Academia de Polícia

O Rio de Janeiro está preparado para o terrorismo das Olimpíadas

Autor

  • Ruchester Marreiros Barbosa

    é delegado de polícia do RJ professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro da Escola da Magistratura de Mato Grosso e do Cers autor de livros palestrante e colaborador oficial da Comissão de Alienação Parental da OAB-Niterói.

19 de julho de 2016, 12h32

Spacca

Talvez este seja um dos mais desafiadores temas para ser expor em uma coluna. Não só pelas controvérsias conceituais ao longo da evolução das sociedades sobre o próprio significado e alcance do conceito de política, como pelo amadorismo latente em se lidar com a necessária interdisciplinaridade das diversas áreas do conhecimento humano sobre a política criminal e a política de segurança, desenvolvida pelos Estados hodiernos, culminando no mais polêmico e, apenas aparente, novo fenômeno criminógeno[1] ou criminológico do terrorismo.

É extremamente importante um estudo metodológico sobre temas tão intrincados e mal refletidos por todas as esferas de poder, leia-se: Legislativo, Executivo e Judiciário. É sempre bom salientar que nossa abordagem sobre a política aqui está desprovida de conteúdo partidário.

Evidente, que por razões da própria essência de sentido à política, o único conteúdo ideológico que adotaremos é o democrático. E, mesmo assim, ainda há espaço para embates. Basta olharmos para os elementos autoritários presentes no governo democrático da Turquia, que, em bravata, clama, agora, pela pena de morte como elemento de sua política… criminal? De segurança?

Deveríamos nos preocupar. Até há poucos dias estávamos ouvindo em rede nacional apologia a torturador da boca de um parlamentar. Já dizia Charles de Gaulle: “Política é uma questão muito séria para ser deixada para os políticos”.

"A política é a nobre atividade na qual os homens decidem as regras pelas quais viverão e os objetivos que querem buscar coletivamente[2]." O que busca a coletividade? Quais os fins? De que forma? Todos ao mesmo tempo? Não. Mas, então, qual pessoa ou grupo? Como se percebe, não serão as respostas que moverão o mundo, mas as perguntas. Essas reflexões sobre a política são debatidas há milênios, e, pelo mesmo lapso de tempo, suas respostas se alteram, dependendo da realidade em que a sociedade se encontrar.

A sociedade organizada quando decide pela adoção de uma estrutura organicista o faz, em tese, para prover seus bens e se autoproteger, como sois a ideologia do controle social concebido por Hobbes[3] contra o “estado de natureza do homem”, de modo que o Estado surge como forma de controlar os recursos de interesse comum para que se autossustentem e não prevaleça a lei do mais forte, definindo-se, por exemplo, o exercício do poder, as liberdades públicas, circulação da riqueza, educação, saúde etc., o que denominaremos de política de segurança (pública).

Há também um especial controle sobre conflitos mais graves, cujas violações colocariam em risco toda a estrutura organizacional do contrato social, que legitima a força, inclusive violenta, do Estado por meio de controles sociais formais punitivos. A essas formas de organizações estruturais denominaremos de política criminal[4].

Assim, o primeiro alerta crucial às temáticas e que necessariamente devemos distinguir é a total distinção entre política criminal, “como sempre trabalhando com algo que seja definido como infração penal” e política de segurança, que “possui um raio de ação mais abrangente, especialmente de caráter preventivo ou dissuasivo, que podem não estar vinculadas a condutas definidas como infrações penais”[5].

Consequentemente, pela própria lógica da política criminal, o “fenômeno criminal ou criminalidade não é uma realidade natural, mas o entrelaçamento de fenômenos culturais (conflitos) e de política de Estado (processo de criminalização)”[6].

Os atuais eventos de ataques terroristas, que vem atemorizando o mundo, sendo o mais recende em Nice, na França, incrementado com a tentativa de golpe de Estado pelas forças armadas na Turquia, que também é alvo de ataques terroristas, causou preocupação à mídia.

No caso turco, o presidente Recep Tayyip Erdogan aponta como principal articulador político da tentativa de golpe seu antigo aliado político, segundo Erdogan, o líder de uma organização terrorista (o Partido dos Trabalhadores Curdos – PKK) e religioso islâmico Fethullah Gulen, estando este exilado há alguns anos nos EUA, no entanto, ainda bem influente e opositor político do atual governo.

A especulação para o golpe teria sido porque o atual presidente estaria rompendo com a tradição de secularização do país, instituída desde a Constituição de 1924, ou seja, caminhando para imposições autoritárias de ideologias religiosas e islâmicas no país, atingindo, também, as forças armadas, que é veementemente contra.

Segundo os principais meios de comunicação disponíveis pela internet o número de pessoas presas em razão da tentativa de golpe é aproximadamente de 2.800 militares e 2.745 juízes[7], segundo dados que teriam sido passados pelo ministro da Justiça turco, Bekir Bozdag.

E qual a relação desses dados com a questão da política criminal, de segurança, criminalidade e o terrorismo? Está tudo interligado.

