Luto no Direito

Cachapuz viveu o direito internacional em todas as suas nuances

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP professor e pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).

16 de setembro de 2016, 15h13

Fomos surpreendidos pela notícia da morte de Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros, internacionalista, professor e amigo dileto. O Dr. Cachapuz deixa uma obra, um exemplo, uma saudade incomensurável e uma legião e admiradores. Gaúcho, bacharel pela PUC-RS (1975), com mestrado em Ciência Política pela UFRS (1983) e doutor pela USP (1995), o Dr. Cachapuz viveu o Direito Internacional em todas as suas nuances e em todos os seus dilemas. Foi professor, consultor jurídico, juiz internacional e parecerista.

Ainda no mestrado, orientado por Cesar Baquero, ocupou-se do tema do poder legislativo no contexto do direito internacional. No doutorado, orientado por Luiz Olavo Baptista, produziu tese portentosa, sobre o poder de celebrar tratados, hoje um clássico, editado pelo mecenas de todos nós, o Sergio Antonio Fabris. O pesquisador fez-se doutrinador; hoje o Dr. Cachapuz é recorrentemente citado.

De 1998 a 2016, o Dr. Cachapuz esteve à frente do Itamaraty, como Consultor-Jurídico, ocupando, com a mesma qualidade e seriedade, cargo que fora ocupado, entre outros, por Clóvis Beviláqua e por Gilberto Amado. À frente da Consultoria do Ministério das Relações Exteriores, o Dr. Cachapuz viveu momentos aflitivos de nossa diplomacia, entre outros, no conturbado momento de afastamento do Paraguai do Mercosul. De igual modo, o Dr. Cachapuz também pontificou no Instituto Rio Branco. Lecionamos uma disciplina comum, que ainda contou com o Marcelo Varella, um de seus mais bem-preparados interlocutores diretos, autor de importante livro de Direito Internacional, que incorpora muita influência do mestre que perdemos. O Dr. Cachapuz também editou e publicou os pareceres do Itamaraty, em recolha intelectual que mapeia nossa história intelectual, do ponto de vista do direito diplomático. Era também um historiador do Direito.

Conheci o Dr. Cachapuz em 2005, quando fui admitido no programa de mestrado da Universidade Católica de Brasília, em concurso por ele presidido. Em torno do Dr. Cachapuz éramos um grupo que pesquisávamos e lecionávamos o Direito Internacional, que era para onde ele sempre nos conduzia, campo no qual discutíamos a ordem cosmopolita dentro de nossas áreas de afinidade intelectual e profissional. Esse grupo, liderado pelo Dr. Cachapuz, era formado por obstinados pesquisadores, entre eles, Antenor Madruga, Jorge Fontoura, Arinda Fernandes, José Eduardo Sabo Paes, Luis Carlos Martins Alves Jr., Antonio de Moura Borges, Maurin Falcão, Marcos Aurelio Pereira Valadão, João Rezende Almeida Oliveira, Ronaldo Marton e Manoel Moacir Macedo. Com certeza, todos estamos com saudades. O Dr. Cachapuz orientou talentosos alunos, em seus vários campos de destaque, a exemplo, entre tantos outros, de Boni Soares, Luciano Monti Fávaro, Marcelo Diniz Cordeiro, Eneida Taquary, Valquíria Quixadá e Fernando Henrique Fernandes de Oliveira.

No auge de sua atividade intelectual e profissional o Dr. Cachapuz foi indicado juiz no Tribunal do Mar, posição pela qual tanto lutou e para a qual tanto tinha a oferecer. Intransigente para com qualquer forma de opressão, acadêmica ou burocrática, o Dr. Cachapuz era um homem de princípios. Católico, da medula ao espírito, o Dr. Cachapuz vivia como um fiel dos tempos heroicos de outrora, quando eram pouco nítidas as diferenças entre os mártires e os dogmáticos: todos eram obstinados. Firme em seus propósitos, o Dr. Cachapuz frequentemente discordava da maioria, sustentando, com inquebrantável convicção, os seus pontos de vista. Avesso à vida secular, monasticamente conduzia sua agenda de compromissos, com ênfase em seus vínculos de acadêmico e de advogado internacionalista militante, a serviço do Itamaraty.

Uma perda. Lamentável. A exemplo do Apóstolo Paulo, como registrado na Carta a Timóteo, o Dr. Cachapuz também combateu o bom combate e, a seu modo, guardou sua também inquebrantável fé. Combateu por um direito internacional centrado na paz e na concórdia. Acreditou nas possibilidades da humanidade, a qual representou, inegavelmente, como exemplo de homem elegante, inteligente, culto e compreensivo. Como na passagem de Schiller, invocada por Tobias Barreto, o Dr. Cachapuz lembra-nos que de todos os bens da vida, a glória é o mais alto bem, o corpo há muito é poeira e o nome ecoa ainda além.

Autores

  • é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC- SP e advogado, consultor e parecerista em Brasília, ex-consultor-geral da União e ex-procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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