Garantia abandonada

Em discurso de posse, presidente da OAB-SP critica mudança do Supremo

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4 de março de 2016, 12h18

Ao discursar em sua posse solene, na noite desta quinta-feira (4/3), o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Marcos da Costa, disse que o Brasil passa por um dos períodos mais graves de sua história. Uma das mais duras críticas foi à mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal, que passou a permitir prisões antes do trânsito em julgado do processo.

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Marcos da Costa, Campos Machado, Arnaldo Faria de Sá e Geraldo Alckmin.
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"O clamor das multidões não pode e não deve jamais influenciar a ruptura legal. Reconhecemos e lamentamos a lerdeza da Justiça Brasileira. Mas o Supremo não pode e não deve tentar equacionar este problema por via de mudança da letra constitucional. Afinal, ao fazer isso, está transferindo para o cidadão o fardo da morosidade da Justiça, situação que compete ao próprio Judiciário resolver", afirmou Marcos da Costa.

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Márcio Elias Rosa, Alexandre de Moraes e Arnaldo Faria de Sá.

No evento, estavam presentes representantes da advocacia, do Judiciário, do Executivo e do Legislativo, como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin; o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo; Fernando Capez; o deputado federal Arnaldo Faria de Sá; o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa; e o secretário de Justiça do estado, Alexandre de Moraes.

Leia, abaixo, o discurso de Marcos da Costa:

Meus senhores e minhas senhoras,

Inicio minha oração com uma mensagem de agradecimento a todos aqueles que se dedicaram, na gestão anterior, ao fortalecimento da advocacia e engrandecimento de nossa Instituição e aos que se comprometeram a dar curso a essa história gloriosa de grandes dirigentes de nossa OAB, pelos próximos três anos.

– Aos Diretores da OAB, da CAASP, Conselheiros, presidentes e diretores de subseções, da ESA, presidentes e membros de comissões da Secional e de nossas 234 subseções; 

– aos nossos colaboradores, que são a base de sustentação da administração da nossa instituição; 

– aos nossos eternos presidentes da OAB de São Paulo, cujo exemplo procuro seguir e honrar, todos os dias; 

– aos dirigentes maiores de nossa OAB Nacional, presidentes, diretores e conselheiros federais, que ao longo da história, ao lado das Secionais e das Subseções brasileiras, participaram de todos os momentos mais relevantes da história da nossa Nação; 

– ao nosso presidente Claudio Lamachia, meu amigo, meu irmão, que tenho a honra de conhecer há tanto tempo e poder testemunhar a sua inegável capacidade de presidir a Entidade de maior credibilidade na sociedade civil deste País, mesmo num momento difícil como este, por qual passa a nossa Nação; 

– aos meus irmãos presidentes e diretores de OAB e de Caixas de Assistência de todo o País, que nos dão a honra da presença nesta data, emprestando a esta solenidade o prestigio da advocacia dos mais distantes lugares do Brasil; 

– aos amigos presidentes das Entidades co-irmãs, meu compromisso de continuarmos sempre juntos; 

– a cada advogada e advogado aqui presente, renovo na presença dos amigos o meu compromisso de continuar a servir a nossa classe e a nossa Instituição; 

– aos colegas que disputaram a eleição como nossos adversários, meus profundos respeitos e o convite para que estejam ao nosso lado trabalhando pela Advocacia; 

– enfim, a todos os colegas que nos honraram depositando o voto em nossa chapa nas urnas de todo o Estado. Procurarei honrar com todo o meu esforço, todos os dias, cada voto recebido.      

Senhoras e Senhores, 

 Sabemos da grandeza dos desafios que teremos no curso da atual gestão. Mas, acabado o pleito, com a classe unida, teremos forças para superar as barreiras que surgirão. 

Iniciamos o ano com a luta em defesa dos nossos 38.000 colegas dedicados e capacitados, que atenderam mais de 1.400.000 pessoas carentes em todo o Estado de São Paulo só no ano passado. 

Com suas famílias, passaram um Natal com muitas dificuldades, em função do calote inédito perpetrado pela atual gestão da Defensoria Pública, que deixou de pagar os sagrados honorários representados por certidões expedidas após anos de serviços prestados.      