Inicialmente, um Estado deve ter, como política de segurança, políticas que ataquem a causa da criminalidade, já que esta é um fenômeno, um sintoma, e, consequentemente, o controle social formal punitivo incidiria em parcela menor de conflitos sociais e interveria minimamente sobre os aspectos que fogem a uma política preventiva, e por fim, e aí sim, pensemos em uma política criminal, e nesta seara que alocamos o tema do terrorismo? Ou o terrorismo é fruto de uma polícia de segurança equivocada?

São por esses questionamentos, como ocorre com qualquer fenômeno social que se quer criminalizar, que se faz necessário um estudo profundo sobre as causas, sob pena de agir de forma ineficiente contra a criminalidade. Vamos a alguns números.

O índice de homicídio da Turquia era de 3,3 mortes por 100 mil habitantes, enquanto no Brasil era de 21 mortes, considerando o Relatório do Desenvolvimento Humanos da ONU de 2013 (Pnud), que apresentam índices médios entre 2007 e 2011.

Já no relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento de 2015 (Pnud), que deu mais ênfase às questões populacionais, o Brasil aparece como o país que possui 274 pessoas presas por 100 mil habitantes, que equivalem a 548 mil pessoas presas, que atualmente está com mais de 715 mil pessoas encarceradas[8], mas, ao revés de se diminuir o índice de criminalidade, houve aumento para 25,2 mortes por 100 mil mil habitantes.

Por outro lado, a Turquia possui 179 pessoas presas por 100 mil habitantes, que corresponde a 132 mil pessoas encarceradas, porém com um índice de criminalidade em 2015 de 2,6 mortes por 100 mil habitantes, ou seja, menor do que em 2011, mesmo sofrendo atentados terroristas, em razão de Turquia compor, juntamente com França, Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha, a coalizão internacional no enfrentamento bélico ao Estado Islâmico, consequentemente, se transformaram em inimigos deste.

Enquanto o Brasil aumentou o índice de criminalidade, a Turquia o diminuiu. E por qual razão seria? A Turquia adota política de segurança preventiva, na qual contribuiu para o aumento no índice de desenvolvimento humano e diminuição da desigualdade social, enquanto que no Brasil, insistindo em combater as consequências, com inflação legislativa de normas penais e aumento de penas, sem nenhuma reforma política e tributária, o índice de desigualdade social aumentou, não obstante o índice de desenvolvimento tenha se estabilizado com um leve aumento.

Como sustenta Del Percio[9], exemplificando metaforicamente, na sua obra, a política sanitarista de profilaxia e prevenção no enfrentamento de ratos e baratas: “Uma política de segurança sustentável é aquele que leva em consideração os agentes etiológicos do crime violento e gere as condições pertinentes para reduzir ao máximo sua propagação, atacando as causas da exclusão social: se trata de ter uma casa limpa, mais do que colocar venenos e armadilhas”.

Associam-se a esses dados que de 1997 a 2012 em todo o mundo a população carcerária aumentou em média 30%, mas no Brasil foi de 221,3%, ou seja, 7,3 vezes mais do que a média mundial[10] e corresponde a uma média de 113 encarceramentos por dia[11], tendo atingido uma taxa de ocupação de vagas no sistema em 2014 de 171,9%[12] de seus estabelecimentos prisionais, enquanto na Turquia foi uma taxa de ocupação de 102,6%[13].

Em aproximadamente 50 dias o Brasil terá encarcerado a mesma quantidade de pessoas que a Turquia prendeu em alguns dias, em uma situação politicamente excepcional em razão do restabelecimento de uma tentativa de golpe de Estado, onde o índice de encarceramento, até o final do ano, certamente será bem menor do que no Brasil, diante da diferença aberrante do índice de criminalidade de um país para o outro.

Como já salientou nesta mesma coluna o professor Rodrigo Carneiro, em bem lançado artigo sobre o terrorismo, na ocasião ao ataque terrorista, em Paris[14]: “Os dados estatísticos demonstram que o Brasil tem quase quatro vezes mais mortes por homicídios, em comparação com as mortes causadas por ações terroristas no mundo inteiro, no mesmo período de um ano”.

Acrescentemos a esses números, inclusive, o maior índice de policiais mortos do mundo em tempo recorde.

E a mídia no Brasil ainda tem medo de ataque terrorista? Uma preocupação dessas somente demonstra o total amadorismo e os oportunismos do populismo penal midiático, que movimenta as cifras na casa dos milhões em contratos de publicidade e controle na transmissão dos Jogos Olímpicos, explorando o que Luc Ferry denomina de “paixões democráticas”, a saber: o medo, indignação, o ciúme e a cólera[15].

Em recente estudo feito por Robert Pape, em sua obra publicada em 2005[16], assevera que o terrorismo suicida é em sua essência, uma resposta à ocupação estrangeira, e não uma questão de religiosidade ou crenças individuais. Ele analisou de 1980 a 2003 todos os 315 ataques terroristas e descobriu que 95% os ataques suicidas estavam relacionados à ideologia da libertação nacional, concluindo que o uso da força militar por potências estrangeiras para subjugar ou reformar sociedades serve apenas para promover um número maior de terroristas suicidas. Segundo o autor, essa prática não é o resultado de uma oferta abundante de fanáticos, mas um “fenômeno produzido pela demanda”.

