Opinião

Direito de greve ainda é incompreendido por magistrados

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30 de setembro de 2016, 6h18

A greve nacional dos bancários deflagrada em 6 de setembro, cumprindo todos os requisitos estabelecidos pela Lei 7.783/89, vem sendo alvo de uma série de ataques que violam o livre exercício desse direito fundamental previsto no artigo 9º da Constituição Federal.

Firmes neste propósito, a Ordem dos Advogados do Brasil, ao lado dos bancos, tem se revezado no ajuizamento de medidas judiciais buscando interferência indevida do Estado na relação capital versus trabalho, logrando êxito na empreitada, em algumas oportunidades, graças à inexperiência e ausência de cultura jurídica de magistrados de primeira instância na compreensão e alcance de tão complexo instituto.

Por sorte, a visão míope e restritiva ao direito de greve tem sido rechaçada por alguns tribunais regionais do trabalho, a exemplo do Tribunal Regional da 2ª Região e do Tribunal Regional da 17ª Região.

No caso do TRT da 17º Região, o desembargador Carlos Henrique Bezerra Leite, refutou os argumentos da OAB nos autos de Ação Civil Pública de 0001418-94.2016.5.17.0007, promovida contra o Sindicato dos Bancários do Espírito Santo, de que a atividade bancária estaria contemplada no rol das atividades essenciais do artigo 10 da Lei 7.783/89, a exceção da compensação bancária, para o fim de cassar a decisão de primeiro grau que havia deferido tutela de urgência para manutenção do atendimento mínimo de 30% para os advogados em agências bancárias e postos de atendimento conveniadas e estabelecidas com o órgãos do Poder Judiciário Estadual e Federal, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 10 mil em caso de descumprimento.

No entendimento de Carlos Henrique Bezerra Leite, amparado por diversos precedentes do Tribunal Superior do Trabalho[1], o rol do artigo 10 da Lei 7.783/89 não comporta interpretação extensiva para abranger outras atividades por tratar-se de rol taxativo.

Nesse sentido, pedimos vênia para transcrever trecho da decisão:

Sendo assim, data maxima venia do entendimento da d. Autoridade coatora, não me parece plausível e juridicamente sustentável a aplicação analógica e a interpretação extensiva do disposto no incido III do artigo 10 da Lei de Greve (III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos), uma vez que tal dispositivo visa a assegurar a continuidade da comercialização e fornecimento de produtos básicos para toda a população (ou parte dela) — interesses difusos —, e não garantir o atendimento de interesses de um grupo específico (interesses coletivos stricto sensu) de pessoas que mantêm relação jurídica-base entre si ou com a parte contrária, sob a singela alegação de que são titulares de créditos de natureza alimentícia (honorários advocatícios) ou do direito de propriedade ou de liberdade de ir e vir.

Através de Ação Possessória de 1001752-26.2016.5.02.0720 intentada pelo Banco Itaú contra o Sindicato dos Bancários de São Paulo, foi deferida tutela de urgência pelo juízo da 20ª da Zona Sul de São Paulo para o fim de restabelecer o atendimento ao público, notadamente os caixas eletrônicos (autoatendimento) sob o argumento de tratar-se de atividade essencial à população.

A exemplo do TRT da 17ª Região, a decisão foi imediatamente cassada pelo Tribunal Regional da 2ª Região, através de decisão da lavra da eminente desembargadora Leila Chevtchuk, nos autos de Mandado de Segurança 1002871-48.2016.5.02.0000, impetrado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, para assegurar o direito líquido e certo ao direito de greve, que também reconheceu que a atividade bancária a exceção da compensação bancária não está contemplada no rol do artigo 10 da Lei 7.783/89.

Consta da decisão abaixo transcrita:

No aspecto, ouso divergir do posicionamento adotado pelo M.M Juízo da 20ª do Trabalho da Zona Sul de São Paulo – Zona Sul.

Constitucionalmente garantido (art. 9º, da Carta Magna), o direito de greve natureza de direito fundamental e, conquanto deva ser exercido sem excessos, fato é que eventuais ameaças ao direito de propriedade hão de ser cabalmente comprovados e suficiente robustas a ensejar decisão que lhe imponha limites, sob pena de o instrumento processual de que se valeu a entidade bancária caracterizar mera e, portanto, inadmissível oposição ao livre exercício do direito sob exame

(…)

Observo, ainda, que diversamente da conclusão esposada pela DD. Autoridade Coatora, a atividade bancária , por sí só, não se insere dentre aquelas consideradas essenciais, ao que é guinada, apenas a “compensação bancária” (Lei 7.783/89, artigo 10)

Apesar das decisões acima mencionadas reconhecerem o direito ao livre exercício do direito de greve em atividades não essenciais, foi novamente o Sindicato dos Bancários de São Paulo surpreendido com investida da Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da Subseção de Cubatão, Seção de São Paulo, com o ajuizamento da Ação Civil Pública 1000986-72.2016.5.02.0255, com pedido de tutela de urgência para restabelecer o atendimento aos advogados em 30% em agências bancárias e postos de atendimento conveniadas e estabelecidas com os órgãos do Poder Judiciário Estadual e Federal, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 50 mil em caso de descumprimento.

Não bastasse o magistrado da 5ª Vara do Trabalho de Cubatão, Vinicius Jose Rezende, reconhecer ao arrepio da lei que a atividade bancária está inserida no rol do artigo 10 da Lei 7.783/89, frustrando o direito de greve dos trabalhadores, a sua percepção sobre os fatos foi mais além, ao determinar de ofício que os efeitos da decisão fosse estendida a magistrados e servidores da região para movimentação de contas bancárias, mesmo que o pedido tenha sido restrito aos advogados e jurisdicionados apenas e tão somente em razão do exercício profissional da advocacia.

