Brasil deve combater a corrupção sem abolir o direito de defesa
24 de outubro de 2016, 7h00
A sociedade brasileira assiste, escandalizada, a inúmeros episódios de corrupção praticados em todos os níveis governamentais, trazendo, a todos, desesperança que mina a confiança nas instituições.
Nesse contexto, o Congresso Nacional vem examinando projeto de lei oriundo da denominada 10 medidas contra a corrupção, que tem o objetivo de tornar mais célere e eficiente o combate a este mal que, se não é exclusivamente brasileiro, aqui encontrou campo fértil.
A existência desse debate dá algum alívio a todos os que militam nesta área e experimentam os entraves que surgem para a condenação dos responsáveis.
No entanto, esse alívio não se mostra suficiente para concordar com todas as medidas propostas. Assim, ainda que, no todo, o projeto avance — e muito — no combate à corrupção, algumas propostas não se mostram corretas.
Este artigo não tem a pretensão de examinar todo o projeto, mas apenas alguns pontos dele.
É adequado que as sanções para atos de corrupção sejam sensivelmente majoradas, visto que atualmente elas são extremamente leves relativamente ao mal que os atos ilícitos causam. Basta pensar que pelo ralo da corrupção escoam os recursos que deveriam ser destinados à saúde, educação, moradia e tantas outras necessidades da coletividade. Não são, pois, atos que causam pequeno dano e devem ser corretamente sancionados, fazendo com que a corrupção não seja uma conduta de baixo risco e punição improvável.
Também merece aplausos a proposta de aumento dos prazos prescricionais, possibilitando que as condutas ilícitas sejam, efetivamente, punidas. Atualmente, em razão do montante da pena, muitos crimes prescrevem antes que a Justiça possa dar a sua decisão, gerando impunidade.
Por outro lado, parece temerosa a proposta de coibir os recursos que atualmente cabem às partes, a pretexto de tornar mais célere e eficiente a prestação jurisdicional.
A demora da atividade jurisdicional decorre de inúmeros fatores que não tem relação com o numero de recursos. Decorre, por exemplo, do número insuficiente de juízes, promotores, procuradores e servidores, o que impede que os feitos tramitem com a agilidade necessária. Esta demora judicial, ademais, é experimentada por tantos quantos busquem a tutela jurisdicional para a satisfação de seus direitos.
Não é raro verificar que a simples juntada de uma petição, ou a expedição de um mandado, demore mês ou meses, exatamente em razão do número insuficiente de agentes incumbidos de dar andamento ao feito.
Também não é raro verificar que um inquérito policial ou um inquérito civil demore meses, ou até anos, para ser concluído, exatamente pelo mesmo motivo. Tampouco é raro constatar que julgamentos, por vezes, demoram anos para serem realizados, tudo à vista do excesso de serviço decorrente de estrutura insuficiente.
Assim, tributar a demora no julgamento dos feitos a suposto excesso do número de recursos não parece correto.
Pode ser argumentado que, por vezes, a apresentação do recurso decorre apenas da deliberação de não encerrar o feito, tendo intuito meramente protelatório. Nesses casos, todavia, há que se partir do fato de que o recurso constitui direito da parte e, como qualquer direito, o seu abuso deve coibido. No entanto, essa circunstância deve ser aferida em cada caso. Anote-se que já existe mecanismo suficiente no ordenamento processual para sancionar eventuais atos protelatórios, não havendo necessidade de proibir esta ou aquela conduta processual que objetive a defesa da posição de cada parte.
No que diz respeito às ações de improbidade administrativa, é indispensável que seja abolida a fase preliminar, inserida no artigo 17 da Lei 8.429/92. A experiência demonstra o número ínfimo de feitos que são terminados nesta fase, assim como a desnecessidade deste procedimento prévio, caracterizado por nível superficial de cognição. Muito melhor que a defesa seja única, sem prejuízo da possibilidade de julgamento a qualquer momento, quando a demanda se mostre infundada.
Em síntese, o Brasil deve se mostrar capaz de ter mecanismos legais suficientes para o combate do mal da corrupção sem, contudo, abolir aspectos importantes do direito de defesa.
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