O Brasil elaborou a Lei 13.260/2016 que em hipótese alguma irá combater a tática do terrorismo suicida, mesmo tendo criado tipos penais preventivos, criminalizando os atos preparatórios, pois não há no Brasil produção de inteligência nesse sentido, bem como não faz parte de coalizão para combater o IE nem o Hamas. Somos obrigados a concordar com Todorov[17] quando diz:

“A moral e a justiça postas a serviço da política dos Estados desservem a moral e a justiça, transformando-as em simples instrumentos nas mãos dos poderosos e fazendo-as aparecer como um véu hipócrita lançado sobre a defesa dos seus interesses. O messianismo, essa política conduzida em nome do Bem e do Justo, prejudica tanto um quanto o outro”.

Nada parece ilustrar melhor a célebre frase de Pascal: “Quem quer fazer-se de anjo acaba tornando-se animal”.

Nossa água e rios contaminados, nossos policiais com salários sendo parcelados, ou atrasados, com a incerteza de não pagamento após as Olimpíadas, condições indignas de alojamento dos agentes de segurança e a morte diária de policiais pela marginalização ocasionada pela ausência de políticas de segurança e criminal condizentes com um Estado Democrático de Direito já são ingredientes de sobra para qualquer um implodir de vergonha, já que nosso governo já está fazendo o trabalho que competia ao IE, ao Hamas e toda a trupe.

Ah, e a Lei 13.260/16? Vai cair na conta dos traficantes. Foram promovidos a terroristas. Contagem regressiva… welcome to the hell.


[1] MOLINA, Antônio García-Pablos; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 3ª ed. São Paulo: RT, 2002, p.343.
[2] KELLY, Paul [et all], O Livro da política. tradução Rafael Longo. São Paulo: Globo, 2013, p. 12.
[3] AZEVEDO, Rodrigo Griringhell e CARDOZO, Tiago. DEL PERCIO, Enrique (Compilador). Criminalização e Controle Social in Prejuicio, Crimen y Castigo. Buenos Aires: Sudamericana-COPPPAL, 2010, p. 115.
[4] ROXIN, Claus. Política Criminal Y Estructura Del Delito. Elementos del delito em base a la política criminal. Trad. Juan Bustos Ramírez y Hernán Hormazábal Malarée. Barcelona: PPU, 1992, p. 9.
[5] BINDER, Alberto M. Política de seguridad y control de la criminalidade. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2010, p. 14
[6] BINDER, Alberto M. Ob. Cit. p, 15
[7] Disponível: https://www.publico.pt/mundo/noticia/ao-minuto-tentativa-de-golpe-de-estado-na-turquia-faz-pelo-menos-60-mortos-1738478, acesso em 18/07/2016
[8] Disponível: http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/pessoas_presas_no_brasil_final.pdf, acesso em 18/07/2016
[9] DEL PERCIO, Enrique (Compilador). DEL PERCIO, Enrique. De Redes, Troncos y Rizomas. in Prejuicio, Crimen y Castigo. Buenos Aires: Sudamericana-COPPPAL, 2010, p. 115.
[10] Disponível: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/populacao-carceraria-brasileira-cresceu-7-vezes-mais-que-a-media-mundial-nos-ultimos-15-anos-5518.html, acesso em 18/07/2016
[11] Disponível: http://www.portaldoholanda.com.br/brasil/em-um-ano-40-mil-pessoas-sao-presas-no-pais-revela-ministerio-da-justica, acesso em 18/07/2016
[12] Disponível: http://www.prisonstudies.org/country/brazil, acesso em 18/07/2016
[13] Disponível: http://www.prisonstudies.org/country/turkey, acesso em 18/07/2016
[14] Disponível: http://www.conjur.com.br/2015-nov-17/academia-policia-terrorismo-mundial-franca-nao-criminalizacao-brasil, acesso em 18/07/2016
[15] FERRY, Luc. A inovação destruidora – ensaio sobre a lógica das sociedades modernas. Trad. Véra Lucia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015, p. 44-46.
[16] PAPER, Robert A. Dying to win: The Strategic Logic of Suicide Terrorist. New York: Randon House, 2005.
[17] TZVETAN, Todorov. Os inimigos íntimos da democracia, trad. Joana Angelica d’Avila Melo, São Paulo: Companhia das Letras, p. 88.

Autores

  • é delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro, doutorando em Direitos Humanos na Universidad Nacional de Lomas de Zamora (Argentina), professor de Processo Penal da Emerj, da graduação e pós-graduação de Direito Penal e Processual Penal da Universidade Estacio de Sá (RJ) e do curso CEI. Membro da International Association of Penal Law e da Law Enforcement Against Prohibiton.

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