Queremos continuar a servir à população de São Paulo. Mas não aceitamos desrespeito aos nossos colegas! Repito: Não aceitamos desrespeito aos nossos colegas! 

Daí a nossa expectativa ante o compromisso assumido pelo Exmo. Governador Geraldo Alckmin, no sentido do encaminhamento de projeto de lei à Assembleia Legislativa, transferindo o nosso convênio de assistência judiciária para a Secretaria de Justiça. 

Estaremos vigilantes e prontos a solicitar aos Deputados Estaduais para que aprovem com urgência esse projeto, para o qual queremos contar com o apoio do Presidente Fernando Capez e dos legisladores aqui presentes. 

Começamos também o ano com um desafio gigantesco: a vigência do novo Código de Processo Civil. Que seja ele um instrumento de melhoria do nosso Judiciário e de transformação de nossa Justiça. 

Senhoras e Senhores, 

O Brasil atravessa um dos mais graves períodos de sua história. 

Assolado por um conjunto de crises – política, econômica, de gestão, culminando com a crise ética – o País tateia sem bússola e sem rumo.      

Protela-se o sonho da Grande Nação, sob o império da vulgaridade e da torpeza. 

Diariamente nos deparamos com escândalos, casos tenebrosos e ações espúrias que mancham a folha de protagonistas da política, da gestão pública e do círculo de negócios. 

O País não suporta mais permanecer em situação de insegurança, sem saber que rumo trilhar, sem saber se o governo de hoje será o governo de amanhã. 

Aliás, hoje mesmo, uma revista de circulação nacional traz mais um depoimento-bomba. Se verdadeiros os fatos nela mencionados, teremos contaminada toda a República Brasileira. Um Senador, líder do Governo, denunciando as mais altas autoridades do Poder Executivo e seu conluio com membros do Poder Judiciário. Jamais se chegou a um ponto tão baixo de desprezo e menosprezo aos valores republicanos. 

Não há ninguém que seja maior do que o Brasil! 

O Brasil clama e reclama pela apuração de todas as denúncias apresentadas, sejam elas dirigidas a quem forem, envolvam quem envolverem. E que todas aquelas que forem comprovadas sejam seguidas da punição cabível. 

Senhoras e Senhores, 

Mas não há salvação, não há solução, não há caminho fora do Estado Democrático de Direito! 

Uma estaca das mais firmes no terreno constitucional acaba de ser quebrada pela mais alta Corte do País, o Supremo Tribunal Federal: a possibilidade de sentença penal, com prisão do réu, antes do trânsito em julgado, desrespeitando cláusula pétrea da presunção de inocência, inserida no inciso LVII, do artigo 5º, da Constituição de 1988, que assim decreta: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.        

Todos aqui sabem que a partir da Constituição Cidadã de 1988, a Nação Brasileira passou a integrar a moldura das modernas democracias contemporâneas, reconhecida por um ideário fundado sobre sólidos e imutáveis dispositivos, as chamadas cláusulas pétreas. 

Vivemos o mais largo período democrático de nossa história republicana às garantias constitucionais e a atuação do nosso Poder Judiciário, notadamente do Supremo Tribunal Federal, como seu guardião, seu defensor. 

Jogou-se, porém, no lixo, a imutabilidade de normas que regulam os direitos e garantias individuais. 

O rompimento da ordem constitucional foi justificado pela chamada “voz das ruas”. 

Ora, o clamor das multidões não pode e não deve jamais influenciar a ruptura legal. Reconhecemos e lamentamos a lerdeza da Justiça Brasileira. Mas o Supremo não pode e não deve tentar equacionar este problema por via de mudança da letra constitucional. Afinal, ao fazer isso, está transferindo para o cidadão o fardo da morosidade da Justiça, situação que compete ao próprio Judiciário resolver. 

Nós esperamos, sim, que se faça justiça. A sociedade tem fome e sede de justiça. Mas não queremos que se faça uma justiça midiática, atropeladora de garantias. Não queremos uma justiça que realiza justiçaria. 

Ressalto que o cidadão tem direito à defesa. Não aceitamos a pecha de que os recursos protelatórios dos advogados fazem demorar os processos.  O advogado tem prazo, o promotor tem prazo, todavia, o juiz é o único operador do Direito que não tem prazo. 