Consta da decisão:

Por todas essas razões, acolho o pleito de urgência para determinar às reclamadas que, a partir de 28/09/2016, sob pena de multa diária de R$100.000,00 para cada ré, cumpram com as seguintes obrigações de fazer (sem a oitiva prévia da parte contrária – "inaudita altera pars"), com fulcro no art. 12 da Lei 7347/85:

-FUNCIONAMENTO das agências 1006 e 6721 do Banco do Brasil, e na agência 0301 da Caixa Econômica Federal, das 14h às 16h (1/3 do horário de funcionamento – 30%), para atendimento de advogados, seus clientes e magistrados/servidores da Justiça em todos os seus ramos, seja ela federal ou estadual, comum ou especializada, para "cumprimento dos alvarás judiciais de pagamento, liberação dos valores depositados em contas judiciais, pagamento/recolhimento de custas, emolumentos e depósitos recursais", além de eventuais transferências bancárias e saques no caixa, a fim de tornar viável a continuidade das rotinas jurisdicionais (pedido "a" de fl. 25); (grifou-se)

-FUNCIONAMENTO das agências/postos de atendimento do BANCO DO BRASIL E DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL situadas internamente nos fóruns trabalhistas, estaduais e federais comuns nos Municípios de Cubatão, Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá, Praia Grande, São Vicente, Santos, Guarujá e Bertioga, das 14h às 16h (1/3 do horário de funcionamento – 30%), para atendimento de advogados, seus clientes e magistrados/servidores da Justiça em todos os seus ramos, seja ela federal ou estadual, comum ou especializada, para "cumprimento dos alvarás judiciais de pagamento, liberação dos valores depositados em contas judiciais, pagamento/recolhimento de custas, emolumentos e depósitos recursais", além de eventuais transferências bancárias e saques, a fim de tornar viável a continuidade das rotinas jurisdicionais (pedido "a.1" de fl. 25); (grifou-se)

Além disso o magistrado extrapolou os limites objetivos da demanda ao determinar igualmente de ofício que o Sindicato mantenha manutenção integral da força de trabalho, muito embora a própria OAB tenha limitado o pedido na inicial a manutenção de 30% do contingente de trabalhadores ao dispor que:

-Considerando- se que o funcionamento já será realizado em apenas 30% do tempo de funcionamento bancário (14h às 16h), deverá ser garantida a manutenção integral da força de trabalho de cada agência ou posto de atendimento;

Não satisfeito com o atendimento privilegiado, o magistrado também franqueou aos beneficiados o direito de usufruir da boa e velha “carteirada” para garantir o atendimento VIP, ao permitir a exibição de documento de identificação profissional para o ingresso nos estabelecimentos bancários:

Destaco que os bancários poderão exigir, para adentramento nas agências bancárias, a identificação de partes, advogados, magistrados e servidores, não se cuidando de abertura ao público em geral, ante os limites da legitimidade ativa da parte autora e ante os limites objetivos impostos pela petição inicial, aos quais este magistrado encontra-se limitado em razão do princípio da adstrição. (grifou-se)

Certamente o desconforto e incômodo com a greve foi tamanho que não impediu o ilustre magistrado de agir arbitrariamente para estabelecer para si e seus pares vergonhoso privilégio em face de toda população que sofre com a paralisação da atividade bancária.

É certo que o direito de greve traz em sua essência o direito de os trabalhadores provocarem prejuízos através da paralisação das atividades, gerando incômodo e dissabores na população, mas isso nem de longe pode ser reconhecido como abuso por tratar-se justamente do exercício regular de um direito, uma vez que “a simples adesão à greve não constitui falta grave” na esteira do entendimento consagrado na Súmula 316 do STF.

Lamentavelmente ainda persiste a mentalidade retrógrada e autoritária de pessoas que se opõem a ideias políticas de liberdade individual e coletiva ignorando a transformação ocorrida com redemocratização do país.

A decisão ilustra bem o que estamos vivenciando hoje: o patrimônio e a ordem estão sempre em primeiro lugar, em detrimento do interesse social.

Daí que permitir que os interesses sociais dos trabalhadores por melhores condições de vida e trabalho sejam colocados em segundo plano para privilegiar interesses de determinadas classes não se coadunam com o atual estágio democrático inaugurado com a Constituição Federal de 1988.

Não há negar, portanto, que a decisão está inquinada de inconstitucionalidade por violar o direito fundamental de greve dos trabalhadores (artigo 9º) e os valores sociais do trabalho (artigo 1º, IV) ao estabelecer atendimento mínimo em atividade não essencial, além de obviamente estabelecer indevido privilégio em face da população, revelando também afronta ao direito de igualdade (artigo 5º).

Felizmente a injustiça cometida pelo magistrado foi rapidamente repelida pelo Tribunal Regional da 2ª Região, que cassou a liminar ora deferida por não vislumbrar "motivo para apartar dos deletérios efeitos da greve dos bancários apenas a categoria dos advogados, deixando os demais trabalhadores à míngua de especial proteção da Justiça" (MS 1000956-72.2016.5.02.0255).


1 RODC – 1600300-98.2006.5.09.0909, Data de Julgamento: 09/08/2010, Relator Ministro Fernando Eizo Ono, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 27/08/2010; RODC – 2022400-85.2006.5.02.0000 Data de Julgamento: 13/12/2007, Relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 15/02/2008; RODC – 54800-42.2008.5.12.0000, Data de Julgamento: 09/11/2009, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 27/11/2009; RODC – 20100-70.2006.5.17.0000, Data de Julgamento: 08/03/2010, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 19/03/2010.

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