Eleitoral, é aquela de índole constitucional ou, se infraconstitucional, superveniente ao registro de candidatura, e que surge até a data do pleito”.

4 Pontos Controvertidos sobre a Lei da Ficha Limpa. / ANPR. Belo Horizonte: Del Rey; ANPR, 2016.

[5]“§ 10. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade”.

[6]“[…] alterações fáticas e jurídicas supervenientes ao Registro de Candidatura que são aptas para afastar a inelegibilidade podem ser conhecidas em qualquer grau de jurisdição, desde que antes da diplomação. Aquelas alterações que atraiam a inelegibilidade apenas são passíveis de produzir efeitos até a data do pleito eleitoral”. (Ed-Ag nº 117-49/AM, relator ministro Napoleão Nunes Maia, DJe 29/09/17.)

[7] Comentários às Súmulas do TSE. Ed. Juspodivm. 1ª edição, 2017, página 245.

[8] Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Luiz Fux, Carlos Eduardo Frazão, Ed. Fórum, 2016, páginas 317/318.

[9] Súmulas do TSE Comentadas. 1ª Ed. Lura Editorial, São Paulo, 2017, página 168.

[10] “Em outras palavras, o que ora se defende a que a eventual alteração jurídica de uma situação de inelegibilidade ocorrida entre o dia do pleito e a data da diplomação não pode ser, em um sistema de garantias eleitorais que privilegia a vida pregressa proba dos candidatos e a legitimidade das eleições, uma posição jurídica de vantagem […]” (RCED 566, DJe 16/08/17. Relator desembargador Antônio Aurélio Abi Ramia).

[11] “Conforme ocorre com as causas de inelegibilidade e as condições de elegibilidade – que são aferidas no momento do pedido de registro de candidatura -, no ato de diplomação o candidato não pode igualmente ostentar restrição à plenitude dos seus direitos políticos” (Ag-REspE 35709/RS, relator ministro Arnaldo Versiani, DJe 24/05/10).

[12] “Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior” (RE  637.485, DJe 21/05/13. Relator ministro Gilmar Mendes).

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