Não tenho dúvidas, Senhoras e Senhores: precisamos discutir no Congresso a estrutura do Judiciário, iniciando pelo debate da Lei Orgânica da Magistratura, cujo projeto, confiamos, será encaminhado em breve ao nosso Legislativo.       

Senhoras e Senhores,

Amigas e amigos Advogados, 

A sociedade brasileira clama também por melhoria em sua vida cotidiana. Lamentamos dizer que as conquistas das classes mais desfavorecidas, nos últimos anos, estão sendo perdidas por falta de consistência em matéria de política econômica e pelos erros seguidos da gestão governamental. 

O Brasil precisa enfrentar suas mazelas e combater de forma definitiva seus vícios fundados no patrimonialismo, no paternalismo, no nepotismo, no fisiologismo, no clientelismo. 

Não podemos deixar que o ônus desses desvios recaia sobre os ombros dos contribuintes, que já pagam uma carga tributária das mais altas do planeta. Não vamos deixar que a CPMF apareça novamente para sugar o bolso do contribuinte, cada vez mais vazio. Se o governo quer encontrar um rumo, perdido que está, que faça corte de gastos e moralize a administração pública. 

De nossa parte, da parte da Advocacia, continuaremos a nos guiar pelo lume do artigo 133 da Constituição Federal, pelo qual o advogado é indispensável à administração da Justiça. 

Senhoras e Senhores, 

Temos de ter a coragem de empurrar o Brasil adiante, sinalizando para as instituições sociais e políticas a necessidade de encontrar alternativas e meios – os mais urgentes e viáveis – para que a Nação se reencontre com o ideário do desenvolvimento e da harmonia. 

O momento se apresenta propício para resgatarmos  valores e crenças, que são o suporte do caráter, como primeira condição para o País divisar caminhos mais largos  e horizontes menos sombrios. 

Este é um momento que reclama dos homens públicos compromisso com o ideário da responsabilidade, da credibilidade, da transparência, do respeito aos valores republicanos e ao Estado Democrático de Direito. 

É chegada a hora de avançarmos, de o Brasil fortalecer as vigas de seu edifício democrático, alicerçado no compromisso da busca contínua da Justiça Social, de aprofundar a densidade de sua democracia, de garantir a pletora de direitos individuais e sociais, e extirpar os tumores que ainda corroem os corpos da administração pública nas esferas federativas. 

A reforma política brasileira precisa ser pautada por nossos Governantes: a forma de financiamento de campanhas; o combate ao Caixa 2; a maior transparência nos processos licitatórios; o fortalecimento da advocacia pública; as discussões sobre a regulamentação do lobby, hoje seriamente comprometido como instrumento de corrupção; o relacionamento e a efetiva independência entre os Poderes, e entre os entes federativos, são temas que reclamam inclusão nas temáticas prioritárias de nossa Nação. 

Proporemos profunda discussão sobre nosso sistema de governo. É hora de apresentarmos alternativas à sociedade, a partir da reforma do regime, buscando a via parlamentarista, debate que iremos abrir em nosso Conselho Secional. A constatação é que o nosso modelo presidencialista, ancorado em coalizões (que se transformam em colisões), está esgotado. 

Minhas amigas, meus amigos 

Quero, em palavras finais, manifestar meu compromisso de trabalhar 24 horas por dia pela valorização do advogado, em defesa de suas prerrogativas, sempre sob a bandeira da Cidadania.  

Concluo minhas palavras, expressando minha crença em nosso País! 

Confio nas nossas Instituições! 

Confio no encontro de soluções para as crises que estamos atravessando! 

Vislumbro largos horizontes no Estado Democrático de Direito.      

Vislumbro uma República revigorada pelo acesso de todos à Justiça; pela  consolidação dos direitos individuais e coletivos; pela repactuação dos entes federativos de forma a diminuir a imensa distância entre eles; e pela profunda modificação dos costumes políticos. 

Sou e serei um fiel soldado em defesa dos valores republicanos! 

Sou e serei um fiel servidor da causa da Advocacia! 

Muito obrigado!

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